Deadly Nightshades: a gangue envenenada

Atualizado em 29 de novembro de 2016
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Por Zé Augusto de Aguiar

Um grupo de mulheres modernas que usam as bicicletas não só como transporte, esporte, diversão ou para cuidar da saúde, mas também como um laboratório de criação e inovação. A Deadly Nightshades é uma gangue formada por quatro amigas canadenses que integram arte, moda, cultura, sustentabilidade e sensibilidade feminina com o universo das magrelas. Mesmo cada uma tendo seu próprio trabalho ou empresa, volta e meia elas se reúnem e inventam novos produtos e eventos inspirados no mundo do selim e das duas rodas.

Inquietas e cheias de atitude, elas incorporam a alma rebelde das antigas gangues de motos — sem o lado fora da lei, claro — contra a mesmice da sociedade e do sistema. Essa é a essência de uma de suas ideias, o evento “Case com sua bicicleta”, que organizaram na Baronesa, um trailer todo reformado por elas mesmas, seus amigos e familiares. As meninas também criam artefatos descolados e funcionais para as bikes — como pequenas lanternas coloridas fosforescentes, recarregáveis em USB — e eventos ciclístico-culturais diversos, como festivais de filmes com as bikes como protagonistas.

As Deadly Nightshades são: Irene Stickney, 35, codinome biker “Fierce Bambi”, dona e diretora criativa de uma escola de costura e produção de roupas, a The Make Den; a produtora/editora de fotos Kirsten White, 30, a “Snow White”; a engenheira de moda Cat Essiambre, 31, a “Big Red”, uma das sócias da Pigeons and Thread, espaço de design de roupas e pequenas manufaturas para várias marcas; e Niamh McManus, 31, a “Namtron”, designer de moda na incubadora de ideias da Lululemon, grife canadense especializada em moda fitness.

Todas se inspiram em seu estilo de vida para criar produtos, eventos e suas próprias máquinas — elas metem a mão na massa, desmontam e recriam suas bicicletas únicas. Mais bacana ainda é que Irene, Kirsten, Cat e Niamh conseguiram formar um coletivo de meninas com a mesma beleza, fidelidade, sonhos e espírito daqueles times ou clubes secretos que sonhamos criar na infância com os amigos.

Quantos outros crescem e amadurecem sem deixar de fazer o que amam junto das amizades, tão fortes, da infância e juventude? Revolucionárias, as canadenses desafiam as barreiras do tempo, da vida pessoal e seguem unidas. Pedalam e criam juntas e livres pelas ruas, parques, ilhas e noites de Toronto, Nova York — onde vive hoje Niamh — e nas viagens que costumam armar. Confira um bate-papo que tivemos com elas sobre liberdade, irmandade, independência, estilo de vida e bike.

O que a bicicleta significa para vocês, que possibilidades e sentimentos ela oferece?

Irene – Minha bicicleta é como um par de asas na cidade. Eu amo pedalar ultrapassando os carros que estão presos no trânsito. É tão poético observar a pequena e humilde bicicleta voar baixo pulverizando esses imensos veículos de aço motorizados, como Davi e Golias! Os ciclistas são pequenos perto dos veículos, mas ágeis e autossuficientes. Sem gasolina, sem licença para condução, sem seguro. Apenas duas pernas e uma batida de coração. Bicicletas significam liberdade.

Por que vocês criaram a gangue?  

Irene – Começamos a Deadly Nightshades como uma expressão de irmandade feminina, amizade e por nosso amor ao pedal. Depois que fizemos jaquetas do grupo e tatuamos as iniciais DNS, a gangue começou a se espalhar pelas coisas que fazíamos e por encontros rebeldes e excitantes. Faz bem demais ser parte de algo maior que você mesmo. Todo mundo deveria ter um clube secreto.

Que tipo de ideias e experiências vocês desejam evocar em outras mulheres? 

Niamh – A ideia da “gangue” tem sido um pouco controversa pela conotação que traz, mas procuramos celebrar essa palavra e atitude. Um de nossos objetivos é encorajar outras meninas e mulheres a fazer o mesmo. Junte suas garotas e veja como isso é poderoso!

Irene – Ser uma irmandade de garotas é algo precioso. Mulheres colaborando e se apoiando é algo poderoso. Amaríamos inspirar outras mulheres a trabalharem juntas. Nossa instalação “Marry Your Bike” (case com sua bike) para a Nuit Blanche (noite e madrugada inteira de vários eventos de artes que nasceu em Paris e se espalhou) foi superdivertida. A ideia de que você pode se casar com sua bike é no sentido de inspirar independência e autossuficiência.

Kirsten – Queremos inspirar as mulheres a não seguir as normas impostas pela sociedade. Seja estranha, seja aberta, desafie o status quo em volta de você.

Qual é a sensação de fazer parte de um time que seu próprio grupo de amigas criou?

Kirsten – Quando eu era criança, procurei por esse “time” por muitos anos. Minha mãe sempre dizia, enquanto eu ficava mais velha e minhas paixões ficavam mais simples, que eu encontraria essas pessoas e ela estava certa. Existe uma alegria muito grande em encontrar a sua tribo, mas conseguir isso junto das suas melhores amigas, num clima quase onírico, é algo que espero que todo mundo descubra em sua vida.

Cat – Eu não consigo encontrar algo de que goste no que já existe. Em vez de me contentar com qualquer coisa que está lá fora, tenho de criá-la!

Niamh – Criar o nosso próprio time nos permite estar no controle, nos definir como queremos e fazer as nossas próprias regras. É um processo realmente criativo e, definitivamente, uma grande maneira de seguir.

Mesmo tendo seus próprios trabalhos, existe algum aspecto comercial envolvido nas Deadly Nightshades ou a gangue é apenas um grupo social e ideia cultural?  

Irene – Somos essencialmente um coletivo criativo, mas já participamos de algumas parcerias comerciais, como as lanternas portáteis (recarregáveis em USB) que codesenhamos com a Bookman (companhia sueca de acessórios para bicicletas). Ficamos empolgadas de vê-las à venda no Museu de Design de Londres e na Colette, em Paris! Curtimos também trabalhar com a Vodka Absolut e com a Levi’s na revista deles.

Cat – As Nightshades também foram convidadas para serem as anfitriãs do “Style Spin’ Nights”: com partida no parceiro Drake Hotel, fomos as guias em um rolê de bike pelas empresas e laboratórios de moda mais criativos de Toronto. Fomos ainda curadoras  do “VeloReel”, um festival de filmes sobre o universo das magrelas. O dinheiro que recebemos geralmente  reinvestimos em outros projetos, como o Trailer Baronesa (todo repaginado por elas, serve de cenário para eventos e cai na estrada com trips da gangue), em produção de roupas divertidas, novas jaquetas da gangue ou viagens para Nova York.

Quais são os melhores lugares e períodos para pedalar em Toronto?

Kirsten – A quadra de bike polo (espaço onde jogam polo adaptado para as magrelas). Em poucos outros lugares na cidade você pode aumentar o ritmo e pedalar forte sem cruzar com carros. Perto disso temos também o parque da Ilha de Toronto, onde o entardecer é mágico. Toda a cidade começa a acender as luzes e refletir-se no lago e você apenas acelera sentindo o ar do verão. Não há carros ali também.

Cat – Adoro pedalar tarde da noite (ou talvez, de manhã bem cedinho, para alguns…). Os caminhos estão vazios, as ruas quietas, é só você e a cidade desolada.

Niamh – Como a integrante agora nova-iorquina do grupo, eu diria que meus hábitos mudaram quando me mudei para essa cidade. Motoristas loucos, ruas mal pavimentadas, pedestres invadindo as faixas de bicicletas e distâncias enormes fazem com que você tenha de prestar atenção em todas essas coisas. Então, minha fuga favorita é a ponte Williamsburg, com uma faixa separada onde você pode acelerar quanto quiser.

Quais são as melhores cidades para explorar de bicicleta?

Kirsten – Nova York, com certeza. É fácil experimentar e se conectar com várias atividades e eventos diferentes. Mas pedalar força você a prestar mais atenção e absorver muito mais experiências do que normalmente conseguiria. Você pode ver o rosto das pessoas, escutar o burburinho da cidade, conhecer as vizinhanças. Você perde tudo isso quando não está na sua bike.

Cat – Nova York! Mas curti muito também pedalar em Amsterdã e Berlim.

Niamh – Eu amo como Amsterdã prioriza as bicicletas entre todos os outros veículos do tráfego. É reconfortante perceber que todo mundo na rua tem muito cuidado e consciência da sua presença como ciclista. Também gosto de Taipei, na Tailândia — eles têm um fácil sistema de empréstimo de bikes, ótimas ciclovias e uma comunidade de bikers muito bacana.

Quais as referências culturais associadas ao mundo das bikes que são importantes na vida de vocês? 

Irene – Filmes de motocicletas se tornaram muito populares depois que Hunter S. Thompson (jornalista gonzo americano) escreveu sobre os Hells Angels nos anos 60. Usualmente eles retratam motoqueiros como arquétipos dos fora da lei que não se enquadram nos padrões da sociedade. Obviamente adoramos esse tipo de produção. Entre os filmes contemporâneos que nos inspiram, destaco o documentário Where Are You Go, sobre dois irmãos atravessando a África em uma bicicleta de dois lugares. Admiramos também o trabalho de Lucas Brunelle, especialmente Line of Sight, maravilhoso de assistir.

Niamh – Uma inspiração pessoal dos últimos anos é Kathleen Hannah. Ela era minha ídola quando eu tinha 13 anos e recentemente comecei a pensar nela de novo quando vi o documentário The Punk Singer. O movimento The Riot Girl, no qual ela esteve na linha de frente, era tão jovem e novo que realmente me mostrou como eu queria ser uma feminista, de uma forma diferente em relação à geração de minha mãe. Lembrar desse movimento me faz afirmar com satisfação que sim, essa é uma organização feminista!

Irene disse para a revista Huck que o estilo de vocês “é um encontro dos Hells Angels com as Garotas de Rosa”. O que desejam emular com essas referências?

Niamh – É como misturar pólvora com batom. Amamos o elemento rebelde dos Hells Angels, mas claro, não queremos operar como um sindicato do crime como eles.

Finalmente, qual é o significado do nome “The Deadly Nightshades”?

Irene – Deadly Nightshades são flores belas, mas venenosas e alucinógenas se você comê-las. Tirem então suas próprias conclusões…

Confira galeria de fotos das Deadly Nightshades