Corredoras de rua contra a opressão

Atualizado em 04 de novembro de 2016
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A corrida de rua é considerada um dos esportes mais democráticos que existem, já que, para praticá-la, basta correr. Além de qualquer um conseguir praticar a atividade, é preciso apenas um par de tênis (ou nem isso) e uma roupa confortável e a pessoa já está pronta para encarar o asfalto. Não é necessário um espaço específico, como uma quadra, nem mesmo um parceiro, adversário ou time. Ou seja, em teoria, pode ser praticada sozinho. Já na prática, para as corredoras de rua, a realidade funciona de uma maneira diferente.

Consideradas “sexo frágil”, elas costumam ser o alvo preferido de agressões físicas, assaltos e, principalmente, de assédio sexual. Não existem estatísticas específicas sobre violência contra mulheres praticando atividade física — e poucos são os casos noticiados na mídia. Contudo, bastou uma pergunta em uma rede social e menos de uma semana para que a O2 recebesse diversos relatos de corredoras que já enfrentaram situações de medo, perigo ou constrangimento enquanto treinavam nas ruas e parques de suas cidades. Os depoimentos vieram dos mais variados lugares do País, mostrando que não se trata de um problema regional.

Atenção redobrada
Quem gosta de treinar ao ar livre, seja na rua ou em parques, deve se preocupar não apenas com sua hidratação e reposição de energia. Infelizmente, seja homem ou mulher, aspectos relacionados à segurança não podem ser deixados de lado. É preciso escolher com cuidado o local e o horário do treino, ficar atento ao que acontece ao redor e tomar algumas precauções para evitar situações de perigo.

Por serem vistas muitas vezes como alvos mais fáceis, as mulheres, contudo, tendem a se preocupar mais com essas questões. A corredora Tatiane Silva, de São Paulo, costuma treinar sozinha, mas não leva nada com ela para não chamar a atenção. “Não saio com relógio nem celular, então nunca consigo marcar o tempo. Coloco apenas o tênis e só por Deus para não levarem”, desabafa frustrada. Para algumas corredoras, a saída é partir para as ruas sem nenhum pertence ou sempre em grupos.

Para outros, porém, isso é sinônimo de limitação. “Insegurança por treinar sozinha sempre existiu, mas acho muito difícil encaixar treinos semelhantes com outras pessoas, já que cada um tem o seu pace, horário e metas próprias”, diz a corredora Ana Paula Fecchio, 36 anos, de Londrina. “Prefiro o treinamento solitário, pois assim tenho a liberdade de escolher trajetos e respeitar a intensidade da corrida, além de ter um momento só meu para poder focar no meu conhecimento corporal”, complementa.

A profissional de marketing esportivo Thais Gramani Serra, 27 anos, de São Paulo, há cinco anos adotou a bicicleta como meio de transporte. Todos os dias, ia e voltava do trabalho pedalando pela Avenida Sumaré, onde também corre. Contudo, um assalto sofrido no início de agosto a fez cortar um dos maiores prazeres de sua vida. “Eu estava voltando de bike pela ciclovia quando fui ultrapassar um pedestre. De maneira inesperada, ele me deu uma coronhada no rosto. Caí desmaiada no chão com cortes no rosto e um dente quebrado”, relembra ela, que teve sua bicicleta e pertences roubados.

As dores no corpo e os machucados que ainda estampam seu rosto não são a pior parte. O que mais a incomoda são a frustração e a indignação de não poder fazer o que gosta. “Nunca tive carro antes e agora estou tendo que abrir mão da liberdade que a bike me dava. Sinto como se estivesse constantemente numa caixa. De casa para o carro, do carro para o trabalho e assim vai. Mas enquanto não houver uma mudança na questão da segurança, não vou me arriscar, até porque fatos como esse acontecem todos os dias.”

 

 

 

Corrida contra o assédio
Que mulher nunca ouviu uma cantada ou buzinada enquanto corria, pedalava ou caminhava pela rua? Se não bastasse o assédio verbal, muitas enfrentam situações de violência com conotação sexual, como ocorreu com a corredora Ana Paula, que treina sozinha. “No final do ano passado, durante um treino no Jardim Botânico, um motoqueiro se aproximou lentamente, me assustando. Aumentei o pace para fugir, mas ele também acelerou e, para minha surpresa, vi que o sujeito estava com a calça abaixada”, conta ela, que ficou quase um mês sem voltar àquele lugar.

Após o susto, ela voltou a treinar no parque, mas o mesmo motoqueiro reapareceu. “Ele se aproximou, sem eu perceber, e apertou a minha bunda. Por sorte, consegui anotar a placa e informei para um amigo policial. Porém, após isso, nunca mais voltei a correr naquele lugar.”

A corredora Magali Suman, 53 anos, de São Paulo, também passou por uma situação de assédio enquanto treinava. “Estava correndo em uma praça quando um homem saiu de trás da árvore se masturbando. Corri muito e quando cheguei em casa, chorei horrores. Não acreditava no que tinha acontecido”, conta a atleta, que também nunca mais voltou a treinar no local. “Todos estão sujeitos a sofrer um assalto, mas homens podem treinar sozinhos que risco de assédio eles não correm. Agora só treino com o meu marido.” Quando tentam achar uma justificativa para o ocorrido, Magali logo responde: “Sem sermões machistas, pois eu estava usando um moletom bem larguinho”.

O mesmo incidente foi vivido pela personal trainer Stephanie Helen, de Suzano. “Montei um grupo de corrida em Poá e costumávamos treinar em uma praça, até o dia em que enfrentamos a mesma situação constrangedora que a Magali”, conta. Com relação à escolha da roupa, a ciclista Thais diz que no início só saía para pedalar de calça, e mesmo assim os homens não respeitavam. “Tanto faz o modo como você está vestida, eles vão mexer com você.” No começo, ela se revoltava com os assédios, mas passou a ignorar, já que sua reação, algumas vezes, a colocava até em situações de perigo. “Uma vez xinguei um motoqueiro que mexeu comigo e ele ficou me esperando no farol seguinte. Quando o ultrapassei, ele saiu arrancando, me apavorando”, relembra. “A gente não pode nem dizer que não gostou.”

 

Segurança em primeiro lugar

• A seguir, dicas de segurança que algumas corredoras seguem para se sentirem mais seguras e protegidas

• Procure correr em locais com boa iluminação e com movimento.

• Tente deixa a carteira, assim como outros objetos de valor, em casa.

• Se corre com música, deixe o volume baixo para que possa ouvir ao seu redor.

• Mesmo que seja difícil, evite confrontos verbais em casos de assédio.

• Se suspeitar de alguém no caminho, procure algum comércio para entrar.

• Por mais que esteja focada no treino, mantenha-se atenta a tudo ao seu redor.

• Carregue um papel com seu nome e telefone em caso de emergência.

• Procure não sair para correr usando brincos, joias e objetos de valor.

• Altere sempre seu percurso e, se possível, o horário de treino.

• Se for do seu agrado, faça os treinos na companhia de uma ou mais pessoas.

 

Números

• Um em cada 3 BRASILEIROS culpa a mulher em casos de estupro

• No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 MINUTOS

• Apenas 10% DAS AGRESSÕES contra mulheres são registradas

• 42% DOS HOMENS concordam com a frase “mulheres que se dão respeito não são estupradas”

• 32% DAS MULHERES concordam com esta frase

• 85% DAS MULHERES TÊM MEDO de ser vítimas de agressão sexual

(Fonte: Pesquisa Datafolha de 2016 encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP))