O impossível não existe

Atualizado em 27 de abril de 2016
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Por Fausto Fagioli Fonseca

Em 2002 Márcio Villar pesava quase 100 kg, sua vida pessoal estava em pedaços e não conseguia nem dar poucos passos sem ficar ofegante, cansado. Hoje, ele é um dos ultramaratonistas mais respeitados do Brasil. Recentemente, completou o “double” na Badwater, uma das ultramaratonas mais difíceis do planeta, percorrendo duas vezes o percurso de 217 km. Quebrou ainda o recorde do evento nesta categoria, com o tempo de 79 horas. Conheça um pouco mais sobre este superatleta de 43 anos, que se desdobra entre emprego, família e treinos para alcançar suas metas no esporte.

O2 Por Minuto – Você começou a correr em 2002, quando estava acima do peso e com problemas de saúde. Como você define sua vida antes da corrida?
Márcio Villar – Estava uma droga! Meu casamento estava problemático. Não conseguia dormir, tinha azia, problemas estomacais. Andar alguns metros já me deixava mal, cansado.

O2 Por Minuto – E como começou na corrida? Como foram seus treinos iniciais, as primeiras provas…?
Márcio Villar – Nunca havia treinado quando participei da minha primeira prova. Uma de 8 km aqui no Rio de Janeiro. Participei com meu irmão e cada um fez 4 km. Depois disso comecei a me inscrever em toda prova que via. Menos de um ano depois de começar fiz minha primeira meia-maratona. Minha competição sempre foi comigo mesmo.

O2 Por Minuto – A evolução física foi rápida? Quando percebeu que tinha deixado a obesidade e passou a ter uma vida saudável?
Márcio Villar – Em 10 meses perdi 29 kg. Só correndo e fechando a boca. Comia arroz integral e filé de frango. Um dos dias mais inesquecíveis da minha vida foi quando fui comprar uma calça no shopping. Meu manequim sempre foi 48. Chegando na loja pedi para experimentar uma calça 42. Quando a vesti e vi que serviu fiquei emocionado, minha vontade era sair gritando pelo shopping, liguei para todo mundo. Foi muito marcante.

O2 Por Minuto – Como chegou às ultramaratonas? Qual foi sua primeira prova do tipo?
Márcio Villar – Toda prova no Rio era a mesma coisa: 10 km no Aterro do Flamengo. Precisava de algo diferente para me motivar, senão ia começar a ganhar peso novamente. Recebi então um e-mail falando de uma prova de 24 horas em São Caetano. Todo dia olhava para este e-mail, mas não criava coragem para me inscrever. Um dia decidi que ia participar. Me inscrevi. Muitos tiraram sarro, falaram que eu ia dormir 22 horas e correr duas etc. Concluí a prova com 166 km, ficando em primeiro lugar na minha categoria. Depois disso nunca mais participei de corridas curtas.

O2 Por Minuto – Como são seus treinos para provas tão longas? Quanto roda por semana?
Márcio Villar – Para falar a verdade eu treino até muito pouco relativamente. Não tenho muito tempo para os treinamentos. Tenho meu emprego, família… Eu treino mais de acordo com as provas que vou fazer. Se é uma corrida no deserto, treino ao meio-dia, na areia fofa. Se é uma na neve, corro puxando pneu, porque nelas há a necessidade de carregar um trenó com alguns itens. Acredito que os treinos são mais difíceis que as provas. Nelas só corro pensando na linha de chegada e isso me motiva. É muito psicológico.

O2 Por Minuto – Qual foi a ultramaratona mais difícil da sua carreira? Por quê?
Márcio Villar – A mais difícil pra mim é a Arrowhead (ultramaratona de 217 km na neve, realizada no Estado de Minnesota, nos Estados Unidos), onde já tive até risco de amputação dos dois pés. Lá funciona assim: você não pode parar senão congela. As roupas também são muito importantes, e o atleta tem que decidir quantas usar dependendo da sua velocidade. Se usar muitas, corre o risco de suar e ter hipotermia. Já se usar poucas roupas, passa frio, e também tem chance de desenvolver hipotermia. A temperatura chega a -30ºC, -40ºC.

Foi nesta prova que mais cheguei perto da morte. Me perdi no percurso e fui parar em uma estrada. Depois consegui voltar para a trilha, mas estava mal. Coloquei minhas mãos no joelho e em questão de segundos elas congelaram. Não conseguia pegar o cobertor térmico. Já estava aceitando a ideia de morrer quando vi uma lanterninha de longe. Era um outro corredor, que me ajudou me cobrindo. Fiquei um tempo até me recuperar totalmente. Ainda completei a prova em quinto lugar. Em fevereiro farei o “double” dela.

O2 Por Minuto – Qual o momento que mais te marcou em alguma prova?
Márcio Villar – Foi o final do “double” na Badwater. Como não tenho patrocínio, um casal de médicos, ele da Nova Zelândia e ela americana, que eu nem conhecia decidiu me ajudar “bancando” o carro de apoio, que segue o atleta nas provas. Quando completei o desafio, eles vieram me abraçar chorando emocionados, dizendo: “Incrível, incrível!”. Na verdade eu que devia agradecê-los. Me marcou demais.

O2 Por Minuto – Falando sobre o “double” na Badwater, fale um pouco sobre a prova.
Márcio Villar – Cheguei para disputar a prova apenas no sábado à noite e a corrida começava segunda-feira. Quase não tive tempo para me aclimatar. A corrida mesmo foi tranquila, a equipe de apoio me ajudou demais. Consegui bater o recorde do “double”, com 79 horas. Fiz a ida em 36h e pretendia fazer a volta ainda abaixo disso, mas o calor era muito (cerca de 60ºC). Meu pé estava cheio de bolhas e tive que parar para fazer curativos. Mas mesmo assim consegui o recorde, além de ser o único atleta a fazer a prova ida e volta neste ano.

Algo que me marcou muito aconteceu enquanto estava tentando completar meu objetivo. Um atleta que estava indo embora parou o carro, pegou os mantimentos dele que sobraram da corrida, colocou no meu carro de apoio, tirou uma foto comigo e falou: “Você está provando para o mundo que o impossível não existe”. Nunca mais me esquecerei disso na minha vida, esta frase me levou à linha de chegada.

O2 Por Minuto – Quais foram as maiores dificuldades que enfrentou antes da corrida?
Márcio Villar – Como na maioria das provas que faço a maior dificuldade é conseguir patrocínio. Na Badwater um americano pagou o hotel e as passagens, o casal que citei pagou a equipe de apoio. É difícil conseguir patrocínio aqui no Brasil. Inscrição nas provas, roupas, tênis, que duram em média um mês, passagem, hospedagem, tudo isso sai do meu bolso.

O2 Por Minuto – Qual sua próxima prova? Tem alguma meta a atingir ainda na corrida?
Márcio Villar – Minha próxima prova será a 24h da Corpore, mas só farei por diversão, não pretendo competir. Em novembro tentarei bater o recorde mundial de corrida em esteira, que atualmente é de 836 km. Pretendo fazer entre 900 e mil quilômetros. A maior dificuldade é trazer o juiz do Guiness, porque tem que pagar passagem, hospedagem dele etc. Desejo um dia dar a volta ao B
rasil, percorrendo toda sua costa e também dar a volta ao mundo correndo.

Confira a galeria de fotos de Márcio Villar na Badwater