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Encontre marcos históricos e culturais na São Silvestre

Atualizado em 23 de dezembro de 2016

A São Silvestre deixou de ser, há alguns anos, uma prova em que se corre com facilidade, dada a enorme quantidade de corredores inscritos (30 mil) e não inscritos, os pipocas, que se acotovelam em meio ao asfalto. Mas o clima festivo e a história da prova são inigualáveis. Além disso, o percurso é repleto de marcos históricos e polos de interesse cultural. Poucos paulistanos, aliás, têm conhecimento de todos os detalhes que relatamos nestes dez tópicos. Que tal mergulhar neles?

1) Se a poluição deixar…

Os momentos que antecedem a largada da São Silvestre e os primeiros quilômetros depois dela são aqueles em que você terá mais tranquilidade para apreciar pontos de interesse do percurso. Dê uma olhada no MASP. Se chegar cedo à Paulista, vá até o fim do vão livre e contemple uma bela vista da cidade. Torça para o ar não estar muito carregado de poluição. É possível ver grande parte do centro da cidade e a Zona Norte, inclusive um pedaço da Serra da Cantareira. É a deixa para um momento de introspecção do corredor.

O MASP é fruto da tenacidade do empresário de mídia Assis Chateaubriand e do jornalista e crítico de arte italiano Pietro Maria Bardi. A ideia inicial de Chatô era erigir seu museu de arte no Rio, mas vários fatores contribuíram para que ficasse do outro lado da Dutra. O desenvolvimento da economia paulista, turbinado pela industrialização lastreada em capital oriundo do café, e o próprio impacto cultural causado pela Semana de Arte Moderna são alguns dos mais importantes entre eles. O atual prédio do MASP foi inaugurado em 1968, com a presença da Rainha Elizabeth II.

Pacaembu

2) O “velho Paca”

Depois de descer a quase vertical Major Natanael, contemple, nem que seja por alguns segundos, a beleza do Estádio do Pacaembu. Inaugurado em 1940, chegou a ser o maior estádio do país, condição que perdeu para o Maracanã. O projeto, do escritório Ramos de Azevedo, foi influenciado pelo estilo Art déco, mas há quem veja linhas que derivam do Racionalismo Italiano.

O “velho Paca” recebeu jogos da Copa de 50, além da abertura e de provas de atletismo dos Jogos Pan-Americanos de 63. A pista tinha piso de carvão à época. Os pés mais importantes que a pisaram foram os do mito Emil Zatopek, que venceu a São Silvestre de 53 e ficou mais dez dias na capital paulista. Nesse ínterim, o tcheco sagrou-se campeão da prova de 10.000m da “Competição Internacional de Provas de Fundo” (30min01).

Alessandro Lucchetti

Palácio dos Campos Elíseos

3) Antes da decadência

Você está na avenida Rio Branco. Olhe à direita depois de passar pela Alameda Nothmann. Logo, na esquina com a Alameda Glete, vai avistar os muros e o Palácio dos Campos Elíseos. O bairro homônimo foi o primeiro a ser planejado na cidade. O cafeicultor Elias Antonio Pacheco e Chaves encomendou o projeto daquela que seria sua faustosa residência ao arquiteto alemão Matheus Haüssler. A colunata e os capitéis evocam o renascimento italiano e a cobertura de mansarda denuncia a influência da arquitetura francesa do século XVII.

Em 1912, após a morte do barão do café, o governo estadual comprou o imóvel, que passou a ser residência oficial de governadores e, posteriormente, sede do governo. Adhemar de Barros é o último governador que lá despachou. É o responsável pela transferência da sede para o Morumbi, no Palácio dos Bandeirantes, em 1965.

4) Alguma coisa no coração

Quando passou pelo cruzamento da Avenida Ipiranga com a São João, alguma coisa aconteceu no coração de Caetano Veloso. Assim tocado, compôs Sampa, forma de chamar a cidade que nunca foi de fato abraçada pelos paulistanos. Numa das esquinas formada pelo cruzamento das duas avenidas, situa-se o Bar Brahma. Fundado em 1948, foi cenário de articulações políticas, tendo sido frequentado por Jânio Quadros e Adhemar de Barros. Nos anos de ditadura, era procurado por intelectuais e estudantes de direito do Largo São Francisco. Os shows ficaram por conta, ao longo das décadas, de Ari Barroso, Vicente Celestino, Orlando Silva, Adoniran Barbosa.

Em outra das esquinas divisa-se a famosa academia Combat Sports, importante criadouro de boxeadores de São Paulo. Lá, entre outros, treinava Peter Venâncio, que lutou pelo título mundial dos médios da Associação Mundial de Boxe em 97. Foi superado por pontos pelo americano William Joppy, resultado questionado até hoje por muitos que viram o duelo.

Alessandro Lucchetti

Fonte Monumental, na Praça Julio Mesquita

5) Roubaram a lagosta

Antes de rumar em direção à Alameda Barão de Limeira, o mar de corredores da São Silvestre passará pela Praça Júlio Mesquita. Esculpida em mármore de Carrara, com ornamentos em bronze, a Fonte Monumental merece ser apreciada. Encomendada com a finalidade de instalação na Praça da Sé, a fonte tomou lugar na Praça Vitória, nome alusivo à Guerra do Paraguai.

Em 1927, o logradouro foi rebatizado para homenagear o fundador do jornal O Estado de S. Paulo. Vítima da decadência que abateu o Centro da cidade desde a década de 60, o monumento foi alvo de bandidos, que surrupiaram uma das peças de bronze em formato de lagosta. Adoniran Barbosa, músico que era também um cronista social, cita o sumiço da peça em “Roubaram a lagosta”, gravada nos anos 70. 

Na mesma praça, os Demônios da Garoa ensaiavam num apartamento localizado num prédio azul, muito alto. Adoniran tinha medo de pegar o elevador e pedia para o porteiro chamar o pessoal do conjunto. Os músicos então desciam até o térreo para pegar as letras dos sambas do genial compositor popular.

Alessandro Lucchetti

Hotel San Raphael, no Largo do Arouche

6) Detalhes
Uma vez no largo do Arouche, os corredores da São Silvestre contornarão uma rotatória antes de acessar a Avenida Vieira de Carvalho, que percorrerão até alcançar a Praça da República. Até hoje, o Hotel San Raphael é frequentado por músicos que passam por São Paulo em caravanas de shows, como Michel Teló e Jorge e Matheus.

Poucos sabem que, em uma das suítes do San Raphael, Roberto e Erasmo Carlos compuseram “Detalhes”. Em seu auge, o hotel recebeu também uma delegação de jogadores da NBA que enfrentou a seleção brasileira de basquete no ginásio do Ibirapuera, em 1975. Com Ubiratan, Carioquinha, Marquinhos e Dodi, entre outros, o Brasil, que batera os norte-americanos no Maracanãzinho, foi derrotado no Ibirapuera.

7) Ruptura com o velho

Ao passar pela Conselheiro Crispiniano, antes de acessar a Xavier de Toledo, os corredores vão se deparar com o Theatro Municipal. Inaugurado em 1911, é outra obra assinada pelo escritório de Ramos de Azevedo, que se inspirou na Ópera de Paris. Erigido para satisfazer ambições culturais da elite paulista da época, recebeu a Semana de Arte Moderna de 1922, marco inicial do Modernismo no Brasil.

8) Primeira sede

O novo percurso da São Silvestre inclui a atual sede do MASP, na Paulista, que foi inaugurada em 68, e o primeiro imóvel a abrigar o museu, na Rua Sete de Abril, 230, em 1947. O prédio, que pertencia aos Diários Associados, notabiliza-se também por ser o local de onde foi realizada a primeira transmissão de TV na América Latina, em 1950.

9) A segunda maior

De volta à Rua Coronel Xavier de Toledo, ao passar pela praça Dom José Gaspar, os corredores da São Silvestre vão deparar com a segunda maior biblioteca do país, a Mário de Andrade, que fica atrás apenas da Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro. O atual prédio ocupado pela instituição foi inaugurado em 1942. Trata-se de um dos maiores marcos da arquitetura moderna em São Paulo.

10) Grandes, enormes festivais
A desgastante subida condena muitos corredores a pensar apenas em poupar as forças. Os que não estiverem tensos demais com a sobrecarga muscular exigida pela Brigadeiro poderão contemplar o antigo Teatro Paramount, que hoje tem o nome Renault. Inaugurado em 1929, foi o primeiro cinema sonoro da América Latina.

Nos anos 60, era o lugar em que os fãs de MPB tinham que estar, pois recebia o Festival de Música Popular Brasileira, transmitido pela TV Record. Edu Lobo, Tom Zé, Caetano Veloso, Chico Buarque, Mutantes, Gilberto Gil… Precisa dizer mais alguma coisa?