Caseína: a polêmica da vez

Atualizado em 10 de julho de 2017

A caseína é uma proteína que, há alguns anos, tomou espaço no mercado de suplementos alimentares. Veio com a promessa de oferecer uma absorção mais lenta, exatamente o contrário da whey protein. Outra diferença é a indicação de seu uso antes de dormir, enquanto a whey protein é recomendada logo após o treino. Mas a caseína é novidade? Se você considerar o leite de vaca uma novidade, a resposta é sim.

A caseína corresponde a aproximadamente 80% das proteínas do leite, que você encontra nos supermercados e padarias. Iogurtes e queijos são riquíssimos em caseína. Portanto, se a sua mãe vive dizendo que o seu suplemento de caseína pode fazer mal, é bom avisá-la que ela consome a mesma proteína, no leite com café de todas as manhãs.

Assim como já aconteceu com inúmeros suplementos – creatina, L-carnitina, whey protein, TCM (óleo de coco), BCAAS –, “a bola da vez” dos críticos de plantão parece ser a caseína. Então, vamos aos fatos:

“A caseína é um composto inflamatório e tóxico ao nosso organismo, sendo inclusive relacionado ao aumento na incidência de câncer e doenças autoimunes”.

Assustador, não? Mas a afirmação é correta. O leite, extraído da vaca ou da cabra, não é um alimento natural para o organismo humano. Tenho um artigo sobre o assunto no meu site (www.rodolfoperes.com.br) publicado há mais de cinco anos. No meu livro Are You Ready, de 2007, cito exemplos de dietas prescritas para atletas de alto nível, sem leite e derivados. Em “Viva em Dieta, Viva Melhor, de 2012, quando falo sobre o leite, faço referência aos efeitos indesejáveis. Portanto, os efeitos alergênicos/inflamatórios do leite de vaca não são novidade nenhuma. Mas, para tudo existe um “porém”.

 

 

Se pensarmos na alimentação atual de nossa população, considerando os aspectos culturais e sociais, a polêmica não se esgota nos malefícios do leite para a saúde humana. Em meu consultório, a maioria dos pacientes em primeira consulta, apresenta sobrepeso. De um modo bem genérico, a rotina alimentar dessas pessoas é basicamente a seguinte:

  • Café da manhã = pão francês com manteiga, leite com café e açúcar;
  • Meio da manhã = nada
  • Almoço = arroz branco, feijão, carne gordurosa ou frita, pouca salada, doce de sobremesa e refrigerante;
  • Meio da tarde = nada
  • Jantar = lasanha, pizza.

Tomando esse cardápio como referência, será que o efeito inflamatório da caseína é importante? Será que faz mesmo alguma diferença? Não seria interessante incluir a caseína na refeição intermediária da manhã, considerando que precisamos ingerir proteínas em TODAS as refeições? Quem passa boa parte da manhã em jejum, conseguiria, imediatamente, fazer uma refeição com peito de frango orgânico, ou com claras de ovos orgânicos, entre o café e o almoço?

Fácil generalizar, não? Na prática, estruturar a dieta de uma pessoa que está começando do zero, com vários erros alimentares, requer muita cautela e bom senso, acima de tudo. No exemplo acima, a caseína seria, SIM, uma boa opção.

Quando a caseína é ruim?

Uma pessoa com uma rotina alimentar muito bem ajustada, com proteínas distribuídas em todas as refeições (peito de frango orgânico, carne bovina orgânica, peixes orgânicos, ovos orgânicos) não deveria, por exemplo, substituir a omelete, antes de dormir, por caseína. Com atletas de bodybuilding, principalmente em vésperas de competição, NUNCA recomendo a caseína. Para quem não sabe, nos dias que antecedem uma competição, até mesmo a whey protein é retirada da dieta.

Tenho pacientes que HOJE não consomem NADA de leite e derivados na dieta, mas que durante o processo de reeducação alimentar, usaram a caseína ou outro tipo de proteína derivada do leite. E eles garantem que esse processo foi fundamental.

Imaginem um maratonista que corre 20 km/dia. Em algum momento, ele só conseguia correr 5 km/dia. Ninguém começa levantando um supino de 200 kg. Foi necessário um longo período de adaptação, para que o corpo se acostumasse ao esforço exigido. É óbvio que ninguém atinge a “perfeição” de uma hora para outra.

Já participei de inúmeros congressos de nutrição que discutiam os malefícios de lactose, caseína, glúten, entre outros alimentos com propriedades inflamatórias. A maioria dos espectadores ficava assustada com os argumentos dos palestrantes. Mas, vejam que curioso: essas mesmas pessoas, minutos antes perplexas com a descoberta, caiam de boca nas bolachas, biscoitos e chocolates servidos no coffee break.

A caseína pode “não prestar” para alguém que tem um nível dietético avançado. Agora, para quem come coxinha frita no meio da manhã, ela pode ser um ótimo alimento e, diga-se de passagem, até mesmo uma aliada no processo de reeducação alimentar. Tenho inúmeros exemplos de pessoas que conseguiram reverter a obesidade com o auxílio de caseína.

Seria a caseína mais maléfica do que anorexígenos ou outras drogas, recomendadas por muitos médicos para perda e/ou controle de peso? Se a caseína é mesmo tão ruim quanto dizem, imagine então as carnes repletas de antibióticos, os vegetais contaminados por agrotóxicos, as bebidas alcoólicas, o excesso de sódio das comidas prontas, o açúcar do “inofensivo” refrigerante!

Há outro ponto que considero importante esclarecer. A caseína é uma proteína presente em inúmeros suplementos, não somente nos intitulados como “100% caseína” nos rótulos. A maior parte dos mix proteicos, refeições líquidas e tantos outros produtos muito conhecidos, contêm caseína. Até mesmo os leites artificiais para bebês, como o Nan, para citar uma marca muito popular em suplementação infantil, têm caseína.

Quem acompanha o meu trabalho, sabe que o que eu penso sobre a indústria de alimentos/suplementos. Ainda estamos dando os primeiros passos. Muito em breve teremos proteínas do frango, peixe e até mesmo de insetos em pó! Por mais absurdo que pareça, serão, sem dúvida, opções melhores em relação àquelas disponíveis, hoje, no mercado. Desenvolvi, recentemente, com o laboratório ADS, a linha Rodolfo Peres Series. Nela, uma das principais características é a ausência da proteína do leite nas formulações. Mas nem por isso, abomino o uso de caseína e whey protein. Até mesmo a albumina em pó não pode ser consumida por quem é alérgico à proteína do ovo. Entendem porque eu insisto em dizer que toda generalização é perigosa?

As centenas de pacientes que já entraram no meu consultório – obesos, anoréxicos, atletas, gestantes, crianças, idosos, etc. – receberam um tratamento distinto. Posso garantir que cada um deles recebeu uma prescrição e/ou protocolo específico. Se não fosse assim, não haveria a necessidade de um nutricionista, de um profissional especializado. Muito mais fácil copiar da internet a dieta da moda e segui-la à risca. Com saúde não se brinca, pessoal.

Por falar em brincadeira, para vocês terem ideia, existem artigos científicos que relacionam o uso de papel higiênico ao câncer de ânus. De acordo com essa lógica, para ser 100% salutar, devemos eliminar da nossa alimentação todo e qualquer tipo de agrotóxico, evitar carnes com antibióticos, não fumar, não ingerir bebidas alcoólicas, viver em uma cidade sem poluição, trabalhar pouco, não se estressar, NÃO TOMAR CASEÍNA, não… Bem, acho que entendem o que quero dizer.

Confesso que quando eu vejo uma discussão sobre a caseína ou sobre algum outro suplemento alimentar, me sinto como um treinador acompanhando uma discussão sobre o agachamento livre. Os amadores vão criticar esse exercício, enquanto outros amadores de plantão vão endeusá-lo. O profissional de verdade (leia-se: TREINADOR), saberá que esse exercício pode ser fantástico para algumas pessoas, péssimo para outras ou, apenas, interessante para determinados casos.

Não minha humilde opinião, analisando o comportamento atual da maioria, a busca das pessoas pelo “corpo perfeito”, o que não “presta” não é a caseína, a lactose, o glúten ou a frutose, mas sim o uso indiscriminado de anorexígenos farmacológicos em casos de obesidade/sobrepeso ou de esteroides anabólicos e hormônios de crescimento em entusiastas de academia. Isso, sim, deve ser combatido com rigor! Antes de iniciar qualquer programa que vise uma mudança corporal, busque a orientação de um treinador responsável e siga dieta recomendada por um nutricionista. Sem treinamento e dieta adequados, resta acreditar que bons resultados são obtidos, apenas, com o uso de drogas. Muitos mestres, muitos erros. Confiem no profissional que está lhe assessorando. Ele sabe o que é melhor para VOCÊ. Viva em Dieta, Viva Melhor!

Por Rodolfo Peres

Rodolfo Peres (nutricionista, CRN3 16389). O nutricionista é o profissional de saúde com formação generalista, humanista e crítica. Está capacitado para atuar visando à segurança alimentar e a atenção dietética, em todas as áreas do conhecimento em que a alimentação e nutrição se apresentam fundamentais para a promoção, a manutenção e a recuperação da saúde; para a prevenção de doenças de indivíduos ou grupos populacionais. Sua atuação contribui para a melhoria da qualidade de vida e deve ser pautada em princípios éticos, com reflexões sobre a realidade econômica, política, social e cultural do país.