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Esportes coletivos e a corrida: prejudicial ou complementar?

Atualizado em 26 de novembro de 2018
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“Bola na trave não altera o placar”, diria a música do Skank. Porém, mesmo para quem é perna de pau, ocupar o tempo de descanso da corrida com esportes coletivos pode, sim, mudar completamente o resultado na hora da prova. “Não importa se é futebol, basquete, handebol ou vôlei.

Todas essas modalidades promovem estímulos completamente diferentes, o que pode sobrecarregar a musculatura e aumentar o risco de lesão”, alerta André Pereira, professor da assessoria esportiva Run&Fun, de São Paulo (SP).

Em uma maratona, o movimento é sempre o mesmo — para a frente e contínuo. Já em um esporte com bola, o jogador dispara, volta de costas, vai para o lado, salta… Tantas ações diversificadas recrutam tendões e músculos de uma forma completamente nova.

“Provavelmente, mesmo um corredor que esteja acostumado a rodar 60 km por semana vai se sentir dolorido depois de uma partida de futebol”, diz Omar Feitosa, preparador físico da equipe principal da Sociedade Esportiva Palmeiras. Identificou-se?

Acontece que, além de o tipo de fibras utilizadas variar (rápidas ou lentas), o substrato energético também muda: majoritariamente ATP e glicogênio para os esportes intermitentes; e carboidrato e gordura para um trabalho aeróbico.

 

 

Assim, se você não estiver preparado para as exigências de cada modalidade, sua musculatura pode sofrer e, pior, suas articulações tendem a ficar superexpostas. “A propriocepção, que é a capacidade de o corpo responder a uma situação de desequilíbrio, deve ser afiadíssima”, diz Omar.

Imagine levar um esbarrão do adversário ou pisar no pé dele depois de uma disputa de bola. “Não dá para saber de onde o contato virá. Por isso, o jogador precisa ter uma consciência ótima para se proteger a qualquer momento”, diz Claudio Machado, preparador físico da equipe de handebol do Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo. “Por isso, fazemos muitos exercícios de isometria focados na musculatura profunda do core.”

Devido a essa sobrecarga na musculatura e ao grande risco de torções e estiramentos, os profissionais são unânimes: melhor deixar os esportes coletivos de lado quando você estiver se preparando para uma prova.

“Quem corre só por diversão, sem ter como objetivo melhorar o tempo ou completar 21 km ou 42 km, tudo bem. Caso contrário, não dá para abrir exceções”, diz Eduardo Barbosa, treinador e gestor corporativo na assessoria esportiva Quark Sports.

A recomendação não é só devido aos incidentes que acontecem dentro de quadra. O corpo também precisa de repouso para se recuperar dos longões do domingo e das sessões intervaladas da semana. Afinal, é no descanso que a musculatura se regenera e evolui, inclusive a do sistema cardiorrespiratório.

“Mas eu posso substituir o treino de corrida da planilha pelos quilômetros que percorri durante o jogo, certo?” Na verdade, não. Cinco mil metros em um campo de society não segue o mesmo padrão dos tiros dados na esteira.

“Nesse caso, o objetivo é melhorar a capacidade VO2 e a absorção do lactato na corrente sanguínea. Não à toa, a periodização ao longo dos meses tem uma lógica pré-planejada e estudada”, diz Barbosa. Bem diferente do que rola em uma disputa contra o adversário, em que as ações são decididas lance a lance.

“Enquanto na corrida o desafio geralmente é individual, mas nos esportes coletivos, todo mundo acaba ficando mais competitivo”, diz Omar. Ainda mais que o seu desempenho influenciará o resultado de toda uma equipe.

Agora, se você não abre mão de jogar bola, converse com o seu treinador de corrida para adequar a planilha à sua realidade. “A adaptação é muito individual. Às vezes, a pessoa consegue terminar uma partida de basquete à noite e correr na manhã seguinte”, diz André. “Porém, se o esporte do dia anterior atrapalha seu sono, você não estará bem-disposto para render logo cedo.”

Perceba como está sua disposição e suas dores musculares, principalmente nas regiões em que você levou pancada. “Se possível, vale colocar um intervalo de 24 horas entre um e outro”, recomenda Eduardo.

E não se esqueça de aquecer bem antes de entrar em campo (ou em quadra) — trote um pouco, movimente as articulações e reproduza algumas ações da modalidade. Durante a semana, também separe um tempo para o trabalho de fortalecimento, que é imprescindível para evitar lesões em qualquer tipo de atleta.

Usain Bolt e sua relação com esportes coletivos

Agora que se aposentou das pistas, o campeão olímpico Usain Bolt realizou o sonho de ser jogador de futebol — sua estreia foi com uma equipe australiana em agosto, mas o contrato ainda não foi assinado.

“A realidade da corrida é tão diferente dos esportes coletivos que até o melhor atleta de um time profissional pode ter dificuldade numa prova de rua. E o contrário também acontece”, diz Barbosa, que relembra que Neto, ex-jogador do Corinthians, fez um pace de quase 7’ na São Silvestre de que participou em 1996, quando ainda era do time paulista.

“Hoje, nos clubes, usamos pouco a corrida para melhorar o fôlego dos atletas porque priorizamos movimentos e situações que sejam mais próximos à realidade da partida”, explica Davidson Alves, preparador físico da equipe masculina de vôlei do Fiat/Minas Clube, de Belo Horizonte.

Mas é claro que, se você tem uma boa capacidade aeróbica por causa da corrida, terá mais chances de se destacar nos contra-ataques e nos tiros durante o jogo. Só não se iluda: acelerar enquanto leva uma bola nos pés ou nas mãos exige muito mais do que uma boa mecânica.

Os esportes coletivos e sua relação com a corrida

Futebol

Os laterais são os que mais correm, somando até 12 km em uma única partida. É verdade que, na maior parte do tempo, os jogadores estão caminhando ou trotando. “Mas eles também chegam a fazer 1.200 metros a 18 km/h e até alcançam picos de 30 km/h em alguns lances”, diz Omar. Para driblar e mudar de direção com segurança, é fundamental reforçar bem a musculatura em torno dos joelhos e ampliar a mobilidade dos tornozelos.

Voleibo 

São quase 150 saltos em uma disputa profissional. “As ações exigem respostas imediatas e megaexplosivas”, diz Davidson. Por mais que os jogadores percorram uma distância curta, a exigência física é intensa: um rali (período em que a bola não cai no chão) costuma durar de 8 a 15 segundos. “O intervalo entre um e outro é de apenas 10 segundos e, nesse tempo, a musculatura precisa repor o substrato energético.”

Handebol

Nesse esporte as faltas são comemoradas com orgulho pela defesa. Na hora de arremessar, você quase sempre recebe contato do adversário no tronco e no braço, o que faz com que o lance acabe, muitas vezes, com os jogadores no chão (aprender a cair é essencial!). “No total, percorre-se de 4 a 6 km”, diz Claudio. Assim como na rotina do corredor, gelo e massagem de liberação miofascial são muito bem-vindos para aliviar as dores e tensões.

Basquete

Sua equipe tem apenas 24 segundos no ataque. E, para conseguir abrir espaço dentro do garrafão adversário — ou para encontrar um chute livre atrás da linha dos três —, os jogadores precisam se movimentar o tempo todo. “Ter uma boa mecânica de corrida ajuda os atletas a ter um desempenho motor melhor”, diz Bruno Nicolaci, preparador físico do basquete do Flamengo e da Seleção Brasileira. 

 

Texto de Daniela Bernardi