Não deixe que seu treinador se transforme em um Pablo Escobar

Atualizado em 31 de outubro de 2017
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Vocês certamente já ouviram a expressão “Cartel da Endorfina”, que designa aquelas pessoas viciadas em esporte e na substância que sua prática derrama no sangue. Uma droga do bem, que chega a dar um verdadeiro barato. Como a compulsão parece ser uma característica tão humana quanto a fofoca e a tentação por chocolates, não demorou para que a prática de esportes se transformasse em vício. O bagulho é tão bom que não duvido que um dia apareça algum deputado querendo proibir a endorfina via prática esportiva.

Como toda droga, a endorfina tem diferentes níveis de consumo. Há quem a consuma socialmente, como eu. Mas, da mesma maneira que há gente que exagera na comida, na cerveja, nas mentiras e no silicone, a corrida também tem seus exagerados. E eles são chamados de ultramaratonistas. Eu fui criado com a ilusão de que os corredores da maratona eram os homens de aço e foi pensando em tornar-me um deles que comecei a correr. Logo descobri que completar a maratona de Nova York, de Paris, de Chicago, é quase um programa de turista. Macho mesmo é o sujeito que completa os 90 km da Comrades, na África do Sul. Tão difíceis quanto a prova, só mesmo os treinamentos, que
chegam a superar a barreira dos 300 km por semana.

 

 

Mas não é só o ultramaratonista que gosta de overdoses de endorfina. Há também os viciados em intensidade, pessoas que gostam de botar os bofes para fora a cada treino e, claro, compartilhar seu esforço nas redes sociais. Como já escrevi aqui, você provavelmente conhece o tipo. O cara era um sujeito bacana, culto, cheio de assuntos e, de repente, ele descobre a corrida. Até aí, tudo bem. Bom para ele. O problema é que algumas pessoas acham que não basta correr. É preciso tornar a corrida indissociável de todos os momentos da vida. Fazer dela uma forma de vida. Fazer da vida uma interminável corrida.

Tudo começa com a vaidade. O cara perde peso, melhora os tempos, começa a ganhar elogios e ultrapassar gente mais lenta. Aí ele passa a se achar um atleta com A maiúsculo, padrão Kipchoge. Então surgem as fotos no Instagram cruzando linhas de chegada, fazendo o vezinho da vitória, mostrando medalhas. E posts no Facebook comentando os tempos de cada treino, quantos quilômetros foram percorridos etc. Há aplicativos criados para que os viciados em corrida possam compartilhar seus treinos, como se alguém realmente estivesse interessado em saber se eu corri 10 km a 5’35” ou 6’17” por quilômetro. Tarados por corrida assim passam a ter um só assunto. É a endorfina atingindo níveis lisérgicos na consciência das pessoas. Um perigo.

Eu não vou propor que a endorfina seja tratada como droga proibida, claro. Mas não estou brincando quando afirmo que um vício – mesmo que seja em algo bom como correr – cobra um preço, seja no convívio social, seja no desgaste excessivo do corpo. Sendo assim, fique sempre atento. Não deixe que seu treinador se transforme em um Pablo Escobar nem que sua vida nas pistas se pareça com um episódio de Narcos.