Cristina Palmaka: a presidenta maratonista

Atualizado em 03 de novembro de 2016
Mais em Corrida de Rua

As minhas barbas brancas e o cabelo em que o grisalho ganha cada vez mais espaço indicam que já sou um sujeito com alguma experiência na vida. Já dediquei, por exemplo, mais de quatro décadas à atuação no jornalismo.

Mais da metade de minha lide jornalística ficou imersa no mundo da tecnologia, especialmente a dita informática, a ciência da computação e suas aplicações.

Nos idos de 1980, era frequentador assíduo de grandes centros de processamento de dados, buscava conhecer os intestinos dos computadores de grande porte – os mainframes, como se dizia na época. Visitava fábricas gigantes onde havia salas limpas imensas – o grau de assepsia era superior ao de salas de cirurgia — para a montagem de grandes unidades de disco.

Acompanhei o nascimento dos computadores pessoais, a trajetória da Apple, o sofrimento da IBM, a genialidade da Microsoft, as disputas de inflados egos de presidentes-empreendedores que não lutavam por uma fatia de mercado nem por um lugar ao sol: queriam ser sempre o número um.

Ao longo de todo esse tempo, pude perceber – e escrever sobre — uma das características dessa indústria, a misogia – que, nos últimos tempos, ainda bem, vai sendo enfrentada e, em muitas oportunidades, superada e derrotada.

Por muitos anos, porém, a indústria de alta tecnologia, notadamente a de informática, é território de homens. Geniais alguns, fanáticos outros, sem falar na legião de nerds e geeks, os especialistas “doidões” por tecnologia.

Vai daí que é sempre uma surpresa quando uma mulher consegue galgar postos de comando. Não são muitas, dá para contar nos dedos. Lembro aqui de algumas que ficaram mais conhecidas do grande público, como Carly Fiorina, que liderou a HP em momentos difíceis, e Marissa Mayer, de presença marcante na Google e no Yahoo!.

 

 

Pois cá no Brasil, que já teve uma presidenta, temos também uma mulher no mais alto posto no mundo corporativo.

Estou falando de Cristina Palmaka, que há três anos atua como presidenta da subsidiária brasileira da alemã SAP, líder mundial na área de programas de gestão empresarial. São grandes suas responsabilidades, pois a SAP Brasil é uma das mais importantes na constelação corporativa.

Pois ela se destaca mais ainda entre seus pares porque, além de ser uma das poucas mulheres no mundo dos superexecutivos, é mais jovem que boa parte deles – tem 48 anos — e também é corredora. E dedicada a provas de longa distância: já conta com onze maratonas em seu currículo.

Dia desses conversei com Cristina Palmaka sobre sua trajetória – ela começou a trabalhar aos 16 anos, fez faculdade de ciências contábeis, MBA e várias “pós”, sempre atuando em empresas de tecnologia, como a Philips, a Compaq e a Microsoft.

Falamos bastante sobre esse mundinho de bits e bytes, aproveitei para matar um pouco das saudades de meus tempos de mergulho na informática. Mas, aqui para este nosso território corrido, trago a vivência dela no mundo esportivo.

RODOLFO LUCENA – Como você se interessou pelo esporte? Havia influência da família?

CRISTINA PALMAKA – Eu sempre gostei muito de esporte. Eu acho que a gente é de uma geração abençoada, que não tinha iPhone, iPad, a televisão era de poucos canais, não tinha muita informação, eu tive uma infância muito feliz. A gente podia brincar na rua. Como eu tinha dois irmãos, e poucas meninas no bairro, eu joguei muito futebol. Sempre fui uma boa atacante.

Na adolescência eu sempre gostei de esporte coletivo, sempre fui boa em basquete, vôlei, no clube, na escola.

RODOLFO LUCENA – Como a corrida entrou na sua vida?

CRISTINA PALMAKA – Foi no ano 2000, um ano importante para mim. Saí da Philips, que tinha sido meu primeiro emprego, fui para Compaq. Na academia que eu frequentava, aqui em São Paulo, eles tinham uma aula de corrida.

Eu achava o máximo! Como é que era ter uma aula de corrida?! Eu sempre achei corrida uma coisa meio solitária. Então comecei a fazer essas aulas de corrida, achei interessante. Uma coisa diferente.

Nesse grupo, a gente começou a falar das corridas de rua, em 2000. Agora é uma coisa mais normal, mas em 2000 não era muito normal. Em julho de 2000 eu fiz minha primeira prova de rua, a Corrida dos Bombeiros.

Eram oito quilômetros. Eu andei quatro e corri quatro. Primeiro corri, depois andei. Não tinha ainda muito preparo.

Eu, que sempre achei a corrida algo tão solitário, comecei a sentir essa integração. E tem os objetivos que você coloca para si mesmo. Faz 8 km, 10 km, a São Silvestre…

RODOLFO LUCENA – Fez a São Silvestre em seu primeiro ano de corridas?

CRISTINA PALMAKA – Não, no ano seguinte. Fui crescendo as distâncias gradativamente. Fiz muitos percursos menores. Quando fiz pela primeira vez 15 km, na USP, fiquei muito emocionada. Aí comecei a fazer várias meias-maratonas – e o meu marido queria fazer maratona. Ele fez a primeira maratona dele em Blumenau e eu fui com ele. Acompanhei ele nos últimos 5 km.

RODOLFO LUCENA – Quando foi isso?

CRISTINA PALMAKA – Foi em 2002. E eu falei: isso é uma loucura! Fazer maratona, realmente, não é para mim. É muito treino, muita dedicação, principalmente os treinos longos. Eu treinava lá 10 km, 15 km e ficava enrolando, esperando por ele. Dizia: Isso aqui realmente não é para mim. Isso aqui é meio maluco.

Em janeiro de 2003 a gente fez os dois as provas da Disney, ele fez a maratona e eu fiz a meia. Acabei muito bem. Uau! Senti que correria um pouquinho mais.

Ele me perguntou: “Vamos fazer uma maratona juntos?” E eu: “Tá louco! Isso não é para mim! Isso é para você que gosta.”.

Resolvemos tentar, fizemos uma programação. Fui à nutricionista, fiz o treinamento, tudo certo. Fiz a primeira maratona em Chicago em 2003. Bom, hoje já fiz 11!

RODOLFO LUCENA – Como foi sua maratona de estreia?

CRISTINA PALMAKA – Nós nos preparamos juntos, eu e o meu marido. Foi gostoso. A preparação foi o mais divertido. Eu fui com o objetivo de terminar. Eu falei: “Não tenho tempo, mas fiz todos os longos, falei com nutricionista e tudo o mais”.

Fiz em 3h55min ou 54, já não lembro direito: cinquenta e alguma coisa. Então fiz abaixo de quatro horas, que é sempre o nosso objetivo primário, para quem é pangaré. É um bom objetivo.

Foi gostosa porque eu fui com: “Vamos acabar”. Mesmo depois de 11, você nunca sabe se você vai acabar a maratona.

RODOLFO LUCENA – A maratona lhe serviu para a vida profissional?

CRISTINA PALMAKA – Tem esse lance que eu acabei passando muito para essa parte corporativa. Focar objetivo, se preparar, ter a sua equipe. Mesmo que amadora, tem que ter uma equipe em que você vai se apoiar.

É preciso saber fazer o que a gente chama de trade off. Uma hora você tem que treinar mais, uma semana dá, outra não dá. Uma hora você tem viagem, tem trabalho. Saber administrar bem a cabeça. Quando a cabeça está na maratona, sai com aquele sentimento: se você planejar alguma coisa, colocar um objetivo, se preparar e trabalhar duro, você pode fazer qualquer coisa na vida. Acabei usando muito do aprendizado da corrida no meu dia a dia. Não só no trabalho, mas para a vida pessoal.

RODOLFO LUCENA –  Depois de Chicago, já foram outras dez maratonas. O seu melhor tempo foi em Boston, 3h40min em 2009. Ainda pensa em baixar, tem uma meta de desempenho?

CRISTINA PALMAKA – Não, eu acho que eu já tenho uma vida bem estressante durante a semana, então, para mim, a corrida é a minha terapia. Claro que a gente quer se preparar, eu tenho uma planilha…

Normalmente eu estou nessa faixa abaixo das quatro horas. Várias amigas falam para tentar baixar, 3h30min… Aí é uma outra categoria de esforço e preparação.

O meu objetivo na corrida é focar nessa parte mental, que ajuda muito, e física, saúde. Não sou uma atleta profissional, não vivo disso, para mim tem que ser gostoso. Tem dia que o treino é mais agradável, hoje eu fui correr, fiz um treino legal, tem dia que é mais sofrido, mas como qualquer outro dia. Para mim a corrida não é a única coisa que eu faço na vida. Ela me ajuda a ter equilíbrio, essa energia de viver.