Crise no ciclismo mundial?

Atualizado em 20 de setembro de 2016
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Antes de qualquer coisa, quero registrar o meu agradecimento ao Ativo.com e à VO2bike, além da minha satisfação em fazer parte deste novo projeto, onde terei a oportunidade de compartilhar aqui nesse espaço – com aqueles que assim como eu são apaixonados por esse esporte – minhas ideias e impressões sobre tudo que acontece no universo do ciclismo.

O tema que escolhi para minha estreia não é muito digesto, porém me preocupa ver o esporte que tanto admiro passando por esse tipo de dificuldade. Me refiro à crise política e financeira pela qual passa o World Tour – primeira divisão do ciclismo mundial -, que deve obrigar algumas das melhores equipes do planeta a fecharem suas portas depois dessa temporada.

Das 18 equipes que atualmente compõem o World Tour, duas já anunciaram que devem encerrar suas atividades no final de 2016 por falta de patrocínio, e uma terceira já aponta para o mesmo desfecho. Uma delas é a dinamarquesa Tinkoff, que ficou desamparada após o milionário russo Oleg Tinkov anunciar que não vai mais investir na equipe depois dessa temporada, decisão segundo ele motivada pela atual situação econômica da Rússia e pela relutância das entidades em mudar o atual modelo de negócios do ciclismo profissional, que torna as equipes totalmente dependentes de seus patrocinadores.

A Tinkoff é nada menos que a atual líder do ranking por equipes da UCI (União Ciclística Internacional), que tem em seu elenco nomes como o eslovaco Peter Sagan, atual campeão mundial e líder do ranking individual da UCI, e o espanhol Alberto Contador, vencedor de sete Grandes Voltas, e terceiro colocado no mesmo ranking. Além da equipe dinamarquesa, a suíça IAM Cycling, que havia ingressado no World Tour no ano passado, também já anunciou que não terá continuidade em 2017, após perder seu principal patrocinador, a IAM Funds.

O mesmo drama afeta a Orica Green Edge, equipe australiana de grande destaque no World Tour, atual detentora do título da mais prestigiosa das clássicas monumentais, a Paris-Roubaix, vencida este ano por Mathew Hayman. Seu principal patrocinador, a Orica, está deixando a equipe. O atual contrato termina no final deste ano, mas a companhia se comprometeu a estender o patrocínio até o fim de 2017 para que a equipe possa tentar encontrar uma outra alternativa para se manter.

Estamos falando de equipes consagradas que estão na eminência de encerrar suas atividades por falta de dinheiro. Da elite de um dos esportes de maior exigência física e mental que existem, também conhecido pelas belas imagens que proporciona ao público, e pela visibilidade e tempo de exposição que oferece a seus patrocinadores. Portanto, estamos falando também de um desperdício estratosférico de potencial que, combinado a uma estrutura que favorece o monopólio, dificulta muito a sobrevivência das equipes.

Para se manter durante uma temporada no World Tour, uma equipe precisa de um budget médio de 15 milhões de euros/ano. Algumas sobrevivem se arrastando com 10 e outras, como a britância Sky, se mantêm confortáveis com cifras que ultrapassam os 30 milhões ao ano. Parece muito? Não se pensarmos que um único jogador de futebol ganha cifras milionárias anualmente apenas com seu salário, assim como grandes estrelas do tênis. Isso sem falar das premiações nas principais competições e mais o que embolsam à parte com publicidade.

A origem desta crise pode ser atribuída a muitos fatores, mas o principal deles é o modelo estrutural e organizacional vigente, que muito pouco (ou nada) contribui para que eventuais investidores se sintam atraídos pelo ciclismo. Situação agravada ainda pela falta de cobertura da mídia de massa, que se limita a transmitir apenas o Tour de France, o que acaba favorecendo a ASO (Amaury Sport Organisation), detentora dos direitos da Grande Volta francesa.

Estudos demonstram que 60% do retorno das equipes vêm do Tour de France, que é a prova do World Tour com maior índice de transmissão em TV aberta – ou seja, mais da metade do retorno total da temporada está concentrado em apenas 21 dias, apesar do calendário repleto de provas o ano inteiro. Assim, o atual modelo e situação conferem hegemonia e poderio à ASO, que “dá as cartas” visando apenas seus próprios interesses e reluta em dividir com as equipes os direitos de imagem pagos pela televisão – nas principais ligas de futebol, por exemplo, as equipes também recebem sua respectiva fatia sob os direitos de imagem.

Esse imbróglio político é um cabo de guerra disputado entre as equipes, UCI e ASO, cuja solução infelizmente depende exclusivamente de um consenso entre os envolvidos. Mas para reverter esse quadro também seria muito importante ter uma maior abertura da mídia televisiva aberta para transmissão das provas de ciclismo, atingindo um contingente maior de público e popularizando mais o esporte.

Porque, amigos, o ciclismo já é um esporte popular na prática. Mas é preciso que as pessoas tenham acesso às principais competições. Mesmo aqui no Brasil, no chamado “país do futebol”, onde quase todo mundo tem uma bicicleta em casa (tô enganada?), acredito que há muitas pessoas que adorariam ver o ciclismo profissional na televisão se chegasse até elas. E essa divulgação massiva certamente faria uma grande diferença, para os fãs, para os patrocinadores em relação ao retorno da exposição de sua marca e para a saúde desse esporte que tanto amamos.