“Ora, pílulas!" - Santa vida chata, Batman

Atualizado em 06 de dezembro de 2016
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Aquelas divertidas séries de televisão de antigamente — como as aventuras de Batman — tinham uma linguagem esdrúxula até mesmo para a época. Tenho certeza de que ninguém usava expressões como “Santa ingenuidade!”, “Macacos me mordam!” ou “Ora, pílulas!”. A explicação para esse linguajar tem relação com tentativas de se fazer traduções literais dos roteiros e ainda com o fato de que os roteiristas não curtiam os diálogos naturais. O fato é que essa coisa do “Ora, pílulas” jamais saiu da minha cabeça.

E então eu me dou conta de que a edição atual da O2 traz um Guia de Nutrição, o que me faz pensar nos suplementos alimentares. Finalmente vou poder usar o “Ora, pílulas!” em uma coluna contando uma boa e divertida história. Foi a partir dela que peguei implicância com os malditos suplementos.

Há cerca de dez anos, um amigo mais velho, mas que tinha a insuportável cara de um moleque de 30, me falou que seu segredo era um médico especializado em envelhecimento, que ele frequentava desde quando tinha 20 e tantos anos. Um cara que frequenta um geriatra antes dos 30 só pode ser um psicopata, mas se o preço para ter aquela cara de guri era ser um psicopata, eu estava disposto a pagar. Metade do tempo da consulta foi utilizado pelo doutor para provar, com requintes de crueldade, que se eu nada fizesse estaria condenado a retornar ao plano espiritual em breve. Meus indicadores de exames, que não estavam 100%, eram uma sentença de morte e só um plano emergencial (e caríssimo) poderia me salvar.

 

 

Para a salvação, mais exames e pílulas de suplementos eram necessários. Juro por Deus: pelo menos umas 25 pela manhã, outras 20 antes das refeições e mais umas 10 ou 12 antes de dormir. Eu devia comer umas 5 mil calorias só de plástico — se é que plástico tem calorias. Além disso, havia a bateria de cremes para a pele, que deveriam ser preparados com fórmulas exclusivas por especialistas parceiros da clínica. Como eu queria muito viver 100 anos, decidi que insistiria naquele tratamento.

Até o dia em que mandei tudo pelos ares. Por dois motivos. Primeiro porque descobri que para viver 100 anos eu precisaria gastar muito! Mas essa nem foi a gota d’água. Foi a imagem dantesca que vi numa das muitas salas da clínica: um casal de velhinhos refestelados naqueles sofás reclináveis, devidamente entubados e com frascos de sangue sendo injetados em suas veias. Perguntei ao glorioso rei do envelhecimento que diabos era aquilo. “Eles estão recebendo o próprio sangue. A gente aspira uma bolsa de sangue deles, adiciona vitaminas e todo tipo de suplementos e depois eles recebem o sangue fortificado de volta. Mais adiante vamos fazer a mesma coisa em você, pois é muito mais efetivo.” Como diria a minha avó, ao ouvir isso eu piquei a mula.

Desde então, toda vez que alguém me fala em suplementos eu solto a interjeição do Batman: “Ora, pílulas!” – embora reconheça que podem ser de grande ajuda. Mas sobre isso vocês terão de ler nas outras seções da revista. Porque, além de não entender nada do assunto, vocês já puderam perceber que sou meio traumatizado com ele.