O mal da receita pronta

Atualizado em 29 de abril de 2016
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Na maioria das vezes, o sucesso de um atleta ou de um programa de treinamento está associado ao embasamento teórico e conhecimento prático. No entanto, há um
descompasso nesses dois extremos pelo fato de não se conhecer o melhor modo de conceber essa relação. E, pelo menos no Brasil, isso parece ainda muito distante, com muitos atletas e profissionais sem saber equalizar teoria e prática.

Uma das consequências da falta de compreensão adequada desse processo é o famoso “pedir receitas”. A cada novidade, a cada resultado de um atleta, a cada novo conceito que se divulga, as pessoas se perguntam “como fazer”, em vez de elas próprias descobrirem os caminhos utilizando a base teórica para então se orientar na
prática. Vivemos no país do futebol, onde existem 200 milhões de técnicos e especialistas nessa modalidade, e infelizmente, com o crescimento do ciclismo no Brasil, estamos pedalando nesse sentido. Está ficando muito fácil “saber muito sobre ciclismo”.

Alguns conceitos tidos como “corretos” para o ciclismo estão relacionados à mera especulação — ou seja, à ideia em si, anterior à experimentação. Já outros são totalmente desprovidos de embasamento teórico e creditados somente ao “saber fazer”. O conhecimento, no entanto, não pode se limitar a apenas um dos lados e aqueles que reconhecem essa situação conseguem extrair o melhor de ambos.

Para alguns pesquisadores, a prática resume-se à experiência, à execução ou à aplicação, distanciando-se da teoria. No entanto, para haver equilíbrio, temos que buscar o aprendizado com aqueles que pedalam, que sentem as dores e submetem o corpo ao esforço, mas também com aqueles que estudam estes comportamentos. Muitas vezes aprendi que a prática é uma etapa posterior à teoria, mas não é dessa maneira. Somos capazes de reconhecer no ciclismo inúmeros exemplos de atletas que
construíram grandes resultados fazendo esta junção. Há sim muitas dificuldades de chegar neste modelo, mas é possível.

Mas o fato é que se o atleta ou o técnico não aprenderem com ambos os lados estará fadado ao processo como um produto embalado, com a função única de reprodução, modelo no qual não há espaço para o questionamento ou a inovação.

Portanto, cuidado com as receitas prontas dos ciclistas mais experientes, assim como o embasamento estritamente teórico. É preciso progredir construindo caminhos para encontrarmos respostas, e não somente trabalharmos com as respostas prontas e já construídas.

Helio Souza é graduado em esporte pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas (USP), pós-graduado em marketing
e administração esportiva, e preparador físico de atletas de ciclismo de estrada e mountain bike, entre eles o campeão brasileiro de MTB Henrique Avancini

Coluna publicada na revista VO2 Bike, edição 103, maio-junho/2014