Músculos para correr na chuva

Atualizado em 20 de setembro de 2016

Não somos como os carros de Fórmula 1. Quando vem a chuva, os possantes entram nos boxes e trocam seus pneus para piso molhado. Nós, quando corremos, só poderíamos fazer isso se carregássemos um par de tênis com sola para piso molhado (mas nem sei se existe uma tecnologia eficiente assim…). E como a maioria de nós não corre com um par de tênis extra, somos obrigados a utilizar um mecanismo de adaptação corporal natural: nossos músculos.

Para explicar este mecanismo, é importante lembrar das alterações que a chuva gera em alguns dos principais tipos de piso que costumamos correr. Em trilhas, a água pode tornar o solo escorregadio, mais mole e traiçoeiro, com buracos e desníveis escondidos em poças da água. No cimento, o chão também pode ficar mais escorregadio e ter buracos escondidos pela água, mas a densidade não muda. Já o asfalto é um dos pisos em que menos sentimos a diferença quando molhado ou seco.

Quando corremos em uma superfície mais macia, somos convidados a afundar mais nela, tendo nosso impacto amortecido, gerando menos sobrecargas nas articulações durante a fase de apoio de descarga de peso. Em caso de uma terra que fica mais macia quando molhada (vamos chamar isso de lama mesmo, rs) a força do impacto absorvido por ela não é devolvida para nosso corpo (como aconteceria em uma cama elástica), fazendo com que este tenha que fazer mais força para sair deste “amortecedor”, a cada passo. Por isso, correr na lama e na areia fofa da praia exigem muito mais condicionamento muscular, cansando bem mais os músculos utilizados na impulsão vertical (ganho de altura), como os anteriores da coxa (quadríceps), glúteos, lombar e panturrilhas.

No caso de pisos irregulares escondidos pela água acumulada, a sensação é como correr em um campo minado. Ficamos naturalmente mais tensos e menos flexíveis, gastando mais energia naturalmente. Além disso, sem reparar, curvamos mais a cabeça para baixo em relação a terrenos menos “traiçoeiros”. Isto acontece porque normalmente olhamos as irregularidades a vários metros na frente e calculamos para desviar deles antecipadamente, com certa margem de segurança.

Correr em uma pista coberta por água retira esta nossa capacidade de antecipação, fazendo com que tenhamos que tomar as decisões muito rapidamente, no momento exato que nos deparamos com a interferência (um buraco, uma raiz de árvore, um azulejo solto, etc.). Isso nos faz correr olhando mais para baixo, muitas vezes mais devagar e mais tensos, aumentando a demanda dos músculos posteriores de nosso corpo, como os do pescoço, da lombar e panturrilhas.

Outro fator importante é o atrito. Seja qual for o piso de corrida, quando coberto por uma fina camada de água, ele é reduzido. No asfalto esta diferença é bem menor, mas também ocorre. Um piso com menos atrito reduz a nossa capacidade de impulsão horizontal, ou seja, que nos desloca para frente, para os lados ou para trás. Isto quer dizer que acabamos gastando mais energia na contração muscular correndo em linha reta, fazendo curvas, freando na descida ou desviando de buracos e pessoas à frente.

Por fim, desconsiderando a qualidade do terreno, correr na chuva significa fazer atividade física com umidade relativa do ar a 100%. Existem estudos demonstrando que, nesta taxa de umidade, o mecanismo de refrigeração do nosso corpo fica bem menos eficiente, pois a transpiração fica comprometida, aquecendo o nosso corpo mais facilmente, aumentando a sobrecarga muscular.

Por outro lado, existem aqueles que consideram a própria chuva como um refrigerador externo do corpo. Neste caso, sugiro que experimente correr de noite a 25° em Brasília e depois, no mesmo horário e temperatura, em Manaus. A diferença de umidade é gigante – e, por isso, tenho certeza que você vai se cansar mais em um deles. Se tiver chuva, eu penso que vai depender da temperatura da água que cai sobre nosso corpo, não? 🙂

Seja pior ou melhor, mais prazeroso ou não, o importante é entender que os seus músculos e seu corpo irão responder de um jeito diferente durante os treinos – com e sem chuva. Para isso, basta não colocar as mesmas metas (da mesma forma em relação a treinos de manhã, tarde e noite, inverno e verão, a não ser que corra na esteira, em ambiente climatizado e umidade controlada).

Particularmente, eu prefiro sempre me molhar na rua!