315 Medley e o Fênix Curitibano: histórias da natação

Atualizado em 27 de julho de 2016

No mês de julho de 1986 o Clube Curitibano atingiu um feito notável. Colocou 4 atletas na final A do Troféu José Finkel, Campeonato Brasileiro Absoluto de Inverno. Mas, o que foi motivo de euforia para nossa equipe, transformou-se num estranho episódio da história da natação brasileira.

O cenário
A disputa aconteceu na piscina coberta de 50 metros do Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo.

Os protagonistas
Newton Kaminski, meu ídolo, classificou-se na raia 1, sentia mas não externava, que teria dificuldades para defender o bicampeonato da prova, conquistado em 84 e 85.

Felipe Malburg, estava na raia 6 e era naquele momento o melhor rankeado entre os 4, havia conquistado o bronze no Troféu Brasil no mês de janeiro anterior.

Renato Ramalho estava na 5 e naquele ano começou a experimentar uma hegemonia que duraria 4 anos nas provas de 400 medley na América do Sul.

E, Roberto Clausi Júnior, o Tite, que surpreendendo a todos classificou-se na raia 4, ficou deslumbrado e recebeu o apelido de “Rei da Eliminatória” pelas ótimas performances matinais.

Não posso deixar de citar que fiquei fora desta final por 20 centésimos, e no momento que quero que vocês visualizem, acabara de vencer a final B.

Ah!  Não esqueçam que toda prova tem um juiz de partida e um árbitro geral.

Circunstâncias
Me posicionei para assistir a prova perto da corda dos 15 metros, atrás de um cercado de madeira que isolava a área da piscina. Apostava num pódium todo verde e branco e o cansaço não impediu um grito de apoio sequer.

Naquela época, as regras da FINA permitiam até 3 saídas por prova e os árbitros costumavam desclassificar antes da 3ª saída, somente os casos de “queimadas escandalosas”.

A prova
Dada a saída, prevaleceu o equilíbrio no nado borboleta, o que era ótimo para nós, já que Kaminski e Malburg eram peitistas, Ramalho fundista e Tite estava com um ótimo final de prova.

Ocorre que durante o costas, percebi à minha frente o juiz de partida tentando convencer o árbitro geral de algo e fazendo menção a soltar a corda dos 15 metros para interromper a prova. Fiquei tenso, mas ele não soltou a corda. Foi um alívio e voltei a me concentrar na disputa. Ramalho virou os 100 metros um pouco na frente, a torcida gritou um sonoro “UOU!” na primeira braçada de peito.

No momento seguinte o  árbitro soltou a corda de queimada e parou a prova. Inacreditável!  Não era possível entender o que estava acontecendo… mas não tinha mais volta.

Agora notem o detalhe: vocês lembram que Kaminski estava na raia 1, certo?  Pois bem, devido a inclinação da corda ele não a percebeu e lógico, não parou, umas duas braçadas depois deu a tradicional olhadinha pro lado, não viu ninguém e pensou:  “É minha” – e colocou ainda mais vigor na braçada, quando visualizou o atleta Giovani Cordeiro, que nadava no Fluminense, sair da torcida e pular na piscina em sua raia. Desesperado pensou: “sai f.d.p.”, tentou se livrar da barreira e continuar nadando. Não deu. Tentativa frustada, levou alguns segundos para sintonizar e perceber o que estava acontecendo.

115 metros nadados e um inconformismo generalizado no ginásio.

A solução
Foi anunciado que um atleta do Vasco – Rubem Trilles – movera-se antes da partida. Ninguém foi desclassificado e uma nova prova marcada para dentro de 30 minutos.

Estados de espírito
Ramalho, sempre brincalhão e fundista, estava tranqüilo, numa boa mesmo. Malburg indignado. Kaminski, contando bravo sua história engrassadíssima.

E o Tite – pobre Tite. Sintam o drama: faltavam para acabar a competição os 50 livre e os 4×100 livre, feminino e masculino. E para ele: 200 medley, 50 livre e 4×100 livre. Só que ele não conseguia parar de lamentar, comentando o quanto vinha bem na prova. E vinha mesmo.

A 2ª prova
Sem outros incidentes, Ramalho tirou de letra e ficou com o ouro, levando nossa equipe ao topo do pódium. A distribuição das medalhas foi igual ao da prova dos 400 medley, do dia anterior, completada pelo pinheirense – Luiz Osório Anchieta e um flamenguista – Roberto Fiúza Neto.

Kaminski e Malburguinho não conseguiram boas marcas e ficaram em posições intermediárias. E Tite?  Fechou raia num crawl esgotado e o tempo 6s acima daquele marcado nas eliminatórias.

50 livre
Enquanto Tite agarrava exausto na raia, seus adversários entravam atrás dos blocos de partida para a prova dos 50 livre. Subiu, passou a toalha no rosto e foi para o outro lado da piscina. Ainda ganhou de um e chegou em 7º.

Fênix
Sonhávamos com uma medalha nos 4×100. Olhei e vi Tite caído embaixo da arquibancada. Leonardo – nosso técnico me consultou: “Será que coloco o Gustavão (Pinto, nosso 5º homem) no lugar do Tite?” – suspirei e soltei um irresponsável: “Acho que ele agüenta. Deixa o Tite”.

Abri em primeiro e Tite respondeu heroicamente à confiança da equipe mantendo o posto, Ramalho foi pressionado e Kaminski caiu um pouquinho na frente. Nadou muito, mas não foi possível resistir ao recordista brasileiro da época – Jorge Fernandes, do Flamengo, e ao atual diretor do Pinheiros, Fiore. Quebramos o recorde paranaense e ganhamos a medalha inédita, que nos deixou muito felizes e marcou aquele dia como um dos inesquecíveis dias de nossas vidas.