Pesquisadores testam limites de atletas de Corrida de Aventura

Atualizado em 12 de dezembro de 2017
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Como a privação do sono influencia no rendimento físico dos atletas de corrida de aventura? Para responder essa pergunta, a pesquisadora Hanna Karem Antunes juntou novamente atletas dispostos a simular uma corrida de aventura em laboratório. Hanna Karem é pesquisadora do Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício (CEPE) da Unifesp e organizou o simulado sob a coordenação do Dr. Marco Túlio de Mello.

No ano passado fui conhecer o laboratório e ver como tudo funcionava e o que era para ser uma visita de poucas horas acabou se tornou quase dois dias junto com as -cobaias-. E essa foi a provável razão de ter recebido um telefonema da Hanna no começo deste ano, procurando por voluntários para mais um simulado e perguntando se eu toparia participar do experimento. Sabia que devia ter ido embora antes…

Ela explicou que o funcionamento seria igual ao do ano passado e que aconteceria no último final de semana de novembro. Talvez pela curiosidade de saber quantas horas conseguiria ficar acordado, utilizando a mesma estratégia de sono em uma corrida de longa duração, acabei topando o desafio.

Minha função no experimento foi o de -controle-, que é a pessoa que não pode fazer qualquer exercício físico e dorme pelo mesmo período de tempo que a equipe que está em atividade física.

Simulado

Na tarde de quinta feira, 24 de novembro, fui para o que seria minha casa pelos próximos dias: o 9º andar do prédio da CDB, na Vila Mariana, onde se encontra o Instituto do Sono.

Algumas pessoas foram entrevistadas pela Rede TV e pelo SBT e a Hanna passou as últimas instruções para os participantes. Era hora dos atletas encherem as mochilas e os sistemas de hidratação e começar o simulado, que teve início às 20:17h.

O percurso do simulado foi o mesmo do Ecomotion Pro – Chapada Diamantina, com Trekking na esteira, Mountain Bike em rolos, Remo nos ciclo-ergômetros e natação na piscina. Só faltou simular a ascensão e o rapel.

A equipe que fui designado como controle foi formada pelos atletas Henri Kubota, Mauricio Pagotto e Carlos de Paula, integrantes da equipe H2OBrasil Landslide e Edílson Eizano Rezende, da equipe XTR. O atleta Marcelo de Marchi, também da XTR, e o pesquisador Wagner Luis Prado completavam o grupo como controles.

Apesar de ficarmos confinados ao 9º andar do prédio durante a maior parte do tempo (podíamos descer para o térreo durante as refeições: café, almoço, café da tarde e jantar), não estávamos isolados de tudo. Para passar o tempo tínhamos televisão, vídeos, videogame, internet e podíamos usar o telefone. As únicas restrições eram não fazer qualquer atividade fisica e não dormir. Só isso…

Como esperado a primeira noite foi bem tranquila. A agitação do começo das atividades e a espera pelas matérias na televisão (a do SBT passou a 1:00h da manhã!!) fez com que o tempo passasse rápido. Como o simulado iniciou à noite, não demorou muito para que a manhã seguinte chegasse logo.

Além de não poder dormir, nós (controles) tivemos que passar pela tortura da medição do Índice de Metabolismo Basal. Esse índice é a energia (medida em calorias) gasta pelo corpo no descanso para manter as funções normais e a medição é feita de um jeito bem simples: fica-se deitado com uma máscara no rosto durante 30 minutos e não pode se mexer! Para passar o tempo comecei a contar os quadrados do forro no teto e tentei fazer contagem regressiva mas me perdi com os números. Por sorte fizemos esse exame só mais uma vez (obrigado Ioná!!).

Na sexta feira o laboratório ficou mais cheio com a chegada dos outros participantes. A outra equipe foi formada pelos atletas Amaury de Souza Jr, Pietro Carlo e Rosângela Hoeppner, e como controle estavam Cley Santana e Alexandre Paulino.

Rose foi a responsável pela animação da nossa segunda noite, cantando e brincando com todos, mas o sono já não era tão fácil de controlar. Os monitores, encarregados de não deixar os -controles- dormir, tiveram bastante trabalho. O divertido era quando de repente, do nada, eles perguntavam – cadê fulano? – e saíam à caça do controle perdido, procurando no banheiro, na sala de videogame e na sala de computador.

Nesta hora usar o computador, jogar videogame ou assistir vídeos era quase impossível. As -pescadas- eram constantes e as pálpebras ficavam cada vez mais pesadas.

Sabia que não era o único nessa situação e que os atletas, que já estavam a quase 30 horas em atividade fisica, iriam dormir nessa noite. Só não sabia quanto tempo… Logo depois fomos informados que a equipe optou pela estratégia de dormir 1 hora e depois seguir direto até o fim. Nesse momento já estava quase dormindo em pé, literalmente, e se ficasse mais algumas horas acordado só conseguiriam contato comigo através de mensagens psicografadas.

Término do trekking, subimos para fazer a polissonografia durante nosso descanso de 1 hora. Quando a porta do elevador se abriu, os técnicos se dividiram, cada um indo para um quarto para -ligar- os fios nas nossas cabeças. Até que foi rápido, assim como pegar no sono. A chamada latência, espaço de tempo entre o deitar e o dormir, foi praticamente zero.

E praticamente zero foi também a sensação de descanso. A impressão que tive é que logo depois de pegar no sono abriram a porta e acenderam as luzes. Aquela 1 hora pareceu poucos minutos. Eram 6h00 da manhã. Sorte que a hora do café da manhã estava próximo e eu poderia sair um pouco do ambiente do laboratório, observar a movimentação no térreo e tentar despertar.

Lembro que logo depois de voltar para o laboratório, o Amaury pediu para o Marcelo trocar o pneu de uma das bicicletas… coitado. Enquanto tentava entender o que estava acontecendo, Amaury falou mais centenas de coisas. Marcelo pediu um pouco de calma…

O sol lá fora começava a aparecer e isso era bom. A claridade me ajudou um pouco a despertar, mas percebi que aos poucos eu estava -saindo do corpo-. Não sei se era bom ou ruim, mas sabia que o pior ainda estava por vir. Ficava imaginando o que fazer durante a terceira e última noite para me manter acordado.

Depois do café da manhã o dia passou razoavelmente rápido. Alguns conhecidos apareceram para ver como estava indo o simulado e a conversa ajudou a passar o tempo. Mas a situação não estava 100%. Uma das pessoas que apareceu no sábado foi a Cristiane, proprietária do restaurante Podium Adventure. Conversamos um pouco sobre os preparativos da festa da APCA, que acontece no próximo dia 12, mas estava com muito sono e lembro de ter falado para ela que talvez não lembrasse daquela conversa depois do simulado.

Naquele momento já estava entrando no -mundo de Matrix-. As coisas começaram a acontecer em câmera lenta, parecia que estava fora do corpo, os sons pareciam abafados, bem longe e a sensação de Deja Vú era constante.

A noite chegou. Tentei assistir televisão mas se na segunda noite era quase impossível, imagine na terceira. Consegui usar um pouco o computador de uma das salas, que tem a saída do ar condicionado bem em cima da cadeira. O frio segurava um pouco o sono.

Fui jogar videogame… era um jogo de luta se não me engano. Apertava todos os botões, de qualquer jeito, para tentar ganhar. Tinha outro jogo, de carro, mas nem arrisquei. Voltei para a televisão e tive a certeza que seria impossível assistir alguma coisa… via as imagens mas não conseguia acompanhar a história ou o assunto, o que quer que fosse. Mal acabava de ouvir uma frase e já esquecia. Concentração zero.

A solução que encontrei foi andar. Fiquei andando, bem devagar, ao redor das salas do andar. Não sei quantas voltas completei. Às vezes mudava a rotação. Aliás, essa foi a solução desde a segunda noite. Às vezes parava, tentava usar o computador de novo e depois voltava para a caminhada. De vez em quando ia para o banheiro jogar uma água no rosto.

Ao amanhecer
achei que as coisas iam melhorar. Doce ilusão! Quando amanheceu pareceu que o sono acumulado dos 3 dias chegou de vez. Era difícil me manter acordado e andava cambaleando, às vezes me apoiando nas paredes. Conversava com algumas pessoas mas só o corpo estava presente, a mente estava longe. Passei o domingo inteiro molhando o rosto e lutando contra o sono. Lembro que colocaram um filme mas poucos segundos depois de ficar olhando para a tela já estava cochilando. De pé!

A agitação do final do simulado me despertou um pouco. Poucos minutos de comemoração e fomos fazer os testes cognitivos, colher sangue, fazer medição corporal, jantar e dormir. Finalmente! Fomos novamente para a polissonografia, mas desta vez sabendo que podíamos descansar muito mais.

Estratégia

Para Henri Kubota, que já participou de provas longas, inclusive da corrida na Chapada Diamantina, a estratégia de dormir uma hora foi boa. -Largamos às 20:00 de quinta e sabíamos que pelo ritmo escolhido teríamos 3 noites pela frente. A primeira noite é tranqüila de se varar. A segunda, no momento mais crítico, quando os quatro já estavam dormindo sobre a esteira (eu até sonhei) e numa parada para ir ao banheiro, o Bart (Maurício Pagotto) quase atravessa o espelho do laboratório e então resolvemos parar para dormir uma hora-, disse Henri.

-Apesar da sensação de ter sido apenas um minuto de sono, deu pra agüentar o dia todo e na última noite a gente -foi pra morte- – um trecho entediante de 8 horas e meia na esteira, com muitas dores nos tendões e bolhas nos pés. O último dia foi complicado. O sono pegou pesado e a gente parecia estar -fora do corpo-. Mas faltava só mais esse dia e após muitas -pescadas-, deu pra chegar no final sem dormir mais-, completou.

Ele participou também do simulado no ano passado, mas teve que parar devido a uma inflamação na garganta. Quando perguntado porque estava participando novamente, ele respondeu: -Em primeiro lugar, por se tratar de uma pesquisa séria, coordenada pela Hanna, onde os resultados obtidos podem ajudar outras pessoas que trabalham em condições de privação de sono. Em segundo lugar, pelo desafio pessoal de completar o simulado. Um teste físico e psicológico muito difícil que ano passado não completei.-

Apesar de treinar regularmente, Carlos de Paula enfrentou sua primeira corrida de aventura no laboratório. -Devido à falta de experiência em corridas de aventura, segui o rítmo que a equipe determinou. Nas primeiras horas não sabia de onde saía tanto suor. O trekking de 39 km não foi fácil, mas depois foi numa boa. Já no segundo dia comecei a sentir fortes dores nas pernas, mas nada que não fosse superável e um trecho de 10 hs de remo foi fundamental para o descanso das pernas e dos pés-, disse De Paula.

-No começo é difícil mas logo essa idéia é quebrada. Além da importância da pesquisa, o fato de olhar pro lado e ver que eu não estava sozinho nessa, com o Henri e o Bart rachando o bico de me ver cochilando, o Edílson me perguntando o tempo todo porque eu não falava nada, o apoio de equipe quase que implorando para que a gente fosse dormir um pouco para que eles pudessem também e a Dra Hanna Karem como fiscal de prova só aplicando penalidades. É impossível não aderir o espírito de equipe, ajudar e ser ajudado e tocar o barco em frente, lembrando que tudo que é feito entre amigos, torna-se muito mais fácil e até mesmo agradável. O PC virtual na piscina foi maravilhoso, sem contar as refeições em todas as transições, sob a responsabilidade das nutricionistas Cibele Crispim e Ioná Zalcman-, completou.

O simulado terminou aproximadamente às 18:00h de domingo, totalizando quase 70 horas, e no geral os participantes somaram 82 horas “online”, com apenas 1 hora de descanso.

Apesar da atividade fisica ajudar a combater o sono, fico imaginando o que os navegadores enfrentam, já que eles precisam de muita concentração. Nessas horas de muita privação de sono, parar e olhar para mapa, tentando identificar a localização da equipe durante a noite, só com o foco da headlamp, deve ter a mesma sensação que eu tive quando olhava para a tela do computador ou para a televisão.

Por Wladimir Togumi – adventuremag.com.br