Prótese para paratleta no Brasil: artigo de luxo?

Atualizado em 17 de novembro de 2017
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O sucesso das Paralimpíadas do Rio de Janeiro aumentou a visibilidade do esporte paralímpico no Brasil, mas não foi capaz de transformar a situação de muitos dos amputados que poderiam ingressar nas competições de alto rendimento ou simplesmente enxergar na prática esportiva uma nova motivação de vida. Atualmente, o número de atletas de elite que utilizam próteses desenvolvidas especialmente para a corrida não chega a dez no Brasil.

Os altos custos para a aquisição e a manutenção de aparelhos ortopédicos de última geração ajudam a explicar por que as lâminas de corrida são “privilégios” para poucos no País, por mais contraditório que isso possa soar.

Biamputada desde 2012, quando sofreu com uma infecção generalizada causada por um erro médico de um hospital de Jundiaí, no interior paulista, a triatleta Adriele Silva hoje utiliza quatro próteses em seu dia a dia – as “comuns”, desenvolvidas para atividades cotidianas, valem cerca de R$ 44 mil cada, enquanto uma lâmina de corrida custa R$ 25 mil. As peças são individuais e desenhadas de acordo com o tipo de modalidade praticada, estrutura física e nível de amputação do esportista.

Os custos, no entanto, não param por aí. Constituídas por fibra de carbono, polímeros e metais, as próteses, para funcionarem bem, necessitam de outros acessórios, como meias de silicone, conhecidas como liners (R$ 2.500 cada um) e joelheiras (R$ 3.500 por peça). Se o paratleta não tiver variações de peso – oscilações diante da balança prejudicam os ajustes da prótese –, aumenta a vida útil do equipamento.

A questão, no entanto, é subjetiva, já que depende do tipo de atividade do atleta. As próteses são formadas por diversos componentes, que precisam ser trocados por desgaste ou necessidade de manutenção periódica, dependendo das especificações do fabricante ou da própria demanda do atleta. No caso de Adriele, que não costuma sair dos 54 kg, as idas ao Instituto de Prótese e Órtese (IPO), em São Paulo, acontecem de ano em ano.

Mas o que torna esse equipamento tão inacessível, afastando novos praticantes do esporte paralímpico? A empresa islandesa Össur, uma das líderes do segmento, atribui os valores elevados das peças às altas taxas de importação vigentes no Brasil. Todos os equipamentos da marca saem da Islândia, Holanda ou México. Quando chegam ao Brasil, são inspecionados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e ganham o mesmo tratamento e os encargos fiscais de eletrodomésticos e outros apetrechos tecnológicos estrangeiros. “Eles não aliviam em nada. Nem em tributação, nem na rapidez do processo”, afirmou Ariadne Cercal, analista de marketing da Össur no País.

 

 

Jean Barreto, gerente nacional de vendas da Ottobock, marca alemã que também opera no Brasil, explica que a variação de preço está relacionada ao tipo de encaixe e da interface que será utilizada no sistema de adaptação da prótese. Uma peça da Ottobock para amputação transfemoral (acima do joelho) varia entre R$ 25 mil e R$ 30 mil. Já uma transtibial (nível de amputação abaixo do joelho) custa de R$ 15 mil a R$ 20 mil.

Vinicius Gonçalves Rodrigues

“Três pessoas por semana me perguntam como podem conseguir uma prótese. É lógico que eu queria ajudar todos. Eu ajudo da maneira que consigo. O valor é muito alto. Uma prótese tem o valor de um carro. Se você comprar um material desse para ter mais qualidade de vida, correr num parque, não compensa. As pessoas não tentam ser atletas. Fica restrito a quem tem um poder aquisitivo muito alto”, diz Vinicius Gonçalves Rodrigues, uma das apostas para os Jogos Paralímpicos de Tóquio. “Se o governo estimulasse o uso de prótese para crianças amputadas, isso desenvolveria o esporte desde a base. Mas se a base do olímpico já não é forte, imagine do paralímpico. Sem ajuda, fica bem difícil.”

O “facilitador”

Não fosse por seus apoiadores, Adriele utilizaria em suas corridas um modelo mais simples de prótese, gerando um impacto maior sobre outras partes de seu corpo. A ajuda para conseguir competir em alto nível, no entanto, não veio de uma iniciativa do governo ou do Ministério do Esporte, mas sim da Califórnia. A triatleta descobriu um programa filantrópico criado pela Universidade de Loma Linda para auxiliar atletas e paratletas do mundo inteiro. De orientação adventista, a instituição tem como objetivo “unir os pontos fortes de educação, cuidados clínicos e pesquisas para compartilhar um estilo de vida de saúde e bem-estar”.

A Universidade de Loma Linda recebe semanalmente milhões de dólares de seus doadores. Esse dinheiro viabiliza a compra de próteses e lâminas para corredores de diversos cantos do planeta. Quem intermediou a ida de Adriele para a Califórnia foi uma espécie de “anjo da guarda” da categoria: o ex-paratleta Paulo Almeida.

Adriele Silva

No início da década passada, quando ainda competia, Almeida começou a receber suporte da universidade californiana. Sua aposentadoria no esporte não significou um ponto-final na relação com os representantes da instituição americana. Ele hoje atua como uma espécie de facilitador entre os paratletas brasileiros e os administradores de Loma Linda. Anualmente, ele seleciona dois compatriotas para receberem novas próteses. “Peguei o benefício que eu tinha e passei para alguns atletas brasileiros (sejam eles de alto rendimento ou não). Levo alguns deles para a Califórnia e eles já voltam com a prótese de corrida. Eu só dou o primeiro passo”, fala Paulo Almeida.

O primeiro passo é selecionar aqueles que, segundo os critérios de Almeida, mais merecem uma prótese e, em seguida, entrar em contato com um dos diretores da Universidade de Loma Linda, o compatriota Fábio Maia. A boa relação entre os dois lados garantiu neste ano um repasse de US$ 120 mil em equipamentos e dinheiro a paratletas brasileiros.

Polêmica no esporte paralímpico

Os resultados do atleta paralímpico mais famoso de todos os tempos, o biamputado sul-africano Oscar Pistorius, originaram uma discussão polêmica no mundo do esporte. Os materiais utilizados nas próteses de última geração melhoram o desempenho dos atletas e podem ser considerados uma espécie de doping tecnológico?

Para Emerson Bovo, gerente regional da Ottobock, “há, sim, uma melhora do desempenho do atleta, mas a situação é muito difícil de ser avaliada, pois os atletas possuem amputações e próteses diferentes”, comenta.

Paulo Almeida diz que, para os biamputados – caso de Pistorius –, o desgaste muscular é menor e a vantagem, maior. “A tecnologia empregada é muito alta. Em alguns casos, é engenharia pura”, finaliza.

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