Feliz ano menos

Atualizado em 01 de julho de 2016

2015. Um ano que não terá eleição, nem Copa do Mundo, nem Olimpíada. Um ano daqueles “normais”, em relação ao qual não são esperadas grandes emoções. Um ano calmo, ao menos a princípio. Uma calma que, cá entre nós, a gente bem que andava precisando. Há quanto tempo não temos um ano calmo, com mais do mesmo, igualzinho aos demais, sem nada especial?

Eu já perdi as contas. Que saudade dos anos da infância, sobre os quais não lembramos nada de muito relevante, além da série em que estávamos na escola, o nome do campeão brasileiro, o lugar onde morávamos e mais um par de coisinhas irrelevantes. Que saudades de anos como 1979, 1987, 1993 e 2005 — para citar alguns —, sobre os quais eu não consigo recordar nada muito relevante. Como eu queria que 2015 fosse um ano assim, modorrento. Porque, amigos, a coisa anda muito frenética. A gente precisa de algum sossego. A gente precisa de menos.

Por conta desse fastio de notícias bombásticas, eventos gigantescos, acontecimentos galácticos e absolutamente desconcertantes, o meu convite aos corredores em 2015 é um tanto inusitado: corram menos. Sim, menos! Nada de aumentar a carga de treinos nas planilhas, nada de aumentar a quantidade de ladeiras, de descidas, de quilômetros percorridos, de provas disputadas. Vamos fazer de 2015 o ano em que treinaremos um pouco menos e seremos muito mais felizes. Vamos treinar com calma e chegar ao próximo ano sem um dia sequer de baixa no hospital. Nada de contusões, nada daquelas noites maldormidas por conta da ansiedade em relação ao treino da próxima manhã, puxado demais, desgastante demais, demorado demais, quente demais ou frio demais. orredores só entendem de uma coisa: acelerar. Mas a gente precisa desesperadamente aprender a desacelerar.

Que tal trocar aquele “longão” da manhã de sábado por uma manhã “longona” na cama — não necessariamente dormindo? Que tal nos darmos conta de que filhos, pais, cônjuges, namoradas ou namorados são mais importantes e divertidos do que a turma da assessoria? Que tal reservarmos os finais de semana para as pessoas que amamos verdadeiramente? Que tal trocarmos um dos treinos nas inclementes pistas de asfalto por uma sessão de deep run? Que tal um pilates, em vez da maldita rampa da Biologia, na USP, ou do tórrido calçadão? Que tal trabalhar mais a biomecânica da corrida, em vez de sermos apenas monstros devoradores de quilômetros e de planilhas? Que tal comer por prazer, em vez de encher o bucho de macarrão pensando na prova de domingo? E que tal fazer três ou quatro provas de domingo ao longo do ano, em vez de se inscrever nas 50 que existem em cada cidade?

Fica o convite. Ou melhor: fica a dica. E não precisa ser assim para sempre. 2016 está logo ali, um ano olímpico, um ano para correr com a tocha (eu vou correr com ela!), e aí será hora de acelerar novamente. Enquanto isso, vamos aproveitar para fazer um sabático. Não parem de treinar, pois isso seria jogar fora o que adquirimos com tanto esforço. Mas treinem menos. Treinem com menos esforço e mais qualidade. Arranjem um tempinho para ler a O2, algo que nunca conseguimos fazer de cabo a rabo — porque sempre tem uma esteira safada ou uma danada de uma planilha esperando por nós.

Feliz ano menos! Que 2015 faça a sua parte e passe por nossas vidas trotando, sem ladeiras, sem tiros de 400 metros, sem “longões”, só no sapatinho, no trote, pensando apenas em soltar a musculatura e liberar o ácido lático. E que a única notícia realmente bombástica e assustadora (embora válida apenas para mim) seja esta: no dia 20 de março eu completarei 50 anos. O que é mais um motivo para pegar leve…