E o corpo ainda corre...

Atualizado em 28 de julho de 2017
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Se Arnaldo Antunes fosse corredor — e acho que não é o caso —, talvez a brilhante e concretista letra do clássico dos Titãs, “O Pulso”, poderia ter ganhado outra versão. Porque, não se iludam, correr não é moleza. Não que faça mal ou seja antinatural, mas definitivamente não é nada fácil. Nosso corpo é capaz de correr porque nossa espécie sempre foi capaz de correr, quase sempre por questão de sobrevivência. No entanto, correr por lazer é algo que só a espécie humana aprendeu a fazer. O cuidado que temos de ter é o de não permitir que outras características da nossa espécie, como a obsessividade, a teimosia e a imprudência acabem colocando em risco o grande instrumento de trabalho que temos. De trabalho, de estudo, de lazer, de prazer, de preservação da espécie… e até de corrida: o nosso corpo.

Corredores têm essa tendência de achar que seus instrumentos de corrida são os tênis, as meias, as roupas, mas a verdade é que até pelados (como os atletas que posaram para esta edição da O2) somos capazes de correr. A corrida não é como outros esportes, que precisam de adereços para ser praticados. Basquete sem a bola de basquete pode ser qualquer coisa, menos basquete. Idem para todos os esportes com bolas — do golfe ao futebol, da sinuca ao boliche. O mesmo pode ser dito da ginástica sem os aparelhos, dos arremessos sem os ditos cujos objetos a ser arremessados, do automobilismo sem carros, da pesca sem anzol, e até das lutas sem os adversários. A corrida, não é assim. A corrida não exige nada. Tudo o que precisamos para correr é do nosso corpo. Ele nos basta.

 

 

Eu não gosto muito do conceito de culto ao corpo, porque passa a impressão de que deveríamos encarar como religião ou filosofia de vida algo que faz parte do limitado terreno da matéria. Prefiro usar o conceito de respeito ao corpo — esse sim, muito mais adequado. Não precisamos colocar nossos corpos acima das nossas crenças, das nossas amizades, dos nossos amores. Não precisamos amar e muito menos venerar nossos corpos, até porque não devemos apostar todas as fichas em algo que inevitavelmente irá se deteriorar com o tempo. Mas os corpos precisam ser respeitados, pois são fundamentais para tudo que pretendemos fazer na vida, até mesmo aprender coisas para elevar o espírito. Temos de respeitar os limites dos nossos corpos, saber ouvir suas mensagens e jamais praticar atividades ou contrair vícios que os agridam. A corrida, esse esporte que tanto curtimos, tem o poder de ser tanto o remédio salvador quanto o veneno destrutivo para os nossos corpos. Cabe a nós saber usar a dose certa.

O filme Aquarius fez muito sucesso no Brasil já a partir do trailer, que reapresentou o País ao grande talento do gaúcho Taiguara, cantor que fez muito sucesso nos anos 70 com músicas como “Hoje”, tema do filme e do trailer, e “Universo em teu Corpo”, o maior sucesso de sua carreira. Pois é com o título desta canção que eu gostaria de encerrar o texto deste mês. Cuide bem do seu corpo, pois seu universo — ao menos o material — reside nele. Ele é a nossa nave. Se tratarmos bem do danado, ele nos levará a todos os lugares e, o mais importante, sempre nos trará de volta para casa. Certamente há muito que falar também sobre a alma dos corredores, mas isso já seria assunto para uma outra coluna.