Te desejo uma lesão e uma vida longe de mim

Atualizado em 09 de outubro de 2017
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Você, que está aí todo serelepe treinando 4 a 5 vezes por semana, batendo recorde atrás de recorde, fazendo duas provas de rua por mês, colocando a corrida no centro da alma e da vida, chamando os outros para desafios incríveis pelos aplicativos, te desejo três coisas incríveis: vida longa, vida longe de mim e uma lesão.

Explico item por item. Vida longa: para que você corra para sempre, enquanto seu sempre durar. Vida longe de mim: com este perfil, você deve ser um xiita da corrida, deve falar sobre isso o tempo todo. Acho chato, e olhe que eu falo bastante sobre o ato de correr, mas não quero, não. Uma lesão: meu amigo, minha irmã, a lesão pode torná-lo uma pessoa melhor.

A corrida é um dos esportes em que o corpo responde com grande rapidez. Se você foi sedentário por 20 anos, em 4 meses estará correndo 5 km sem parar. Em 6, uns 10 km. E em 1 ano, fecha esses 10 km em menos de 1 hora. Daí você já vai para as provas de 21 km (até porque são raros os meios-termos, com distâncias de 15 km). Faz uma meia dúzia de meias-maratonas e já vai para a maratona inteira, parruda, cheia.

Nesse meio tempo, você corre como se não houvesse amanhã. Treina subida, treina velocidade, longões e mais longões, corre só no asfalto, sem alternar com outros tipos de solo. Como perde peso rapidamente e o pernão só engrossa, você se empolga ainda mais e aperta os treinos. Descansar para quê? Na morte eu descanso, já dizia Renato Russo. Certinho.

E aí, a lesão aparece. No começo, é como um beliscão e você pensa: “Não é nada, tomo um advil, e – vrá! – vou fazer a prova de 21 km no domingo. Você vai e a organização não o avisa, mas a prova não tem 21 km; tem 21,850 km. E a dor piora. Muito. E, além do físico, ela bate na alma, porque você sabe o que aquilo representa (raio X, ressonância, gelo, fisioterapia, analgésico, anestésico, o que, somando, pode chegar a uns 3 meses parado ou mais). Maldito 0,850 km!!!!

 

 

Mas a culpa não é deste 0,850 km, tadinho. O que agora é dor, antes foi só um incômodo que você não deu pelota. E, como você não ficou dentro do seu limite, a lesão te dá um alô. Como eu sei disso? Pela perna: já lesionei as duas panturrilhas ao mesmo tempo. Fiz minha primeira meia-maratona, me achei Wonder Woman e, ao invés de ficar quietinha treinando devagarzinho e tal, fui pras cabeças. Dois meses depois do meu début, fiz outra meia-maratona e um mês depois desta, a terceira. O excesso de provas me deu medalhas de honra ao mérito, que não sei onde foram parar, além de 4 meses parada, 6 kg a mais e um tédio profundo. Aproveitei para espalhar o ódio pelo mundo. 

E fui parar no ortopedista. Doutor Antonio Masseo, de São Paulo, tem um currículo de mais de um metro. Homem sério, médico especialista em tratamento de tendinites, fraturas por estresse, lesões musculares por trauma ou por fadiga. Entrei no consultório, e ele veio com um sorrisão, todo educado:

– Olá, tudo bem?

– Não, as panturrilhas doem e não consigo pisar no chão.

Olhando diretamente nos meus olhos, ele foi direto:

– Sabe qual o problema dos atletas de hoje? Vocês se acham super-heróis. Estão mais para os atenienses, que cultivavam o corpo a todo custo, do que para os espartanos, que só pensavam em guerrear.

E lá foi ele me contando toda a história de um e de outro. A mim, ateniense, coube parar com tudo e rezar para um dia virar espartana, no sentido imenso da palavra, uma pessoa mais rígida, séria. Sei.

Portanto, se você sentiu uma dor mínima, pequeníssima, lá nos fundilhos, para tudo e vá perguntar ao treinador o que está acontecendo. Se for o caso, corra ao ortopedista. “Corra” é maneira de dizer. Vá bem devagar, pé ante pé. Foi isso o que o dr. Masseo me disse quando as panturrilhas simplesmente pararam. “Você não foi humilde para aceitar a dor, está sendo na marra.” Credo, doutor. E viva Esparta, ela que era esperta. Desculpe, não pude evitar o trocadilho.