Avancini: disciplina de sobra em prol do MTBFoto: Avancini: disciplina de sobra em prol do MTB

Avancini: velocidade e cérebro na Rio 2016

Atualizado em 20 de setembro de 2016
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Henrique Avancini avançou. O trocadilho pode ser infame, mas a trajetória do ciclista de Petrópolis (RJ), criado praticamente dentro da bike shop do pai, é mais do que inspiradora. Além disso, demonstra cabalmente que é possível, sim, um brasileiro assomar à elite do mountain bike, a despeito da tradição incipiente da modalidade no Brasil. Entre uma competição e outra, o disciplinado atleta, fanático por treinos, cumpriu com bravura a tarefa de responder às (várias) perguntas enviadas pela reportagem do Prólogo. Ler as respostas desse digno representante do MTB brasileiro nos Jogos do Rio dá a sensação de que não estamos diante apenas de um piloto rápido. Dentro do capacete há um cérebro que colabora para a melhora de sua performance, que processa, classifica e observa as informações referentes à controversa gestão da CBC (Confederação Brasileira de Ciclismo) e que anseia, sobretudo, pelo crescimento dessa apaixonante vertente do ciclismo. Confira!

O que o quinto lugar no evento-teste da Olimpíada, em Deodoro, diz a respeito das suas perspectivas para os Jogos Olímpicos?

Uma grande motivação. O mais importante foi pilotar rápido na pista. Não estava em grande forma, não vinha de um segundo semestre bom e ainda assim tirei uma boa performance do fundo da cartola. A sensação que tive na pista, na arena, no contato com o público, foi muito importante. Acredito que, para vencer os Jogos Olímpicos, o atleta não precisa somente ser o mais rápido. É uma corrida que envolve muita coisa e por isso é necessário ter paixão no peito. Sinto isso em Deodoro.

O que você acha que pode atrair o brasileiro para acompanhar as belezas e emoções do mountain bike? Tem esperança de que a Olimpíada seja a oportunidade para difundir a modalidade no país?

A Olimpíada é uma oportunidade de atrair adeptos para o MTB, sem dúvida. Mas eu iria além, eu vejo os Jogos como oportunidade única para difundir a cultura da bicicleta no país. Essa é a minha maior motivação quando penso nos Jogos Olímpicos. Acima do MTB vejo a bicicleta como um transformador social, como meio de transporte, lazer, esporte ou estilo de vida. O MTB é aquela modalidade que consegue agregar qualquer tipo de pessoa de qualquer lugar. Obviamente as pessoas precisam de referências, de alguém que possa abrir o caminho e trazer visibilidade para a modalidade e com isso o esporte começa a crescer de maneira sólida, de uma maneira mais natural.

Qual foi a sensação de ir como suplente para os Jogos de Londres? A experiência de ter ficado em segundo lugar no ranking brasileiro, ficar muito perto da vaga olímpica e não obtê-la te motivou para o ciclo olímpico seguinte? Sente que chegou lá, por ter ido a Londres, mesmo que como reserva, ou que simplesmente não chegou lá?

Não cheguei e hoje vejo que foi melhor do que ter ido (conquistado a vaga). Na época eu não tinha nível para competir bem numa edição dos Jogos Olímpicos e sinceramente não acho que é uma corrida à qual o atleta deve ir só para largar. Após não ir aos Jogos (como titular) comecei a alcançar um outro nível. No ano seguinte terminei no top 15 do ranking mundial.

Fale sobre sua participação no Mundial da Nova Zelândia, em 2006. Nessa competição da categoria Júnior você largou em penúltimo lugar e obteve a nona colocação.

Fui o penúltimo atleta a alinhar, na décima fila do grid. Lembro-me de que, antes de embarcar, no aeroporto, meu pai me disse: “Tenha certeza de que você tenha dado tudo”. Não tinha experiência, não tinha muitas referências. Só fiz força, muita força. Terminei na nona colocação, o melhor resultado de um brasileiro em Campeonatos Mundiais.

O resultado lá alcançado ainda está em suas memórias? Ainda lhe serve de alento quando enfrenta situações difíceis em competições?

Lembro de tudo na prova. Como foi, com quem disputei. Foi uma grande marca, mas sinceramente hoje vejo com clareza que um resultado na (categoria) Júnior não significa muito. A carreira só começa de verdade na categoria Elite, a brincadeira muda e é nela que os resultados valem de verdade.

Você costuma se deslocar com frequência para a Europa, onde faz boa parte de sua preparação e compete. É possível que um ciclista de mountain bike progrida realizando sua preparação exclusivamente sobre solo nacional?

Passo cerca de quatro a cinco meses fora do Brasil a cada ano. Tenho uma enorme vantagem de fazer minha pré-temporada no Brasil, isso facilita demais a evolução. Apesar de os europeus fazerem 90% da temporada na área de conforto deles, no começo do ano todos viajam para Gran Canária, Chipre, África do Sul ou algum outro lugar para fazer blocos de treinamentos. Encontrar um equilíbrio entre as viagens à Europa e pelo Brasil é sempre muito difícil. O mais importante é competir na Europa, principalmente porque a concentração de pilotos de elite é muito maior e os circuitos são muito mais exigentes tecnicamente. Entretanto, é possível progredir treinando no Brasil e meus maiores ganhos de performance foram obtidos quando treinei no Brasil. É importante achar o equilíbrio e ter as pessoas certas trabalhando com você. Hoje começo a encontrar esse equilíbrio e posso afirmar que essa ideia de que o cara tem que virar europeu para andar bem não tem fundamento quando se analisa em detalhes.

Fale sobre a conquista dos seus títulos pan-americanos.

Desde a categoria Júnior acumulo quatro medalhas de ouro, quatro de prata e uma de bronze. Na Elite tenho um ouro, uma prata e um bronze em cinco anos na categoria. Sem dúvida a mais marcante foi a vitória na Elite em 2015, na Colômbia, a 2.500m de altitude. Os colombianos nunca haviam perdido um Pan-americano competindo em casa. Foi uma grande corrida no país que eu considero o mais apaixonado do mundo por ciclismo. Fui perseguido durante a corrida por um grupo de colombianos num circuito lotado de espectadores. Foi uma corrida sob pressão de dentro e fora das pistas. Os colombianos terminaram em 2º, 3º e 4º, mostrando a força deles em casa perante toda a América.

Você começou a competir quando era bem novo. O que te levou ao mundo da competição em tão tenra idade?

Minha primeira competição foi aos oito anos de idade. Sinceramente acho que o que me motivou e me motiva até hoje foi competir contra mim mesmo. Lembro-me de quando era pequeno e fugia de casa com a bike para ficar fazendo dezenas de repetições em algum morro para ver se conseguia baixar meu tempo. Essa era a minha brincadeira na infância e adolescência. Foi natural e é uma paixão que ainda carrego no peito. No começo meu pai me incentivou bastante, mas a maior importância dele nessa época foi a capacidade de segurar a minha vontade. Queria sempre andar mais e mais longe. Ele sempre se preocupou em me limitar.

O que tem a ver o fato de você ser de Petrópolis e ser praticante de mountain bike? Acredita que seria atleta dessa modalidade se tivesse nascido numa cidade ao nível do mar?

O local é um paraíso natural pro MTB, tanto que grande parte das principais equipes farão a preparação pré-olímpica em Petrópolis. Com certeza ter nascido e viver em Petrópolis contribui muito com meus treinamentos, mas eu diria que poderia morar em qualquer lugar e, assim que subisse numa bicicleta, eu teria a mesma relação que tenho.

Tem uma frase sua que diz: “Todo dia é dia de treinar”. Pode explicar? E o descanso, como fica?

As pessoas têm muita dificuldade em entender a maneira como me preparo. Não sou um grande talento. Na verdade, fico bem longe disso, mas aprendi a trabalhar duro como ninguém e digo isso comparado a qualquer atleta da elite mundial. Quando afirmo que todo dia é dia de treinar, quero dizer que estou sempre buscando algo para evoluir, seja treinando mais ou descansando com maior qualidade. Almejo reduzir o tempo necessário para recuperação de diversas maneiras, mas é sempre muito importante permitir ao corpo assimilar os estímulos de (treinos) ativos e reativos.

Seu pai ainda tem bike shop? Quais são suas lembranças dessa loja? É um lugar que se relaciona à sua infância de qual forma?

Meu pai ainda tem a bike shop em Itaipava, Petrópolis. O estabelecimento se chama Avancini Bikes. A loja funciona como minha base também. É onde ficam meus materiais, onde faço manutenção nas minhas bikes. Cresci em meio às bikes na loja. Era um maníaco por ler catálogos e revistas e gostava de passar tempo na loja. Ainda passo boa parte do meu tempo na loja quando estou no Brasil.

Quais são as lembranças que você tem de sua primeira competição, em Paulo de Frontin?

Lembro de viajar com meu pai, lembro do local e do circuito e lembro de ter terminado em segundo. Ainda tenho o troféu e às vezes é um tanto chocante pensar que já se vão praticamente 20 anos colocando um numeral entre meus punhos.

Você foi o primeiro brasileiro na história a integrar uma equipe profissional de MTB, defendendo a equipe ucraniana “ISD Cycling Team”. Qual a importância desse período de três anos na Europa para o desenvolvimento de sua carreira e para você ser o ciclista que é hoje?

Foi pesado. Foi um momento crucial na minha vida, ao longo do qual aprendi muito como profissional, e do jeito difícil. O nível de cobrança passa a ser outro e existe uma lista de espera grande de atletas pra entrar no seu lugar. Aprendi a ser profissional. É comum as pessoas acharem que basta ser rápido para entrar numa equipe boa, porém vai muito além disso. É preciso saber trabalhar fora das pistas e isso é difícil de aprender. Serviu para firmar meus princípios como atleta e ter minhas convicções. Ajudou a moldar meu caráter como profissional e a ser menos “fresco”, um mal que sempre ronda os atletas brasileiros.

Qual sua opinião sobre a conduta e administração de José Luiz Vasconcellos, o homem que ocupa a presidência da Confederação Brasileira de Ciclismo desde 2005?

Atualmente a CBC vai razoavelmente bem. Sou sempre muito crítico com eles, especialmente nos bastidores, mas a evolução da gestão durante este ciclo olímpico foi significativa. Hoje eles trabalham e se esforçam, mas com certeza ainda falta eliminar conceitos que não deveriam existir.

Em sua opinião, é válido que um dirigente permaneça por tantos anos à frente de uma confederação como a CBC? Avalie os prós e contras de um dirigente com tantos anos num cargo como esse.

É um cargo político e no esporte a qualidade do trabalho é facilmente percebida, os resultados sempre mostram. O lado positivo é que agora as coisas começam a caminhar de um jeito melhor e o Vasconcellos conseguiu montar uma equipe ao longo dos anos que hoje começa a funcionar. O lado negativo é que a mentalidade da gestão não muda e em alguns pontos é falha. Resumindo: se as coisas evoluem, eu não vejo com maus olhos a permanência de alguém à frente do órgão por muito tempo. Mas friso: desde que evolua!

Depois de se sagrar eneacampeão brasileiro de cross-country olímpico, ainda tem graça competir aqui para você? Qual a importância dessa sequência de títulos para um ciclista do seu nível?

Não pretendo me cansar do título nacional, pois é sempre mais que uma vitória. Competir com a camisa de campeão nacional e ter a responsabilidade de ser o embaixador da modalidade me enche de orgulho. Largar nas provas internacionais com a nossa bandeira no peito me dá uma satisfação enorme e quero manter isso por muitas temporadas. Competir qualquer prova no Brasil é sempre muito legal pelo carinho que recebo e às vezes tenho provas incrivelmente difíceis no Brasil, já que geralmente tento dar mais atenção na preparação para os grandes eventos internacionais. Nunca é fácil vencer no Brasil disputando com atletas que se preparam para os eventos no país.

Você foi o primeiro brasileiro a vencer o campeonato nacional em toda as categorias de base, desde a Infanto-juvenil até a Elite. O que significa para você esse feito?

A jornada no esporte tem uma importância muito grande para mim. Fui aprendendo com os anos, e continuo aprendendo muito. Essa “coleção” demonstra bem a importância da resiliência e jornada na vida de um atleta.

Seu título de campeão da “Bundesliga – a Clássica de Primavera”, em Munsingen, ainda pode ser considerado a vitória brasileira mais expressiva de todos os tempos? Por quê?

A Bundesliga foi um marco para mim, uma grande conquista e que me fez acreditar em ser capaz de fazer mais. Acredito que ainda é a maior vitória do MTB brasileiro por vários fatores:

-Eu era muito jovem para ganhar uma prova dessas na elite.

-Foi a primeira vitória de um brasileiro numa prova dessa classe na Europa.

-A Bundesliga é sempre uma corrida de muito prestígio e com muita história.

-Os 5 atletas atrás de mim estavam no top 10 do ranking mundial na época.

Foi, sem dúvida, um dos dias mais especiais que vivi em cima de uma bicicleta. Mas espero que eu e outros atletas brasileiros possam conquistar vitórias mais expressivas futuramente.

Qual o significado das seguintes palavras pra você:

a) competição
Minha paixão.

b) derrota
Gosto amargo, porém muitas vezes necessário.

c) Olimpíada
Minha chance de contribuir para um Brasil melhor.

d) Brasil
Quem eu sou. Amo e acredito no meu país.