A máquina em pele de Cordeiro

Atualizado em 19 de setembro de 2018
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POR FELIPE MENDES

Quem cruza com esse homem na rua pode não notar do que ele é capaz. Casado, pai de um filho de 22 anos, 1,65 m de altura, 62 kg – biótipo da média dos brasileiros –, o sorridente Sérgio Cordeiro é um dos homens mais resistentes do mundo.

Carioca de 51 anos, Cordeiro iniciou o curso de psicologia, mas acabou formado em pedagogia. Chegou a trabalhar como orientador educacional. O esporte entrou em sua vida quando tinha 26 anos. “Comecei com a corrida, porque sempre foi um esporte mais acessível”. No entanto, apenas uma modalidade não era suficiente, e, três anos depois, em 13 de maio de 1983, ele participou do primeiro triathlon realizado no Brasil. A prova – o Triathlon Café do Brasil – aconteceu no parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, e foi trazida dos Estados Unidos pelo triatleta Marco Ripper. Era o começo da história do ultratriatleta Cordeiro.

Desde então, ele não parou mais. Seja competindo em maratonas, sua especialidade, seja em triathlons, ele estava lá. Em 1985, foi medalha de ouro na Maratona da Cidade de Campos e em 1987 fez seu segundo triathlon, o 3º Triathlon do Exército, no Espírito Santo, onde ficou com a medalha de prata.

Não satisfeito com as conquistas, sempre buscou superar seu limite, mas sem desrespeitar o corpo. “A psicologia me ajudou a conhecer meu corpo e minha mente. Em uma prova de longas distâncias, o equilíbrio psicológico é muito importante, responsável por cerca de 50% do desempenho”.

Nessa carreira de superação, Cordeiro começou a encarar distâncias maiores, e, em 1994, foi o segundo colocado no Campeonato Mundial de Ultraman, no Havaí. A prova, que é uma volta completa pela ilha, tem 10 km de natação, 421 km de ciclismo e 84 km de corrida. É o limite para muitos, mas não foi para Cordeiro, cujo maior objetivo era conseguir completar um quíntuplo ironman (19 km de natação, 900 km de ciclismo e 211 km de corrida), etapa final do circuito mundial de Ultra Triathlon.

E assim foi. Em 2005, após concluir nove ultramans e um duplo iron triathlon, Cordeiro ingressou no circuito mundial. A competição era composta por sete etapas, sendo que seis delas eram duplos ironman. Os resultados não demoraram a chegar, e sua constância em boas colocações lhe garantiram um título quase antecipado. “No México [última etapa], eu sabia que era só completar a prova para ganhar o título.” A segunda colocação veio depois de três dias e nove horas praticamente sem dormir. “Nós éramos obrigados a parar a cada 24 horas para exames médicos. Em uma dessas paradas, eu dormi cerca de uma hora e meia e, em outra, um pouco menos de três”. Uma característica especial de Cordeiro é o fato de ele não se adaptar a correr calçado. Nessa etapa, ele fez 80 km descalço.

Além dessas provas quase sobre-humanas, o atleta alcançou outros extremos: o da altitude e o da temperatura. O primeiro foi em uma corrida no monte Everest, a 6.650 m de altitude. Cordeiro foi convidado para a prova e aceitou de cara. Na preparação para a prova, subiu o monte Aconcágua, o mais alto da América do Sul, e fez 22 dias de aclimatação no Tibete, subindo o monte pouco a pouco até chegar ao local da prova. “Lá em cima, com temperaturas de -30ºC, qualquer movimento em falso era motivo de preocupação. Muitas vezes, precisei do tubo de oxigênio.” Nessa competição, o ultraman ficou com a sétima colocação.

Outro feito foi a Ultramaratona Mundial do Vale da Morte, de 216 km, prova que acontece no deserto do Texas, 82 m abaixo do nível do mar. As temperaturas variam de 0ºC a 60ºC. “Eu tomava água a cada minuto, mas parecia que não adiantava. A sola do tênis chegou a derreter.” Após 40 horas de prova, Cordeiro chegou em 11º. De fato, uma vitória.

Mas, por trás de tantas glórias, existem as dificuldades. Uma delas é a natação. Cordeiro não esconde que ainda tem problemas na modalidade aquática e acredita que isso se deva ao fato de ter começado já “trintão”. “Ainda vou muito na força, mas tento sair inteiro da água para tirar no ciclismo e na corrida.” Outra barreira é o preconceito com que ele é visto no exterior. Provas que antes eram dominadas por europeus, agora vencidas por um brasileiro, provocam maus olhares. “Tive um controle emocional muito grande.” Ainda segundo ele, houve provas em que percebia que as pessoas faziam questão de atrapalhar. Uma das brigas em que Cordeiro se envolveu por causa de sua origem foi na última competição, no México. Ele afirma que, logo após a volta ao Brasil, seu nome não constava como vencedor do circuito. “A homologação demorou quatro dias”, afirma.

Com uma rotina de treinos bastante desgastante, ele chega a correr de três a quatro maratonas por semana ou a pedalar 400 km de uma vez só, sempre seguido de cerca de 5 km de natação. Após os grandes percursos, seguem-se sessões de fisioterapia e RPG (Reposicionamento Postural Global). “Todo detalhe no meu treinamento é importante. Eu nunca treino as distâncias da prova, são sempre distâncias menores.” Outro detalhe no treinamento de Cordeiro é a alimentação. “No dia em que eu tiver de me privar de alguma comida por causa do esporte, não será mais saudável.”

No auge da sua carreira, esbanjando humildade, o ultratriatleta não pensa em parar. “Não parei para pensar em quando o cansaço chegar. Até lá, sigo treinando.”