Limite para seu limite

Atualizado em 08 de novembro de 2016
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O seu limite precisa ter limite. Se você não quiser ler esta coluna até o fim, guarde essa frase. Não é uma mera frase de efeito, embora tenha a pretensão de causar algum efeito na sua cabeça. Seu verdadeiro objetivo é desconstruir alguns modelos mentais que treinadores, assessorias esportivas e até mesmo a mídia esportiva vêm cristalizando na cabeça dos corredores. Quer saber quais são esses modelos mentais? Bem, aí você precisará ler a coluna inteira. Invista nisso e acredite em mim: vai valer a pena.

Quantas vezes você ouviu que recordes existem para ser quebrados? A raça humana tem esse fetiche com o crescimento, a superação de metas. Como filosofia, tudo isso é lindo. No entanto, quando estamos falando do nosso corpo, da nossa mente e da nossa saúde, levar todo esse clamor pela superação às últimas consequências pode ser destrutivo. Porque, se para a sociedade num sentido mais amplo não há limite para o progresso, quando estamos falando de você — ou de mim, claro, especialmente de mim —, as limitações são fatos normais da vida.

Outro dia eu estava revisando minhas planilhas e cheguei à conclusão de que em 2017 eu precisaria melhorar o meu tempo dos 10 km. Não me pergunte a razão, eu apenas achei que estava em dívida comigo mesmo. Aí fui pesquisar qual era a minha melhor marca e descobri que ela havia sido estabelecida em 2002. O problema é que eu tinha 37 anos, contra os atuais 51. E, sendo assim, pensar em baixar aquele tempo seria uma estupidez, por dois motivos.

 

 

O primeiro é científico: meu corpo não é mais o mesmo. Pulmões e coração não melhoram com o tempo, muito pelo contrário. Lutar contra isso é lutar contra a biologia, a genética, o tempo e a lógica. E é triste notar que, para ficar bem com o treinador, com os colegas de assessoria, com a própria consciência de corredor ou com os manuais de autoajuda, há quem decida ficar de mal com a ciência e com a lógica. Parece burrice — e sem dúvida é —, mas canso de topar com malucos que lutam como condenados para melhorar performances conquistadas por jovens de 20 ou 30 anos quando já passaram dos 40 ou dos 50.

O segundo motivo é metafísico: o que eu ganho se correr 10 km em 49 minutos em vez de 51? Terei mais saúde? Serei mais feliz? Provavelmente não. É mais fácil conseguir uma arritmia cardíaca ou uma tendinite ou então desenvolver úlcera ou insônia por ansiedade nas vésperas de provas. É definitivamente mais fácil flertar com a depressão por não conseguir suplantar metas insuperáveis do que ficar em euforia por quebrar um recorde. Até porque, no dia seguinte ao da quebra do tal recorde, caso eu consiga, meus modelos mentais errados me levarão a planejar a próxima quebra…

O seu limite precisa ter limite. Parece algo simples de compreender — mas o mundo está aí para nos forçar a pensar na direção oposta. Não se renda a esse mundo besta. Ouça o seu corpo, continue treinando com constância e dê menos bola não apenas para o que os outros pensam de você, mas também para o que você pensa de si mesmo. Esse é o caminho para a verdadeira felicidade do corredor.