Aqueça-se neste inverno

Atualizado em 21 de setembro de 2018
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POR ERIKA SALLUM

Sábado, 6h30. O despertador toca avisando que mais um treino de ciclismo começará. Além do sono habitual, outro fator faz com que você abomine a idéia de sair da cama: o frio de rachar lá fora. Que ciclista já não sofreu ao ter de enfrentar ventos cortantes em um dia de inverno? Ou não sentiu as mãos e os pés “duros” por causa da baixa temperatura?

Nesta época do ano, é preciso ficar esperto. Alguns cuidados essenciais têm de ser tomados por quem se exercita com regularidade, para evitar quedas imunológicas, alterações na performance e outras dores de cabeça que podem atrapalhar o treino por semanas. Mesmo não tendo invernos rigorosos como na Europa ou nos Estados Unidos, nós, brasileiros, também sofremos os efeitos da queda nos termômetros. “Nosso corpo está acostumado a trabalhar em climas mais quentes e sente o impacto ao ser exposto a um frio pouco comum, mesmo que não seja tão intenso”, diz o médico fisiologista Paulo Zogaib, professor da Escola Paulista de Medicina e chefe do Centro de Medicina Esportiva do Hospital Sírio-Libanês. “Por isso é preciso se precaver mesmo, não tem outro jeito.”

A boa notícia é que os cuidados a serem tomados são simples e não requerem muito esforço. Basta que o ciclista tenha um pouco de bom senso e alguma atenção para não passar parte do inverno acamado, com uma gripe daquelas.

Mas, afinal, o que acontece com nosso corpo quando exposto às baixas temperaturas? Quando estamos em repouso, essas temperaturas ativam uma espécie de “alerta” dentro de nós. Para que nosso organismo mantenha sua temperatura interna, que gira em torno de 37ºC, 37,5ºC, ele ativa alguns mecanismos para evitar o resfriamento excessivo. “Nosso corpo funciona melhor quando está quente, ou seja, em uma temperatura de 37ºC as reações químicas que ocorrem dentro de nós são mais eficientes. Por isso temos de fazer aquecimento antes dos exercícios, por exemplo”, explica Zogaib.

Um dos nossos “dispositivos de segurança” para manter o calor é a vasoconstrição periférica, que provoca um desvio do sangue da superfície da pele para as áreas mais centrais do corpo. Resultado: as extremidades, como mãos, pés e cabeça, ficam mais frias e difíceis de aquecer. “Por essa razão, usar uma boa luva, meias e um gorro na hora de subir na bike é um cuidado fundamental”, diz Iverson Ladewig, doutor em desenvolvimento motor pela Universidade de Pittsburgh e pesquisador do Centro de Estudos do Comportamento Motor da Universidade Federal do Paraná. “O ideal é vestir peças práticas, que possam ser retiradas com facilidade caso esquente ao longo do treino.”

Outro mecanismo para nos aquecer são os tremores, que aumentam a produção de calor de nosso corpo. Os tremores podem elevar a taxa metabólica em três vezes ou mais. Tudo para que nossa temperatura central não diminua a níveis perigosos.

E o que toda essa explicação fisiológica tem a ver com você, ciclista? Tudo. Em cima da magrela, além do frio que enfrentamos, como qualquer outro amante de esportes outdoor, ainda temos de encarar ventos gélidos, que provocam uma sensação térmica muito mais baixa. Se, por exemplo, o termômetro marca 15oC, pedalar de cara para um vento cortante faz com que se tenha a sensação de 5oC ou menos. Atletas com índice de gordura muito baixo sofrem ainda mais, pois não possuem suficiente gordura subcutânea, um excelente isolante térmico.

Para piorar a situação, o ciclismo é um esporte que exige bastante esforço físico e em que se termina o treino ensopado de suor. Esse líquido que umedece a roupa faz com que percamos calor rapidamente para o ambiente. A brusca baixa de temperatura logo após os exercícios é chamada pelos médicos de janela imunológica. “É o momento em que o esportista tem mais chances de pegar um resfriado, pois fez uma atividade física vigorosa e, ao terminá-la, quase sempre fica exposto ao frio”, afirma o fisiologista Zogaib.

A recomendação do médico é que, assim que a pedalada terminar, o atleta deve tentar achar um lugar quentinho o mais depressa possível. Ou seja: nada de ficar batendo papo com os colegas de pedal logo após o treino. Tire a roupa molhada, vista um agasalho confortável e só então comece o ritual de guardar a bike no carro ou ficar de prosa com os colegas.

“No inverno, os ciclistas muitas vezes enfrentam choques térmicos pesados num mesmo dia. De manhãzinha faz um frio danado, depois esquenta. Aí o cara sua, abre a camisa e, no final, a temperatura cai de novo”, diz Adir Romeo, professor de educação física e coordenador de pista da Confederação Brasileira de Ciclismo. “Tem de ficar muito atento a essas mudanças climáticas.”

Coordenador do velódromo do Jardim Botânico de Curitiba, onde o inverno é um dos mais rigorosos do país, Romeo dá mais algumas dicas: em dias frios, deve-se prolongar o período de aquecimento, para que nossa temperatura corporal seja elevada gradativamente até atingir o patamar ideal. Comece o treino com calma e permaneça alguns minutos a mais pedalando em uma freqüência cardíaca baixa, até se aquecer plenamente.

“Outro ponto importante: no inverno, é comum os ciclistas usarem uma camisa e um corta-vento por cima, que dificulta a evaporação do suor. Para não ficar muito molhado, o atleta deve abrir de vez em quando parte de sua roupa”, aconselha o técnico.

Trabalhando com ciclismo há décadas, Romeo aprendeu que ciclista é um atleta teimoso e que raramente se protege como deve. “O brasileiro quase nunca usa uma touca ou gorro para aquecer a cabeça, que é uma parte do corpo extremamente importante e não pode ficar desprotegida.” Ele frisa que hoje é possível encontrar os mais variados tipos de roupas tecnológicas em lojas especializadas e bicicletarias. “No meu tempo, a gente sofria com o frio, colocava uma camiseta de manga comprida de malha por baixo da blusa. Era dureza.”

Além de vestimenta especial, o ciclista não pode deixar de dar uma caprichada no cardápio nos dias de inverno, quando há um aumento do gasto calórico devido à manutenção do calor corporal. É normal nesta época sentir mais fome e ficar com mais vontade de comer alimentos calóricos. “O ganho de peso somente ocorrerá se exagerarmos na quantidade. Em geral, um punhado de castanhas no lanche da tarde ou um chocolate quente no fim do dia não são suficientes para que o ciclista engorde”, diz Daniela Neves, nutricionista da clínica de medicina esportiva Sports Lab.

Pedalar por períodos longos em dias frios e com vento exige a reposição adequada de carboidratos. Caso contrário, isso pode acentuar a queima de reservas situadas nos músculos, já que a vasoconstrição periférica diminui a utilização de gordura da pele como fonte de energia, gerando fadiga e perda de desempenho.
Durante os treinos, a nutricionista recomenda o uso de 30 a 60 gramas de carboidrato por hora de exercício. Após o treino, mais um pouco de carboidrato ajuda a repor as reservas de glicogênio. “Uma ótima opção nos dias frios são as sopas, que, além de saborosas, fornecem calor ao corpo de forma imediata”, diz ela.

Lembre-se: no frio, não esqueça de vestir um bom corta-vento, gorro, meias e, muito menos, luvas de dedo longo. Leve mais gelzinho de carboidrato no bolso da camisa. Ao final da pedalada, tire rápido a roupa molhada e fique em local protegido do vento e do frio. Sem neuras ou medo de engordar, dê um reforço nas refeições. Tomados os devidos cuidados, é só deixar a preguiça de lado e curtir um pedal num belo dia de inverno. Bom treino!

FIQUE ESPERTO!

No inverno, algumas precauções devem ser tomadas:

• Agaselhe-se corretamente: em dias muito frios, usar apenas o manguito ou o pernito pode não ser suficiente. Proteja-se com um blusão corta-vento e uma legging mais quentinha.
• Se puder, tente começar seus treino
s um pouquinho mais tarde, quando as temperaturas costumam estar mais elevadas. Se durante a semana isso é impossível, atrase em algumas horas sua pedalada de sábado ou domingo.
• Jamais esqueça de proteger as extremidades do corpo, onde a circulação do sangue não é tão eficiente, principalmente no inverno. Luvas que cubram os dedos, meias corta-vento e aquelas “botinhas” colocadas por cima das sapatilhas são boas pedidas.
• Lembre-se: a cabeça precisa de atenção especial. Use uma touca por baixo do capacete para deixá-la bem protegida do vento.
• Não dê sopa para o azar: assim que terminar a pedalada, corra para um lugar quente. No fim de um exercício, nossa roupa molhada esfria o corpo rapidamente, aumentando os riscos de hipotermia.
• Não esqueça de beber água. Não é porque está frio que sua caramanhola deve ser deixada de lado.
• Use um creme hidratante para o rosto e protetor labial. Nos dias frios, o vento gelado resseca muito mais a pele.
• Cuidados redobrados na alimentação: no frio, nosso corpo pede mais calorias. Acrescente um pouco mais de carboidrato à sua dieta, especialmente durante o treino.