Vale a pena controlar a dieta o ano todo?

Atualizado em 10 de dezembro de 2014

Termos antes conhecidos apenas pelos fisiculturistas, bulking (off-season) e cutting (pre-contest) se popularizaram entre os praticantes de musculação sem ambições competitivas. Hoje, é comum o paciente me perguntar, já no início da consulta:

– Você acha que devo fazer um cutting ou um bulking?
No passado, essas práticas eram muito utilizadas pelos fisiculturistas, que buscavam um acúmulo de massa muscular no período off-season (mesmo que ocorresse algum acúmulo de gordura), e uma redução de gordura corporal no período pre-contest (mesmo que ocorresse o sacrifício de parte da massa muscular). Avaliava-se a dieta, principalmente, pela ingestão calórica total. Boa parte dos atletas não se preocupava muito com a qualidade da dieta no período off-season, e, consequentemente, tinha muito trabalho para baixar o percentual de gordura nas vésperas de uma competição. Estamos falando de um tempo em que os conhecimentos nutricionais eram limitados e a disponibilidade de suplementos no mercado era pequena, se comparada aos dos dias atuais.

O período bulking é aquele em que o ganho de massa muscular é a prioridade. Geralmente, trabalha-se com um superávit energético mínimo de 500 a 1000 calorias, com relação ao gasto energético diário. Já o período cutting, preconiza a redução da gordura corporal, com um déficit energético mínimo em torno de 500 calorias diárias, que pode ser obtido por restrição dietética ou aumento da atividade física.

Com a popularização do Bodybuilding como esporte, hoje, os atletas precisam apresentar uma ótima composição corporal o ano todo, pois, além das competições, também precisam participar de eventos, sessões de fotos para revistas/sites e cumprir uma série de compromissos com patrocinadores. Mesmo quem não é atleta também busca manter um bom físico ao longo do ano, não só quando vai à praia ou nas férias de verão. Essa realidade, associada com um maior conhecimento sobre nutrição esportiva e a grande evolução da indústria de suplementos, mudou drasticamente os conceitos de bulking e cutting.

Para manter seu percentual de gordura corporal controlado o ano todo, tanto o atleta, quanto o praticamente de musculação sem fins competitivos devem obedecer algumas práticas nutricionais importantes. Mesmo em um período com maior ingestão calórica, pensar na qualidade dos nutrientes é fundamental. Optamos sempre por alimentos fonte de carboidratos de baixo índice glicêmico (batata doce, arroz integral, macarrão integral, aveia, pão integral, frutas de baixo índice glicêmico) em praticamente todas as refeições do dia, exceto no café da manhã, no pré e pós-treino. Após um treino intenso, podemos usar como fonte de carboidratos: a tapioca, a batata inglesa, o arroz branco e frutas com maior índice glicêmico. A distribuição quantitativa dos alimentos fonte de carboidratos deve respeitar os momentos de maior necessidade desse nutriente: primeira refeição do dia, refeição pré-treino e refeição pós-treino, que devem conter 60% da ingestão total de carboidratos. Nas demais refeições, distribuímos os 40% restantes, sempre tomando com cuidando com a qualidade do carboidrato escolhido (baixo índice glicêmico).

Com relação à ingestão de proteínas, a estratégia não é muito diferente da realizada no período de cutting. Em minha prática clínica sempre ajusto a ingestão proteica considerando a intensidade do treinamento, a partir da análise de exames laboratoriais. Avalio, por exemplo, a relação entre os níveis de CK (creatinaquinase), de ureia e a evolução antropométrica. Lembrando que níveis elevados de ureia também podem estar relacionados com perda de massa muscular e não apenas com uma excessiva ingestão proteica.

A ingestão de gorduras, também deve estar entre 20 e 30% do total de calorias ingeridas. Esse nutriente possui relação direta com a síntese de testosterona, ou seja, uma ingestão baixa de gorduras reduz, consideravelmente, o potencial de ganho de massa muscular. Pelo menos 2/3 da ingestão de gorduras devem ser de fontes mono e insaturadas (azeite de oliva, abacate, castanhas, amendoim, linhaça, chia, dentre outras fontes). Gosto muito de indicar a suplementação de ácidos graxos ômega 3 para praticantes regulares de musculação. Dentre tantos benefícios, esse nutriente auxilia no processo recuperativo e, consequentemente, no aumento da massa muscular.

Vitaminas, sais minerais e fibras nunca devem ser esquecidos. Acho interessante o consumo de legumes e verduras em três ou quatro refeições diárias. Podemos, inclusive, usar vegetais para enriquecer algum shake proteico ao longo do dia. Falando em shakes, no período de bulking, temos maior liberdade para usá-los, já que no período de cutting restringimos a suplementação apenas para o pré e pós-treinamento. Preferimos sempre a alimentação sólida em todas as refeições, mas, mesmo no período de bulking, recomendo a substituição de no máximo duas refeições diárias por shakes. Uma sugestão de shake para o bulking é liquidificar um bom mix de proteínas com batata doce cozida e algum alimento fonte de gorduras boas, como abacate ou amendoim.

No período de bulking, também é permitido usar um pouco mais de sódio, nutriente importante para o processo de hipertrofia. No período de cutting, restringimos o consumo desse nutriente para evitar retenção hídrica. Mas quando se objetiva hipertrofia, uma leve retenção hídrica é um fator importante para a manutenção do estado anabólico. Para melhor compreensão, podemos classificar o consumo de sódio no bulking como “moderado” e no período de cutting como “restrito”. Lembrando que o alimento já possui sódio e adição de sal nos alimentos deve ser controlada.

Quanto à suplementação no momento do treino, tanto atletas competitivos, quanto praticantes regulares com um treinamento avançado, poderiam se beneficiar no período de bulking com a suplementação de:

Pré-treino: carboidratos de rápida absorção e baixo índice glicêmico, antes do treino (waxy maize e palatinose), com uma pequena quantidade de proteína de rápida absorção (whey protein, proteína da carne, proteína do arroz);

Intra-treino: BCAAS, dando preferência para os que contêm maiores índices de leucina. Indivíduos com metabolismo acelerado podem se beneficiar com a inclusão de carboidrato (waxy maize ou palatinose) nesse momento;

Pós-treino: Proteínas de rápida absorção com carboidratos de rápida absorção e elevado índice glicêmico (maltodextrina, dextrose, abacaxi, melancia), glutamina e creatina.

Lembrando que a suplementação de creatina deve ser realizada diariamente, pois seu efeito é crônico, não agudo, como alguns ainda pensam. Quando não treinar, administre a creatina em alguma refeição do seu dia que seja rica em carboidratos, como o café da manhã, por exemplo.

Sem dúvida, entre 30 e 40 minutos antes do treinamento, a inclusão de substâncias como citrulina, arginina AKG, norvalina, sulfato de agmatine, B. Vulgaris, dentre outras substâncias que estimulem a síntese de NO (óxido nítrico), é muito interessante. Essa suplementação aumenta consideravelmente o rendimento, pois melhora a oxigenação muscular. Só que antes de introduzir esses suplementos, é preciso avaliar o nível de treinamento do indivíduo e sua condição financeira, pois estamos falando de suplementos de alta qualidade e caros. Por isso, antes de se preocupar com os estimulantes da síntese de NO, considero a introdução de proteína, carboidratos, BCAAS, creatina e glutamina, respectivamente, mais importante.

A nutrição esportiva leva em conta a interação entre o treinamento e a dieta. Não é possível uma correta adequação nutricional, sem antes compreender a real intensidade do treino. Durante o bulking, quanto mais próximo do físico desejado o atleta estiver, menos rigorosa será a etapa final da preparação e, consequentemente, será mais fácil evitar a perda da massa muscular tão arduamente conquistada durante em meses ou anos de trabalho. Sem contar que alterações abruptas no peso corporal não são condizentes com uma ótima preservação da saúde. Sem dúvida, o que vale mesmo a pena é controlar a dieta o ano inteiro! Ótimo treino a todos!