Bode pós-maratona: um sentimento comum entre os corredores

Atualizado em 01 de fevereiro de 2018
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Bode é o marido da cabra. Ele gosta de dar saltinhos e de escalar montanhas. Bode não está no jogo do bicho. Mas a cabra está. Bode também é o nome dado àquelas motos sem placa, sem seta, sem pneus decentes, sem nada. Estou te explicando tudo isso para que você entenda a importância do bicho. Bicho este, aliás, que é o sentimento dado na pós-maratona: é um bode danado. Então, o mesmo bichinho que pula sorrateiramente, casa com a cabra — que pode te tornar uma pessoa rica, ainda que na contravenção — e que dá nome à motoca — ainda que sem segurança — é o mesmo animalzinho que te derruba.

Vou te explicar dando meu testemunho. Uma semana depois da maratona de Nova York, fui para a academia fazer aula de funcional. Lá é assim: tudo o que o professor explica está numa lousa. A estratégia é boa para gente que, como eu, não enxerga nem decora nada. Naquele dia, bati o olho na lousa. Estava lá: “reta para direita”, que, traduzindo, significa “corra até a esquina”. Isso não dá 500 metros na velocidade que você bem entender. Olhei para aquela frase, aquela frase pequena, aquela frase de poucas palavras e pensei: “Tomar no cool, vou pedir para não fazer, que saco isso”. Eu, a pessoa mais animada do atletismo nacional, maldizendo uma corridinha besta, como pode??? Bicuda, fiz a reta para a direita.

Dez dias depois, treino na USP. Dez km, moleza para quem passou meses fazendo 21-25-28-30 por sábado. Um km, dooooois km, trêeeeeeeeeeees km… eu até corria, mas o relógio, não. O calor enchia o saco, outros corredores enchiam o saco, passarinhos cantadores enchiam o saco. Mas veja: o corpo estava bem. Eu estava sem dor, sem lesão, sem nada.

 

 

Já tinha lido sobre isso e passei por coisa parecida em 2016, depois da Maratona de Buenos Aires. Era a depressão pós-maratona. Era o bode saltitante, marido da cabra, que estava vindo numa motoca surrada.

Não queria praticar corrida, falar de corrida, ver corrida. Esse asco afeta diretamente o treino. Porque corrida é composta por metade corpo e metade cabeça, e, caso você não saiba fazer conta, mais uns 30% de endorfina que te enche de alegria profunda (no fundo, a gente corre por causa desses 30% que não fazem parte da conta).

E como faz? Não faz. Você vai treinando como é possível que uma hora a mesma motoca que trouxe o bode o leva de volta para sua cabra amada. Pode levar um mês ou dois. É jogo meio rápido, mas a sacada é não parar de treinar. Porque o bode pode crescer e se tornar o Godzilla, te abocanhando por todo o sempre. Aí, meu amigo, minha querida, não adianta mostrar a cabra mais formosa que não vai ter jeito.

Enquanto escrevo este texto, se passaram quatro semanas da Maratona de Nova York. Tecnicamente, meu bode está voltando para sua cabra de motoca e vão viver felizes para sempre. Meus treinos continuam pesados, mas percebo uma melhora. Quando leio “reta para direita” no quadro-negro do funcional já não dói tanto. E meu dia de descanso começa a ficar sacal. Mais umas duas semanas, já poderei gritar: “Xô, bode!”. E vai começar tuuuuuuudo de novo.