Praias, cânions e serras

Atualizado em 19 de setembro de 2018
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POR MARIO MELE

Pedalar os 500 km da costa catarinense, entrar pela região dos cânions, na divisa com o Rio Grande do Sul e, nesse estado, visitar algumas cidades do Vale do Vinhedo foi o desafio escolhido pelos aventureiros Fernando Godoy e Maurício Isola. Devido às investidas em cidades históricas e a alguns paraísos naturais escondidos que encontrariam, estavam preparados para percorrer um pouco mais da distância prevista, de 900 km. Nos 28 dias em que abdicaram da correria de São Paulo, rodaram por ruas e avenidas de todo tipo, por praias e montanhas. “É uma experiência única. Dá para curtir a beleza de uma praia quase deserta e, dali a algumas horas, por exemplo, conhecer pessoas em cidades com maior apelo turístico”, lembra Godoy.

Praia, história e badalação

São Francisco do Sul é a primeira parada obrigatória. Após percorrer 50 km desde Joinville – marco zero da viagem –, chega-se a essa cidade, que é a terceira mais antiga do Brasil, fundada em 1504. Uma boa dica é conhecer o centro histórico, onde diversas construções do período colonial ainda estão intactas. Mas quem entra em “São Chico” deve dar uma passada no Museu Nacional do Mar. Com uma área de 10 mil metros quadrados, o local dispõe de um belo acervo, que ilustra a história da navegação mundial.

Ainda na parte norte do Estado, entre Camboriú e Florianópolis, é um privilégio poder conhecer Bombinhas a bordo de uma bicicleta. Preservando extensa área de mata atlântica nativa, o município sedia a Marinha do Arvoredo, uma reserva biológica que atrai mergulhadores durante todo o ano.

Nos meses de dezembro e janeiro, época em que Godoy e Isola percorreram a rota, é comum encontrar turistas vindos principalmente das regiões Sul e Sudeste. Praias lotadas e noites com muita agitação resumem o clima dos balneários catarinenses no verão. No total, foram quase 200 km passando por lugares desse tipo, trecho que começa em Itajaí e estende-se até Laguna. “De bicicleta, você tem a opção de escapar para as praias mais escondidas ou, se estiver com um bom preparo físico, emendar a pedalada até a cidade seguinte”, conta Godoy.

Nessas condições, conheceram belos exemplos do patrimônio natural da região, como a praia do Manelone, no sul de Laguna. No mesmo município, visitaram a Casa de Anita, uma construção do início do século XVIII que reúne diversos objetos que pertenceram a Anita Garibaldi, famosa combatente das tropas revolucionárias farroupilhas.

Conhecida pelas riquezas históricas de expressão, como o farol de Santa Marta – o maior da América do Sul –, Laguna pode ser considerada um divisor de águas do roteiro. A via, que até então alternava asfalto e terra, passa ser a praia somente. “Daquela cidade até Torres, já no Rio Grande do Sul, a única visão que se tem é a do mar e da areia, uma imensidão que parece não ter fim”, diz Godoy.

Conforme previsto, percorreram os 120 km entre Laguna e Torres em dois dias. O piso oferece pouca resistência ao ciclista, sendo raras as partes de areia fofa. Araranguá é um bom local a ser estabelecido como parada. Além de ser muito tranqüila, comparada à movimentação de outros balneários mais ao norte, a cidade dispõe de boa infra-estrutura de camping. Pode ser o lugar ideal para descansar e repor as energias, extremamente necessárias para enfrentar o segundo dia seguido rodando somente pela orla marítima.

Serra do Faxinal

De Torres, no Rio Grande do Sul, já se conseguem avistar os paredões da serra do Faxinal, que é divisa do Estado com Santa Catarina. O Faxinal, que abriga os parques nacionais da Serra Geral e Aparados da Serra, está a cerca de 30 km do litoral. Até lá, chega-se pela rodovia estadual SC-450, que, por ser pavimentada, não oferece maiores dificuldades.

Pedalando de costas para o mar, a mudança de cenário impressiona. A cidade de Praia Grande (SC), no pé da serra, é o ponto de acesso para os cânions Malacara, Itaimbezinho, Índios Coroados, Fortaleza e Josafas. Não é preciso chegar tão próximo para ter uma noção da magnitude dessas formações. No entanto, somente a poucos metros é possível ter idéia das dificuldades da subida a ser enfrentada em meio às araucárias.

Essa fase da viagem merece uma atenção especial quanto ao guia de percurso e às paradas. Godoy e Isola levaram 28 dias para cobrir 1.100 km, ou seja, uma média de quase 40 km por dia. Um erro pode significar, às vezes, mais de 20 km, o que a essa altura já não seria agradável.

Nessa região serrana estão algumas das paisagens mais impressionantes do país, e ela é exatamente a divisa dos Estados – a borda superior dos cânions pertence ao Rio Grande do Sul, enquanto os paredões são de Santa Catarina. O turismo está em fase de grande crescimento, e a hospedagem habitual são os chalés, que oferecem ótimo conforto. Mas eles podem pesar no orçamento de viagem previsto pela maioria dos “cicloaventureiros”. Godoy conta que a alternativa encontrada foi passar a noite no terreno de uma propriedade particular. “As pessoas daquela região são compreensivas, e quando você está de bicicleta não precisa se esforçar muito para transmitir boas intenções.”

Por trilhas guiadas, chega-se ao topo do cânion Malacara. Todo o percurso, realizado desde Torres, pode ser visto lá do alto, quase um quilômetro acima do nível do mar. A sensação, como relatam os viajantes, é a de estar pedalando no ponto mais alto de terra firme do planeta. “Você olha de cima as nuvens e os urubus voando dentro da garganta do cânion. Algumas pessoas, menos acostumadas a grandes alturas, podem facilmente ter vertigens”, avisa Godoy.

No verão, devido à elevada umidade do ar, o visual tende a ficar um pouco prejudicado. Mas, em um dia com sol exposto, a região permite mergulhos refrescantes nas piscinas naturais e em algumas cachoeiras. Grata recompensa para quem venceu a subida aos cânions.

Rota do Vinho – RS

De Cambará do Sul (RS), cidade vizinha a Praia Grande, na parte alta da serra Geral, até São Francisco de Paula, são 70 km pela RS-020. O traçado é plano, asfaltado, mas o maior inimigo é o vento. As chances de pegá-lo em sentido contrário são grandes, já que a região tem apenas pastos.

Saindo de São Francisco de Paula pela rodovia RS-235, depois de passar por Gramado e Canela, chega-se a Nova Petrópolis. Colonizada por alemães, é a cidade das hortênsias, flores que colorem as praças e os canteiros das avenidas.No inverno, os campos secam, devido às constantes geadas, e muitas vezes ocorrem nevascas. Viajar nos meses de julho e agosto não é bom negócio para quem está apenas em busca do prazer de pedalar.

Graças ao microclima serrano, nesse pedaço do Rio Grande do Sul estão instaladas várias vinícolas, em municípios como Garibaldi, Farroupilha, Pinto Bandeira e Bento Gonçalves – que é conhecido por ser o maior produtor de uva e vinho do Brasil. Neste último, a dupla de viajantes concluiu a jornada visitando uma tradicional vinícola.

Dicas de planejamento

Uma reveladora pesquisa sobre caminhos e geografia do percurso ajudou a estruturar o planejamento necessário, antes de a dupla se lançar de vez na estrada. Como não é possível manter-se durante todo o trajeto em vias com baixo fluxo de automóveis e caminhões, longas passagens pela movimentada BR-101 são inevitáveis. Como no trecho de 65 km que liga as cidades catarinenses de Porto Belo e Florianópolis, ou ainda entre a praia do Rosa, em Imbituba, e o município de Laguna, também em Santa Catarina. Isso limita a expedição aos ciclistas com boa experiência em estradas.

Devido à proximidade das cidades e à estratégia que haviam traçado, evitando ao máximo os lugares muito isolados, os viajantes optaram por levar a menor quantidade possível de bagagem. Portanto, fogão, bujão de gás, excesso de roupas e outros objetos que julgaram sem grande serventia ficaram de fora. “Às vezes, se paga o preço por não ter carregado utensílios para cozinhar, e algumas refeições passam a ser bolachas, barras de cereais ou guloseimas. Em compensação, nos trechos de subida, por estar mais leve, há um ganho considerável no rendimento”, explica Godoy.

SERVIÇOS:

– Refúgio Pedra Afiada. Localizada dentro do cânion Malacara, na cidade de Praia Grande (SC), a pousada oferece passeios programados de mountain bike por estradas vicinais que margeiam os paredões de Aparados da Serra. O destino é um antigo moinho de cana, e o tour tem duração de cinco horas. Além da bike, há diversas outras atividades, como rappel, cascading e trilhas técnicas rumo a outros pontos turísticos da região. Tel.: (48) 3532-1059; www.pedraafiada.com.br.

– Cia Ecoturismo. A operadora paulistana tem pacotes fechados para a praia do Rosa (SC) e para a região de Aparados da Serra. Mais informações pelo site www.ciaecoturismo.com.br ou pelo telefone (11) 5571-2525.

– Aurora Eco. Realiza expedições de bicicleta pelas serras gaúchas (Gramado, Canela e Cambará do Sul). Com duração de uma semana, o roteiro compreende pontos históricos e turísticos, atrações gastronômicas e trilhas em matas fechadas e nos cânions. A agência dá todo o suporte para traslados. Tel.: (11) 3086-1731; www.auroraeco.com.br.

De olho no percurso

– Mapa de Santa Catarina: www.mapainterativo.ciasc.gov.br. O site é um guia de rotas e geografia. Bastante útil para definir percursos

– Serviço Geológico do Brasil: www.cprm.gov.br. Oferece dados geológicos e turísticos da região de Aparados da Serra (RS)