A vida retratada durante um Ironman

Atualizado em 14 de julho de 2016
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Não tem nada a ver com tempo ou performance. Nem com competição ou ultrapassagem. Muito menos com cronômetro ou resultado. Tornar-se um Ironamn é ter ainda mais gosto pela vida. E, a partir dessa conquista, enfrentar cada etapa dela como uma metáfora dos ciclos ao longo de toda a preparação. Desde que (literalmente) o começo na natação, no pedal e na corrida até conseguir, em um mesmo dia, nadar 3,8 km, pedalar 180 km e correr 42,195m.

Durante a prova de Ironman, a natação nos faz relembrar a infância — do rompimento do cordão umbilical da largada, quando imbuídos da vontade de viver deixamos a segurança das areias da praia ao mar de dúvidas… Mas felizes pelo começo da jornada, aproveitando o lúdico das águas com a sensação de estarmos todos num mesmo movimento. É onde, rapidamente, se aprende que mesmo sem querer seus companheiros podem te machucar. E, ali, você começa a endurecer, a buscar o seu lugar, não como antagônico, mas para criar sua própria narrativa. E tal como na infância essa etapa parece longa ao ser vivenciada e curta, quando relembrada. Sempre, vital para a construção do futuro.

Depois, o pedal soa como a juventude… Começa pela adolescência dos primeiros 90 km — onde há o entusiasmo pela velocidade, o gosto pelo rápido e passageiro, a vontade de estar num grupo, mas dele se destacar –, e segue desenfreado para algum lugar que não se sabe bem qual é. Gasta-se energia para algo muitas vezes em vão, mas que parece importante para o restante da jornada. Nesse afã do Ironman muitos se perdem, ignoram as regras de segurança, são penalizados pela tentativa de atalhos desnecessários, esquecem de coisas básicas, como alimentar o corpo para permitir a longevidade da jornada. Após a metade do ciclismo, indo em direção aos almejados 180 km, começa a fase adulta, quando se abandonam as falsas expectativas, vê-se que a estrada deve ser percorrida sozinha. Que as pessoas, muitas vezes, embora próximas, precisam construir suas próprias histórias… E que é errado seguir na roda do outro, como que a roubar a própria oportunidade de se transformar num verdadeiro caminhante.

Até que o imaginável acontece! A fase madura do viver finalmente chega através da maratona… E o prazer de simplesmente estar ali, naquele momento, sozinho, passando pelos altos e baixos do trajeto faz relembrar que nada pode ser simples e que quanto maiores as dificuldades, maior a sensação de conquista, mesmo ao sentir as dores de toda a jornada. Dores que fazem abandonar qualquer orgulho ou vaidade, dores que fazem perceber que nada se compara aos simples aceitar dos seus limites. Limites que foram criados pela coerência da conduta da forma de viver e de treinamento… Dores que atestam tudo o que se passou.

É verdade que você ali se encontra, num mundo em que nada se consegue por acaso. Onde a sorte é poder ser exatamente aquilo a que você se propõe e na intensidade que você construiu durante os períodos de preparação, assumindo a responsabilidade pelo resultado (possível) dentro da sua realidade.

Após toda essa trajetória, a visão do grande final, do pórtico de chegada… E ela, acontece para todos que não desistem ou que não sofreram revezes alheios a sua vontade. A jornada faz sentido como simples aprendizado para a alma, numa explosão de felicidade, emoção, choro… Enfim, tudo que jorra daquele lugar íntimo e secreto, que só você conhece e sabe que existe, que não pretende o reconhecimento alheio, mas que faz você entender todo o significado de fechar um grande ciclo para poder começar o próximo.

Próximo? Sim, o próximo. Pois ser Ironman não é ganhar provas e exibir medalhas, não é buscar uma prova para justificar um vazio, não é ser mais do que os outros, não é nem ser diferente dos demais…

Ser Ironman é saber viver. Ser Ironman é um modo de viver. Ser Ironman é, antes de tudo, um estado de espírito.  ( O post foi adaptado do texto original escrito pelo triatleta Otávio Calvet)