Sprinters e fundistas: a classe dos corredores

Atualizado em 01 de julho de 2016

No papel, os corredores formam uma classe única de pessoas com muitas características em comum. Uma espécie de grupo quase uniforme, no qual quem vê um, vê todos. Na prática, não é nada disso. Sim, os corredores usam tênis, suam bastante e saem trotando por aí. Mas as semelhanças entre eles não vão muito além dessas. Há os que treinam todo dia e os corredores de fim de semana. Há os que correm por diversão e os que encaram tudo como uma questão de necessidade. Há os que amam e os que odeiam esteira. Mas, acima de tudo, há dois tipos bem distintos de corredor: os chamados sprinters e os fundistas. As diferenças entre eles são tão abissais que chego a pensar se praticam, de fato, o mesmo esporte.

Os sprinters são os apressadinhos. Gostam de correr pequenas distâncias na maior velocidade possível. Os fundistas são os resistentes. A velocidade para eles também é importante, mas nada que se compare com o volume de quilômetros percorridos. O sonho de todo sprinter é correr 100 metros abaixo de 10 segundos. Para os fundistas, a realização maior são os 42 km. Conquistada a primeira maratona, eles querem acumular mais uma. E mais uma, e outra mais. Até que chega o dia de sonhar com ultramaratonas. Como a Comrades, na África do Sul: 90 quilometrozinhos básicos. Um ano essa prova terrível é na descida; no outro, na subida. E querem saber quando o número de inscrições é maior? Quando a prova é na subida. Porque cascudo que é cascudo quer correr do jeito mais difícil. Esse é o espírito do verdadeiro fundista.

Fisicamente, as diferenças entre sprinters e fundistas são ainda mais gritantes. A perna de um típico corredor dos 100 metros rasos equivale ao tronco de um maratonista, cujos cambitos são finos como os de um gafanhoto. Bolt, claro, é uma exceção à regra. Explosão é tudo, ou quase tudo, para um sprinter. Seus músculos têm que trabalhar intensamente e por pouco tempo. Já os fundistas precisam mais de pulmão e de coração do que de pernas. Animais diferentes, garra igual. As duas grandes estirpes de corredores merecem igualmente o nosso respeito. Mas a verdade é que nós, típicos corredores de rua, acabamos nos identificando mais com os fundistas.

O corredor de rua é, por definição, um fundista, embora muitos sejam metidos a sprinters — e é assim que acontecem as contusões. E ser fundista não é um mau negócio. Apesar de cruzarem a linha de chegada com uma cara muito mais arrasada do que os sprinters ganhadores das provas curtas, eles podem correr a vida toda. Ninguém continua sprinter depois dos 40 anos, enquanto muitas pessoas começam a correr longas distâncias justamente com essa idade. Inclusive os sprinters que se aposentam…

(Coluna publicada na Revista O2 – edição #118 – fevereiro de 2013)