Sono não é negociável

Atualizado em 19 de fevereiro de 2018
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Para os atletas de alta performance ele é uma necessidade, e sua qualidade costuma ser peça-chave nos resultados alcançados. É o sono que recarrega as energias e recupera o organismo dos esforços físicos acentuados. Uma noite mal dormida, ou problemas mais sérios nesta área, pode comprometer todo o rendimento de um esportista.

“Eu sempre brinco que o ideal para ser um campeão é treinar, comer e dormir – essa combinação é campeã”, afirma o triatleta cinco vezes campeão brasileiro, Juraci Moreira.

O médico do esporte Dr. Sérgio Dias Reis, do laboratório de performance esportiva SportsLab, explica a importância do sono na vida de um atleta.

“O sono se destina à recuperação do organismo depois do chamado período de vigília. Existem varias controvérsias a respeito das utilidades e dos aspectos biológicos que o sono determina no organismo. Hoje, contudo, estudos indicam que o sono seria um momento de readequação, um sistema de recarga energética principalmente do sistema nervoso central”, diz.

Portanto, ele é essencial. Dr. Sérgio Dias Reis diz que um atleta que não dorme bem pode ter seu rendimento alterado.

A atleta Márcia Narloch, tricampeã da Maratona Internacional de São Paulo, lembra que as duas últimas vezes que competiu na Maratona de Hamburgo, na Alemanha, foram bem diferentes por causa do sono. “Na prova mais recente, tive uma péssima noite e não gostei do meu desempenho. Já na penúltima vez dormi bem e me senti ótima”, diz.

A dinâmica do sono

O sono está diferenciado em dois momentos: o sono (inicial) NREM e o sono REM (do inglês, rapid eyes movement). O sono NREM, por sua vez, é dividido em quatro estágios, que variam em termos de atividade elétrica do cérebro e de acordo com sua profundidade, até chegar ao sono REM.

Já o sono REM caracteriza-se pela alta freqüência das ondas cerebrais, é a fase em que o indivíduo sonha. Em uma pessoa normal, ou sem problemas para dormir, o sono NREM e o sono REM alternam-se ciclicamente ao longo da noite. O sono NREM e o sono REM repetem-se a cada 70-110 minutos, com 6 a 8 ciclos completos por noite.

O que se observou em estudos é que indivíduos que fazem atividades físicas têm um aumento do tempo do estágio quatro do sono NREM, que seria o mais regenerador, aquele em que um cansaço físico é mais reabilitado.

O sono REM também torna-se mais intensificado em pessoas que fazem exercícios. Este é um momento de sono mais regenerador da parte neurológica.

O Dr. Sérgio Dias Reis explica que para uma pessoa que pratica atividade física de forma leve ou irregular, ou os sedentários, a prática de exercícios a noite não é recomendada, pois pode interferir negativamente na qualidade do sono. Atletas ou esportistas regulares, entretanto, não costumam ter o sono afetado por treinos noturnos, mas isto é pessoal.

“Eu sempre dormi pouco, já cheguei até a tomar comprimidos – o que hoje em dia não é mais necessário. Teve uma época que eu cheguei a dormir apenas quatro horas, mas atualmente seis horas são suficientes. Eu já programo as minhas atividades físicas para que terminem até, no máximo, 19h. Senão, sinto muita dificuldade para dormir, pois o metabolismo continua acelerado por um bom tempo”, conta a triatleta Sandra Soldan.

Necessidade pessoal

Dr. Sérgio Dias Reis explica que 2% da população têm necessidade de dormir mais de nove horas por noite. Para o restante, seis a oito horas costumam ser ideais.

Juraci Moreira tem necessidade de oito horas diárias de sono durante treinos normais. Já em períodos fortes de treinamentos, sente necessidade de fazer pausas menores de sono durante o dia.

“Por exemplo, durmo uma hora de sono leve no intervalo dos treinos, já que realizamos de três a quatro treinos diários. Isso é o ideal para a recuperação e descanso”, dá a dica.

No entanto, Dr. Sérgio Reis diz que todos se beneficiam com a adoção da chamada “higiene do sono”, algumas medidas simples, porém eficazes, para ajudar no relaxamento noturno:

  • Dormir em ambiente escuro
  • Sem barulhos
  • Agradável em termos de temperatura e conforto
  • Não fazer refeições pesadas antes de dormir
  • Porém, evitar o outro extremo: dormir com fome
  • Não ingerir alimentos ou bebidas estimulantes, como cafeína

Para atletas de alta performance, que sofrem de ansiedade na véspera de competições, ele diz que além dos itens básicos da “higiene do sono”, é preciso aprender a relaxar. “Existe treino para isso. Meditação e um trabalho de relaxamento psicológico, que pode ser orientado por um profissional da área, podem ajudar a dormir bem mesmo diante da tensão pré-prova”, acrescenta.

O ativo.com entrevistou alguns atletas campeões para saber suas histórias relacionadas com o sono e também como fazem para “desligar” e dormir em vésperas de competições importantes.

Márcia Narloch

A atleta catarinense Márcia Narloch (Brasil Telecom/Mizuno) é tricampeã da Maratona Internacional de São Paulo, incluindo este ano, e da Maratona Internacional de Porto Alegre, além de medalha de ouro no Pan-Americano de Santo Domingo (2003), onde entrou para a história do atletismo por ser a primeira mulher a conquistar um ouro em maratonas.

Para a atleta, uma boa noite de sono proporciona uma recuperação maior. “Me deixa mais tranqüila e disposta para treinar e competir. Mas, quando eu não durmo bem, fico mal-humorada e não consigo repor as energias”, conta.

Márcia diz que sempre é difícil desviar o pensamento de competições importantes, mas tem seu truque. “Eu tento imaginar uma paisagem calma e bonita, como um horizonte, uma praia ou um campo, para esquecer um pouco a ansiedade”, conta.

Juraci Moreira

Juraci Moreira (Brasil Telecom) é hoje o segundo melhor triatleta brasileiro colocado no ranking mundial, e cinco vezes campeão brasileiro de Triathlon, em 1998, 1999, 2001, 2002 e 2004, e vencedor neste final de semana do Troféu Brasil de Triathlon 2005.

Juraci Moreira diz que o sono tem uma importância muito grande para um atleta na questão da recuperação de um treino para o outro. “Uma noite mal dormida, somada a um dia de treino forte, com certeza significa um mal dia de treino. Uma seqüência de noites mal descansadas pode acarretar em lesão, mal-humor constante e até alguma doença”, afirma.

Contudo, ele diz que não acredita que uma noite mal dormida antes de uma prova possa prejudicar tanto, “já cheguei a dormir menos de quatro horas antes de competir e fui superbem no dia da competição. Mas, quando uma pessoa fica mais de dois dias sem dormir direito, aí sim com certeza ela estará prejudicando a sua prova”.

O triatleta conta que não é fácil “desligar” e tentar dormir bem na véspera de competições importantes. “É difícil, mas faço um trabalho de mentalização e visualização da minha prova durante dias antes do evento e chego no dia anterior bem mais relaxado. Desta forma, a prova e os detalhes já ficam gravados em minha memória e quando vou dormir não fico pensando na prova ou em algum detalhe que possa ter esquecido. E, com o tempo e a experiência, cada vez mais conseguimos relaxar e deixar o nervosismo somente para o dia do evento”, conta.

Sandra Soldan

Sandra Soldan (Brasil Telecom/Mizuno/Powerbar/Pão de Açúcar) é a triatleta campeã brasileira de Longa Distância este ano, medalha de Ouro nos Jogos Sul Americanos em 2002, e já eleita melhor triatleta do ano (2000) pelo COB. Segundo Sandra Soldan, o sono afeta totalmente a rotina, porque é onde se recuperam as energias. A atleta também conta que não é nada fácil se “desligar” às vésperas de competições importantes.

“É bastante complicado, pois é justamente quando ficamos mais ansiosos e a adrenalina fica à flor da pele. Cada um tem seus métodos para relaxar. Eu, na véspera, procuro f
azer treinos leves, tomar bastante chá e assistir algum filme. Tudo isso é importante para desligar um pouco. Como sempre acabo pensando na prova, procuro visualizar o que eu devo fazer na competição. O pior é que, quanto mais importante o evento, maior é a expectativa. O segredo é procurar um equilíbrio: não ficar muito na expectativa e perder o sono e nem muito relaxado e dormir demais, porque assim muitos acabam ficando mais lentos no dia da prova. Mesmo assim, a grande maioria dos atletas, experiente ou não, sempre passa por bastante nervosismo na véspera das provas”, diz com sinceridade.

Bárbara Bomfim (Equipe Oskalunga)

A equipe de corrida de aventura Oskalunga (Brasil Telecom) já enfrentou muitas competições nacionais e internacionais que exigiam intenso esforço físico. A inédita participação em novembro no Campeonato Mundial de Corrida de Aventura (AR World Championship), na Nova Zelândia, considerado um dos eventos esportivos mais difíceis do mundo, é um exemplo recente.

A integrante do quarteto, Bárbara Bomfim, diz que se sente muito bem dormindo de 7 a 8 horas por noite, mas admite que às vésperas de grandes competições conseguir isto não é tão fácil.

“No caso da corrida de aventura, a noite anterior significa o momento que recebemos os mapas e fazemos toda a estratégia e logística da corrida. Por isso, procuramos dormir muito bem durante a semana do evento, já sabendo que na noite anterior à prova teremos poucas horas de sono”.

A atleta conta que já vivenciou situações com resultados diversos em que a questão do sono foi determinante. “Em 2002, numa corrida de aventura em Angelina (SC), demoramos muito para arrumar nossos equipamentos e só conseguimos ir dormir às 2h da manhã, sendo que a largada seria às 4h da manhã! Fizemos um bom dia de prova, mas, quando a noite entrou falecemos de sono e perdemos a liderança e fomos para o quarto lugar”, conta.

“Mas, também numa corrida em 2002, no Paraná, conseguimos ser a primeira equipe a checar os equipamentos e pegar os mapas, por isso conseguimos arrumar tudo antes das 10 horas da noite, e dormimos muito bem para largar no outro dia somente meio-dia e, vencemos a corrida!”.