Corrida de montanha: Viva a liberdade!

Atualizado em 01 de julho de 2016

Eu estive pensando sobre alguns temas dos quais gostaria de escrever e compartilhar meus pensamentos com vocês. A corrida de montanha me proporciona tantas coisas maravilhosas nessa vida, que fica difícil filtrar o que é mais interessante dentro dessa gama tão vasta de assuntos. Mas nessa madrugada despertei com insônia e tive uma luz a respeito de um dos temas que mais me fascina: a liberdade.

Lembrei então de uma conversa que tive com o querido amigo João Marinho, enquanto comíamos uma pizza em Cortina D’Ampezzo, um dia depois da Lavaredo Ultra Trail, de 2014. Ele era um excelente ciclista (creio que o melhor de Portugal) e estava se aventurando nas ultras de montanha. A região das Dolomitas, na Itália, é épica para a prática de esportes; dentre eles o mountain bike, a corrida de montanha, wingsuit e escalada. Por que um ciclista do nível do João estava nas Dolomitas para fazer uma ultramaratona de montanha, e não para fazer uma prova de bike? A resposta dele foi muito simples e clara: “Porque a corrida me permite ir a lugares aonde a bicicleta não chega.” Talvez esse espírito explorador tenha sido o principal culpado por, hoje, João não estar mais entre nós. Ou, não. Talvez, ele tenha encontrado a eterna liberdade.

Quando comecei a correr na montanha eu tive uma sensação muito engraçada. Me aventurei de cara numa prova muito longa, na Patagônia, que é uma das regiões do planeta que mais me fascina. Eu saí rumo àquele percurso com uma paz de espírito imensa e não sentia que estava numa competição. Eu contemplava cada pedacinho da natureza. Lembro como se fosse hoje da sensação que tive quando subi a primeira montanha. Era tudo muito vivo, muito colorido. Pela primeira vez na vida, me senti daquele jeito. Os bosques, os lagos, os vales, eram todos grandiosos. Fecho os olhos e lembro com muita clareza de cada detalhe daquele momento, mas o que mais me marcou foi o que senti. Eu me senti livre. Eu não tenho asas e nunca pude voar, mas imagino que eu tenha sentido algo parecido ao que os pássaros sentem. Eu estava em êxtase.

Acredito que essa sensação tenha me deixado um vício, pois ao contrário das minhas expectativas, esse esporte realmente me pegou. Digo isso porque sempre pratiquei diversos esportes ao mesmo tempo. Talvez essa liberdade, que eu tanto prezo, tenha me feito viver da forma que vivo. Sou quase uma nômade e passo o ano todo viajando, de um lado para outro, explorando cada pedacinho que posso desse planeta tão grande. Hoje, eu encontro a liberdade dentro da corrida de montanha e já não sinto essa necessidade de buscar tantos esportes diferentes. Não me sinto nem um pouco aprisionada dentro desse mundo de aventura e vejo com clareza que o que me move é o amor que sinto pelo que faço.

Revirando as gavetas da minha mente, trago de volta diversas memórias… lembro dos lugares maravilhosos por onde passei e neles vejo o topo de várias montanhas, rodeadas de uma natureza muito pura e selvagem. São memórias de momentos muito primitivos, especialmente se eu levar em consideração o mundo onde vivemos hoje em dia. É a sensação de estar no meio do nada, sem comunicação alguma com o resto do mundo, sem preocupação e vivendo exclusivamente o momento presente. Aprecio cada momento como se fosse o último, pois a verdade é nunca saberemos qual será o último.

Quantas vezes repeti a mesma postura, sem nem me dar conta do que estava fazendo? Num gesto de abrir os braços, abro o coração para receber a energia de cada lugar especial por onde passo e agradeço ter saúde física e mental para fazer um esporte tão exigente. É um gesto libertador. Agradeço cada dia minhas pernas, santas pernas, meu veículo viabilizador de uma vida tão desprendida.