El Cruce de Los Andes: minha experiência e tudo sobre a prova

Atualizado em 17 de dezembro de 2018
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Este ano foi muito especial na minha vida, porque completei 25 anos de corrida. Corro desde os 5 anos e, para encerrar esse ciclo de um jeito marcante, fui para a El Cruce de Los Andes, que é literalmente uma cruzada de 100 km pelos Andes, na Patagônia chilena.

As largadas são divididas em três grupos, Cada um sai em um dia diferente para a logística do acampamento funcione para os 4.000 participantes. O ponto de partida é na cidade de Pucón, que é rodeada por vulcões e muito charmosa!

 

A preparação para a El Cruce

Antes de falar do desafio, vou explicar como me preparei para correr os 100 km. Iniciei o treinamento específico 6 meses antes da prova.

É importante dizer que eu tenho bastante experiência na corrida e muito volume de treinos. Portanto, a preparação varia muito de pessoa para pessoa.

Ao longo do processo, fiz a Mizuno Uphill Marathon, uma maratona de subida (veja o relato dela aqui!). Foi uma experiência incrível, porque ajudou muito a fortalecer o psicológico.

Durante a semana, caprichava nos intervalados, todos com técnica de corrida no aquecimento. Às sextas, sábados e domingos era a vez dos treinos longos, que servem para simular a condição da prova.

No caso da El Cruce, o percurso de 100 km é dividido em 3 dias e passa por montanhas, trilhas, neve e estradas cheias de flores que crescem em solo vulcânico.

Para isso, foram muitos treinos na Serra do Japi e em esteira e escada. Resumindo: minha rotina era de 6 treinos semanais com 1 dia off de corrida (nesse dia pedalava), além de funcional e yoga.

Note que fiz praticamente tudo na academia, porque trabalho normalmente durante a semana e tinha pouco tempo de ir para as trilhas.

A preparação mental para essa prova é igualmente essencial, porque não existe pace na montanha. A altimetria reduz nossa velocidade, então tem que preparar a cabeça para não desanimar no percurso. Precisa de corpo e alma conectados!

 

 

Quanto custa?

O processo de inscrição acontece em 3 etapas. A pré-inscrição, que custa U$200; a segunda, que você precisa desembolsar mais U$ 200; e a última, que pode ser paga pessoalmente durante a retirada do kit, que sai por U$ 300. Pois é, o investimento é alto, por isso mas vale o planejamento financeiro.

Além desses U$ 700, você precisará pensar em outras despesas: equipamentos obrigatórios, viagem, traslado e alimentação – por isso, coloque tudo na ponta do lápis antes para não ter surpresas.

Sou atleta amadora e não tenho patrocínio. Para conseguir cobrir os gastos, fiz uma rifa e 45 pessoas me apoiaram. O dinheiro arrecadado foi o suficiente para pagar a minha inscrição e hospedagem!

 

Os itens obrigatórios

Como falei, a organização exige alguns itens para os participantes levarem no percurso. São eles:

  • Camiseta oficial da El Cruce fornecida pela organização
  • Número de peito e chip (também oferecidos pela organização)
  • Camisa de manga comprida – primeira pele
  • Fleece
  • Jaqueta Anorak fornecida pela organização
  • Gorro ou buff
  • Mochila
  • Bivac
  • Cobertor térmico
  • Documento para cruzar a fronteira (o mais prudente é levá-lo na mochila, guardado dentro de um saco estanque para não molhar).

 

Itens não obrigatórios, mas fundamentais:

  • Polaina para corrida (ela “veste” o tênis e impede a entrada de pedras no calçado)
  • Tênis com grip (eu usei o Mizuno Kazan, meu pé ficou zerado sem bolhas, sem dor e com todas as unhas)
  • Meia de compressão (segura a musculatura e protege dos galhos nas pernas)
  • Bastão de caminhada (usei muito)
  • Óculos de sol (na neve você corre o risco de machucar a retina por conta da claridade; nas trilhas, o acessório protege dos galhos)
  • Saco de dormir e colchão inflável (vai ajudar a ter uma boa noite de sono no acompanhamento)
  • Lanterna de cabeça (para usar a noite na barraca e andar no escuro)
  • Lenços umedecidos (para o banho de gato pós-prova, não tem chuveiro, então é o que “resolve”)
  • Talheres e copo (para as refeições, pois não são fornecidos pela organização)

Adquiri os equipamentos ao longo de 1 ano, assim os boletos não se acumulavam. Controle na hora de comprar para não gastar com o que não precisa. Planejamento e estratégia são tudo!

 

Vá com alguém!

A organização disponibiliza uma barraca no acampamento. Eu fui na categoria solo e poderia pagar U$ 80 para ficar sozinha em uma barraca ou aceitar alguém indicado por eles ou escolher alguma amiga, que foi o que fiz.

Estava em um grupo de WhatsApp de brasileiros que estavam indo para a El Cruce, onde trocávamos informações e conselhos para o desafio. Foi lá que achei minha companheira de barraca, a Claudinha.

Nossa morada na prova ficou aconchegante e rodeada de apoio uma para a outra! Por isso, recomendo que vá com alguém. É um incentivo para os dois e ajuda demais a vencer os quilômetros acumulados.

 

Dicas gerais

Aqui também vale o planejamento. Fique atento aos voos, porque você terá que ir até Santiago. De lá, pegar outro voo até Temuco e depois um transfer até Pucón. O percurso de 1h30 custou U$ 100 ida e volta por pessoa.

Ao chegar na cidade aluguei um carro por U$ 147 e dividi em 4 pessoas. Vale a pena, porque dirigimos bastante por lá para conhecer os pontos turísticos.

Sugiro que leve os itens obrigatórios na mala de mão, para não correr o risco de ter a mala extraviada e ficar sem o equipamento para a prova.

Uma dica aqui é baixar o mapa da região no celular. Eu adquiri um chip de celular internacional aqui no Brasil o Easysim4you e foi a salvação. Usei muito a internet e consegui compartilhar a experiência no Instagram em tempo real nos stories!

 

O que fazer antes da El Cruce

Cheguei 3 dias antes para conhecer a cidade. Fiz rafting com um guia local, desci o Rio Trancura remando e foi ótimo para distrair, uma paisagem maravilhosa e adrenalina pura!

No dia seguinte fomos até o vulcão Villarrica. Chegamos lá de carro e subimos até a estação de ski, com muita neve e vista para os Andes, um passeio espetacular. Conhecer o vulcão de perto e correr nas estradas por ali acelerou o coração para a prova.

Na sexta que antecede a largada é destinada à retirada o kit e a entrega da mala que vai para o acampamento. Tudo isso acontece no hotel oficial da prova, o Gran Hotel Pucón, que também é a linha de chegada.

Nesse dia fiz conferi os materiais do acampamento e nos dias de prova. Retirei alguns itens desnecessários para não fazer muito volume na bagagem, que pode ter até 120 litros. Levei uma de 60 litros e deu conta do recado.

Ah, durante a retirada recebi uma pulseira para colocar dinheiro. Caso você precise de algo extra no acampamento, ela é uma forma de pagamento.

 

O grande dia

Antes de ir para o ônibus rumo à largada, a organização confere os itens obrigatório. Se algo estiver fora das normas, o participante não embarca.

Entrei no transporte e meu coração começou a acelerar. Senti vontade de chorar, a emoção tomou conta de mim! Mas segui concentrada durante os 45 minutos de viagem.

Cheguei e me posicionei na largada, ao som de um violonista que tocou lindamente. No primeiro dia começamos correndo em uma estrada com muitas subidas.

Lá pelo km 5 tem uma trilha fechada que rodeia a montanha, com um oásis para reabastecer a mochila com comida e água. Não deixe de reabastecer nesse trecho, porque você vai precisar.

Começamos a subir e tivemos um ganho de 1200 m de altimetria.. O percurso maravilhoso, correndo e olhando os Andes…

Sem dúvida, é uma experiência única! Na chegada tem comida quentinha, água e isotônico. Os ônibus nos pegam e levam até o acampamento.

Lá você descobre o número da barraca e onde retirar a mala. Fui direto para o almoço antes de arrumar as coisas na barraca. Ótima decisão, porque depois as filas ficam enormes.

Os acampamentos são na margem do Rio. Faça crioterapia, porque o rio é um gelo só e já recupera a musculatura para a próxima etapa.

Tomei um banho de gato, arrumei tudo para a segunda etapa e descansei um pouco. Depois tem o jantar que é o mesmo menu do almoço: macarrão, carne e salada. Você pode escolher menu vegetariano ou mesmo sem glúten.

Dormi muito bem na barraca, o colchão inflável faz a diferença! A lanterna de cabeça é item de sobrevivência à noite para ir até o banheiro, arrumar as coisas na mala e escovar os dentes antes de dormir.

Tem uma “rotina” matinal: a entrega de malas é das 6h às 7h15, o café das 6h às 7h e os ônibus para o local de largada logo após.

As largadas no segundo e terceiro dias são por ordem de classificação. Então é de 200 em 200 atletas — no primeiro dia eu fiquei no 500, então larguei na terceira onda.

Pegamos 30 minutos de estrada e mais uns 500 m de caminhada até a largada e saímos. Esse dia foi o mais difícil por causa da temperatura.

Começamos a subir logo de cara e contornamos o vulcão. Enfrentamos -10ºC e usei toda a roupa que tinha na mochila.

el cruce

Estava tão gelado que tinha um fiscal de prova que não deixava ninguém passar sem a jaqueta, os ventos cortavam o rosto e tive que fazer muita força para subir.

Os bastões de caminhada foram fundamentais para me ajudar a empurrar o chão e ir mais rápido, também usei os óculos o tempo todo, o protetor de pescoço e orelhas.

Nesse dia a Claudinha correu comigo o tempo todo, foi demais! Fomos curtindo o percurso todo, sem pensar no relógio mas sim na paisagem. Que maravilhosos são os Andes.

A chegada foi no acampamento, melhor coisa! Já sabíamos a rotina e fomos direto para a barraca (é a mesma numeração do primeiro dia, a minha era a 82).

Tudo certo, entramos no rio da crioterapia, quase congelamos os cambitos, aproveitei e lavei a camiseta (é uma só para os 3 dias). Deixei tudo pronto para o último dia de prova! A tão aguardada chegada!

Acordei de manhã já sentindo o quadríceps. Aqui vale a força mental — fiquei firme e focada para a largada, entregamos as malas, tomamos café, tudo pronto!

Chegamos na largada e que emoção. Aqui já tinha acumulado 65 km e a etapa tinha mais 35 km.

Eu a Clau largamos juntas, nesse dia o percurso voltava um pedaço do dia anterior. Todos os atletas já estavam muito cansados, com muita gente caminhando.

Estava com muita dor nas coxas e nas costas. A mochila é pesada e cansa a musculatura, e os bastões estressam os músculos das costas e braços.

Quando tinha subida corria faceira, mas na descida, só por deus! Como doía meus quadríceps! Por isso chegou um ponto que não podia mais parar, sentia na alma e no corpo que se eu parasse de correr não voltaria mais.

Corremos mais uns 4 km até chegar em uma rodovia, com uma reta infinita. Cair no asfalto depois de correr 22 km na trilha é cruel! Saímos do asfalto e entramos na trilha, cada descidinha de 10 m me custava uma dor gigante nas coxas.

Margeamos o Rio Trancura, trilha bem fechada e só cabia uma pessoa por vez. Passamos por vários rios congelantes nesse caminho, como eu sou baixinha a água chegava na cintura.

Faltando 5 km para a chegada, eis que escuto uma voz atrás de mim, a mesma que na noite anterior foi um NoGentleman (contrário de gentleman), falou que mulher tem que ser ajudada “porque não aguenta”.

Quando vi o sujeito, mesmo em meio a tanta dor muscular, fiz o melhor pace da prova toda e não fiquei calada, pontuei que ele estava sendo machista!

Não podemos nos calar e ali não seria diferente, eu corri os 100 km menstruada, com dor e sei que sou muito forte, sim!

 

Acabou!

Tratei de apertar o passo e segui determinada! Quando cheguei na praia de areia vulcânica, um fiscal que avisou que faltava 1 km até a chegada.

Avistei o pórtico e fui passando quem estava na frente. Fui recebida com aplausos e todos os 4 mil atletas recebem a medalha com o nome gravado!

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Ali senti todo o esforço que fiz ao longo da preparação, lembrei dos treinos, da dieta e de todo o esforço que fiz para me manter focada durante toda a jornada! E que sentimento bom saber que EU FIZ ACONTECER!

Minha chegada foi com todos que estavam torcendo por mim. Eu e mais 45 apoiadores vencemos os Andes e somos ultramaratonistas! Quero agradecer a todas as pessoas que contribuíram na realização desse sonho e aos que torceram e me acompanharam durante a prova!