Ele também é de carne e osso

Atualizado em 20 de setembro de 2016

Eu estava, junto com o treinador Edemar Alves, na área dedicada ao atendimento dos atletas do decatlon, pois o nosso representante no Mundial de Daegu, Mundial de Atletismo 2011, na Coreia do Sul, Luiz Alberto de Araujo, lutava pelo título de super-homem do atletismo. E ele sentia fortes dores na perna esquerda — mais precisamente na região da pata de ganso. E, por isso, fiquei naquela tarde mais de duas horas com ele na área de descanso/recuperação, aguardando o chamado para a última prova do decatlon, o temido 1.500 metros.

Assim que os atletas foram chamados para a pista, eu e o Edemar caminhamos para a arquibancada para assistirmos a última prova do Luizão e, em seguida, ao último evento da noite: nada mais, nada menos que os 100 metros rasos masculino, com a presença do Usain Bolt.

Ao sairmos por um túnel que dava acesso às arquibancadas, nos deparamos com o estádio superlotado e, por alguns segundos, achamos que não conseguiríamos assistir à prova do Luiz e, consequentemente, à final do Bolt. Foi quando encontramos um cantinho sem ninguém, em frente à largada dos 100 metros. Corremos para lá. Porém, a área era designada para os fotógrafos oficiais do Mundial. Olhei para o Edemar e ele me disse, que não poderíamos ficar ali. Foi quando eu repliquei: Podemos, sim! Saquei minha máquina fotográfica, viramos nossas credenciais, fingimos ser fotógrafos (risos) e ali ficamos.

Assistimos nosso guerreiro Luizão ser o primeiro homem brasileiro a completar um Mundial (e com maestria!), pois conseguiu a 16ª posição na classificação geral. Gratificante. Parabéns Luizão, Edemar e todos da equipe BM&F Bovespa que trabalham seriamente para que nossos atletas se coloquem entre os melhores do mundo.

Continuamos ali para assistir mais ao show do homem mais rápido e extrovertido do mundo, Usain Bolt.

Os finalistas dos 100 metros rasos entraram ao nosso lado e, de onde estávamos, comecei a registrar tudo, na esperança de poder assistir pela terceira vez consecutiva a esse monstro sagrado do atletismo mundial bater mais um recorde — eu já tive o prazer de vê-lo fazer isso nas Olimpíadas de Beijing e no Mundial de Berlim.

Mas, o que pude ver (e registrar) foi um ato comum entre os seres humanos e até aquele momento. Todos haviam esquecido de que ele também é um ser humano, mesmo parecendo não ser de carne e osso. É, Bolt errou. E, além de queimar, perdeu o título mundial mais certo de sua carreira.

Ali, na nossa frente, vi ele jogar a camisa longe. Vi o homem mais fanfarrão do mundo se tornar, por alguns segundos, o homem mais sério e decepcionado do mundo. Vi também ele quase bater no árbitro, que queria colocá-lo para fora o mais rápido possível — como eles tem feito com todos que são eliminados. Vi ele se ajoelhar, xingar palavras que prefiro não colocar aqui, se lamentar e assistir ao seu compatriota Yohan Blake ganhar o título, que ele achava que era dele antes mesmo de correr.

Confesso que ficou aquela tristeza no ar, pois se o estádio estava lotado daquele jeito era porque todos queriam ver Bolt. E assistiram. Mas não da forma que esperavam.

Isso é mais uma prova de que no esporte não existem favoritos. E que gigantes podem errar, como todo ser humano, e perder o trabalho de dois anos em uma fração de segundos.

Perder faz parte do esporte e da carreira desses monstros sagrados.

Confesso que se o Bolt fosse brasileiro, alguns daqueles que se julgam comentaristas e especialistas em atletismo estariam dizendo que ele amarelou. Pois é. Mas para poder ganhar, perder ou até amarelar, é preciso estar lá, onde se reúnem a cada dois anos os melhores do mundo e de onde, infelizmente, apenas um sai vencedor.

É Bolt… nesse dia, tive a certeza que você é de carne e osso. E que pode errar como qualquer ser humano e que isso não te faz menor, maior, melhor ou pior do que ninguém. O que te faz diferente de muitos outros mitos do esporte é a sua simpatia e carisma.

Na derrota aprendemos lições duras que a glória jamais nos traria.