Tim Peake, o homem que correu no espaço

Atualizado em 06 de dezembro de 2016
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Anos 70. Como tantas crianças do século 20, o menino Tim Peake olha para cima fascinado com um espetáculo raro no céu, em geral cinzento e carregado, de sua cidade e país natal, Chichester (130 km ao sudeste de Londres), Inglaterra, mal sabia que seria ele seria o segundo a correr no espaço. Numa rara noite limpa, o brilho das estrelas e outros planetas o fazem imaginar a mais incrível das viagens. Poucos anos após a chegada do primeiro homem à Lua, em 1969, o garoto sonha, claro, em ser astronauta.

Décadas depois, ele chega lá. Em um processo de seleção com 8.413 candidatos, Timothy Peake é um dos seis a ser escolhidos astronautas da European Spacial Agency (ESA, Agência Europeia Espacial). Consegue a oportunidade por ser um piloto militar excepcional e também um cientista, especialista em ciência de voos dinâmicos.

15/12/2015. Aos 43 anos ele enfim torna realidade as visões daquele garoto das raras noites estreladas. Como na canção de David Bowie, outro inglês apaixonado pelas estrelas, Tim Peake prepara-se para ser lançado ao espaço, a partir do Cazaquistão, em um foguete russo Soyuz que depois o deixará na estação espacial internacional.

“Controle de solo para Major “Tim”(*) Tome suas pílulas de proteínas e coloque seu capacete … Controle de solo para Major “Tim”, 10, 9, 8, 7, iniciando contagem regressiva, motores ligados, 6, 5, 4, 3, checar ignição, e que o amor de Deus esteja com você, 2, 1, levantar voo… (Space Oddity, David Bowie)”

Lá em cima, bem no alto, o que o espanta de imediato, do outro lado das espetaculares visões do seu planeta, é a escuridão do espaço.Tim Peake é, no entanto, um homem da luz. Sua missão é estudar o ambiente sideral e seus efeitos sobre a espécie humana.

Além da capacidade investigativa de cientista e habilidade de pilotar, um dos motivos de ele ter sido escolhido para explorar o cosmos é ser um atleta excepcional. Por isso ele será o segundo ser humano a correr uma maratona no espaço, a dura prova de Londres, que disputará a partir da Estação Espacial Internacional estacionada a cerca de 400 km da Terra, sobre algum lugar próximo do Oceano Pacífico.

 

 

Atleta do espaço 
Tim Peake não precisa do capacete citado por Bowie dentro de sua cápsula sideral, mas a gravidade menor exige algumas adaptações para que ele consiga correr sem grandes problemas. Exige um esforço e resistência só possível em um superatleta (como é Tim). O astronauta corre amarrado pela cintura e ombros com tiras elásticas que o mantêm sobre uma esteira.

A pressão nos ombros e no quadril é enorme, mas necessária para que ele não saia do trilho e flutue sem rumo com a microgravidade exercida do espaço. As tiras permitem que os pés gerem a força necessária e aliviam o peso dos ossos e músculos do astronauta enquanto ele corre os 42 km.

Após muito treinamento, ele está pronto para a largada. Não virá da canção de David Bowie, porém, o seu combustível ou tiro de largada emocional. Tampouco dos sempre estimulantes gritos, que ele não pode ouvir, da multidão nas ruas da maratona. Ele está enclausurado em uma pequena cápsula, em um compartimento sem janela perto do banheiro que compartilha com outros cinco tripulantes da estação interespacial.

Pronto para a largada, será outra voz que o disparará na esteira. Outro mito inglês falecido, Freddie Mercury, e a banda Queen. Se Bowie criou a canção definitiva do homem no espaço, será a incendiária Don’t Stop Me Now — uma das 117 canções do set list que Tim levou para o espaço — que colocará o corredor cósmico em ação.

Prepara-se então o “Major Tim”, em órbita numa estação que viaja a 27 mil km/h. Ele correrá 42 km, mas sua estação espacial cobrirá mais de 100 mil km, duas voltas ao mundo, enquanto ele explora as ruas de Londres.

Antes do desafio, é necessário descobrir como ele se preparou para se tornar o primeiro maratonista do espaço.

Os anos mágicos de formação
O céu de Chichester, no condado de Essex, sul da Inglaterra, como em quase toda a ilha, tem raras noites claras, limpas. São para elas que o pequeno Tim mira com os olhos arregalados e com a curiosidade e paixão tanto intelectuais como físicas, típicas de um futuro explorador, esportista e aventureiro. “Um dia vou lá em cima”, disse ainda um menino para seus pais. Poucos anos depois o “lá em cima” vira Lua e espaço.

O garoto cresce se atirando em tudo quanto é modalidade esportiva na escola e explorando todo tipo de terreno. Vai do mundo líquido do mergulho a ambientes terrestres mais elevados, para onde talvez seu coração mais o chame.

É nas trilhas pelas montanhas, correndo livre no cross country, ou mergulhando lá de cima encostas abaixo de esqui, que o já jovem Tim sente-se mais à vontade e vivo. Talvez porque nas montanhas está mais perto daquele “lá pra cima” que balbuciou ainda no comecinho da sua infância.

Formado na escola de sua cidade natal, ele persegue seu sonho ao entrar no exército inglês. Como piloto de helicóptero,Tim Peake se aproxima ainda mais do objetivo das estrelas, o que consegue ao virar, finalmente, astronauta.

A batalha contra a baixa gravidade
Do céu ao espaço, a preparação física e mental é penosa e complexa. A barreira é carregar lá em cima apenas 70% do peso que o corpo tem em Terra. A batalha vital é preservar o coração, músculos e ossos do enfraquecimento gerado por essa perda de peso.

Como enfrentar as perdas de cerca de 15% da massa muscular e entre 1% e 2% de massa óssea durante o tempo em que fica fora do nosso planeta?

É preciso manter uma rotina física diária para combater esses danos, causados pelos efeitos da microgravidade. A força física precisa ser mantida no máximo do possível, mas não é completa. Por isso, quando Tim corre amarrado por um sistema elástico, precisa tolerar uma dor bem maior do que se corresse em terra firme.

Correr menos de 1 km nesse sistema, amarrado e no espaço, é terrível; mais algumas dezenas de minutos e o calor é infernal, além da pressão. Para suportar tudo isso, Tim treinou meses o fortalecimento dos ombros, costas e core, especialmente no treinamento funcional, em que nosso próprio corpo busca o equilíbrio em movimento. E ainda é preciso manter uma postura de corrida perfeita, para não partir seus ossos.

Corrida científica e talvez salvadora
Se milhares de anos atrás o grego Fidípedes correu 42 km para anunciar uma vitória na guerra, a maratona espacial de Tim Peake é um dos testes para a vida longe da Terra. Antes de embarcar, o inglês revelou sua missão, essencial quando o homem acabar de destruir esse planeta: “Há 25 experiências que vão ser feitas só no meu corpo. Principalmente, vamos estudar questões como a perda de massa óssea, a perda de densidade muscular, a visão dos astronautas, as mudanças do sistema imunitário. Vamos analisar uma série de doenças para saber se o sistema de microgravidade pode ajudar a controlar essas doenças”.

Tim Peake se concentra, tem a honra de dar a largada simbólica da maratona de Londres e arranca confiante.

“Astronautas costumam andar e levitar, mas ele corre e voa como uma estrela cadente saltando pelo céu, assim como um tigre desafiando as leis da gravidade, Eu vou, vou, vou, vou, E nada vai me deter… Não me interrompa agora!, eu estou me divertindo!” (Don’t Stop Me Now, Queen)

Corre e voa embalado por sua ciência, canções, corpo, mente e por um aplicativo acoplado ao seu iPad, o Run- Social, que emula o percurso da tradicional prova londrina e o faz se imaginar nas ruas da capital de seu povo.

Uma corrida tão real quanto virtual para o homem espacial. Quanto mais velozes suas passadas, mais rápido as ruas e avenidas de Londres o convidam.

O que não o convida são o calor e a pressão do sistema que o prende à esteira, extenuante paradoxo do nosso corredor cósmico: em plena imensidão sideral, ele corre amarrado a uma máquina de corrida (sem sair do lugar).

A alma de atleta e de corredor o liberta. Suas passadas alcançam entre 12 e 14,5 km/h. Guerreiro,Tim Peake consegue completar a prova em admiráveis, nessas condições, 3h35min21s.

Ali pertinho, Ziggy Stardust, o viajante sideral fantástico de Bowie, segue cantando, agora como uma homenagem à bem-sucedida missão:

Aqui é o controle de solo para Major Tom
Você realmente teve sucesso…
Agora é a hora de sair da cápsula…

Tim Peake aterrissou de volta ao nosso planeta após uma missão de 186 dias em que orbitou a Terra cerca de 3 mil vezes e participou de 250 experimentos.

A primeira coisa que pediu ao pisar em solo firme foi uma pizza e uma cervejinha gelada. Ninguém é de ferro, nem o maratonista cósmico.

Reportagem de Zé Augusto Aguiar publicada na edição 162 da revista O2