Rumo à tarifa zero

Atualizado em 29 de abril de 2016
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Recentemente, o Ipea apresentou um estudo para desoneração do transporte público cujo objetivo é a isenção da tarifa de 7,5 milhões de pessoas que não têm acesso ou têm dificuldade em utilizá-lo. A proposta considera a redução de tributos sobre o trabalho e a cadeia produtiva do setor industrial e de autopeças. Com isso, a União deixaria de arrecadar cerca de R$ 4,8 bilhões, montante com o qual seria possível fazer justiça social por meio do sistema de ônibus. Para a inclusão de 7,5 milhões de novos usuários, no entanto, será necessário investir em infraestrutura, pois a atual não atende à demanda que temos hoje. Além disso, as empresas nacionais no geral operam com baixa eficiência, o que é evidenciado quando comparadas com outros sistemas de ônibus de cidades como Bogotá, Medellín (ambas na Colômbia) e Guangzhou (China).

Ainda assim, é preciso entender a matemática dos custos que compõem a tarifa, sobretudo a dos subsídios, para compreender como e por que o pobre paga a conta de todo o sistema de ônibus. Segundo infográfico do jornal Folha de S.Paulo publicado em 30 de junho de 2013, o custo “real” da tarifa de ônibus na cidade de São Paulo é de R$ 4,13. Para manter a tarifa em R$ 3, a prefeitura precisa subsidiar R$ 1,13. O restante é pago pelo usuário — ou seja, R$ 1,02 paga a gratuidade (idosos, estudantes e bilhete único) e R$ 1,98 paga impostos, custos operacionais, administrativos e o lucro do operador de ônibus. No final das contas, quem financia a política social do sistema de transportes são os mais pobres, pois eles pagam a tarifa cheia, não recebem valetransporte, descontos ou outros benefícios quaisquer. Desse modo, mesmo com a desoneração de impostos do setor, os mais pobres continuarão pagando a “justiça social” no setor de transportes neste Brasil.

Supondo que não existisse “gratuidade”, o custo da passagem seria de R$ 3,11. Se incluirmos o atual subsídio da prefeitura, abaixaria para R$ 1,98. Imaginemos que
com a desoneração proposta pelo Ipea caísse mais R$ 0,50, chegando a R$ 1,48. Vamos imaginar ainda que, com uma operação mais eficiente, o preço baixasse para R$ 1. Se as distâncias fossem reduzidas, no entanto, o custo de manutenção da frota e o gasto com combustíveis seriam bem menores, assim poderíamos vislumbrar um custo de R$ 0,50. E se esse valor restante fosse subsidiado com a Cide (ideia do prefeito Haddad), proposta de impostos sobre a comercialização de álcool e derivados
de petróleo na cidade de São Paulo? Hipoteticamente, daria ou não para fechar a conta? Esse exemplo, ainda que simplista, mostra que existem caminhos para chegar à tarifa zero, mas é preciso ter vontade política para mudar completamente o atual modelo de gestão e operação do sistema.

No entanto, nada será mais importante do que reduzir as distâncias moradia/ trabalho. É preciso levar o desenvolvimento econômico para os bairros mais distantes e inverter a lógica das cidades monocêntricas, distantes e informais. Não se resolverá a mobilidade urbana apenas com transportes. É preciso criar condições econômicas
favoráveis para que as pessoas possam não só diminuir o tempo de trajeto como também utilizar cada vez menos os transportes públicos para ter acesso a trabalho, saúde, educação e lazer.

Lincoln Paiva – Presidente da consultoria Green Mobility e do Instituto Mobilidade Verde, é especialista em Mobilidade Urbana para países em desenvolvimento pela Unitar (United Nation Training) e membro da Slocat (Sustainable Low Carbon Transport) coordenada pela ONU

Coluna publicada na revista VO2 Bike, edição 101, fevereiro/14