Terra dos homens mais velozes do mundo

Atualizado em 16 de janeiro de 2008
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Por Rodrigo Reina

Não é de hoje que o continente africano passa por um turbilhão de graves problemas políticos. São desavenças criadas entre diversas etnias geradas, principalmente, pelo chamado neocolonialismo, ou seja, quando as nações africanas foram colonizadas pelos europeus, que buscavam novos mercados consumidores e mão-de-obra em plena era da Segunda Revolução Industrial no início do século 19.

A disputa européia pela colonização de nações africanas e asiáticas não poderia mesmo terminar bem. Além de constituir um pilar para a eclosão da Primeira Grande Guerra, o seu final foi pior, no processo de descolonização. Povos inteiros foram largados à própria sorte e a sociedade africana que já vivia de forma dividida, viu sua tendência separatista crescer ainda mais, como foi o caso, por exemplo, do regime segregacional do Apartheid na África do Sul.

Casos muito graves ocorreram em muitos países como Serra Leoa, Etiópia, Sudão, Nigéria, República Democrática do Congo, Ruanda entre outros, culminando em genocídios e miséria, fruto de disputas por diamantes, petróleo e poder político. A bola da vez agora é o Quênia. País conhecido pelos belos safáris, montanhas e sua história no atletismo mundial, por revelar ao mundo seus corredores de fundo e maratonistas favoritos.

Volta para casa após a São Silvestre
No dia 31 de dezembro, na tradicionalíssima Corrida de São Silvestre, os quenianos conquistaram os primeiros lugares com Alice Timbilili e Robert Cheruiyot, pela terceira vez (havia conquistado também em 2002 e 2004). Preocupado, o tricampeão declarou aos repórteres que não conseguia contato com seus familiares. Com toda a razão, pois no dia seguinte, quenianos botaram fogo em quenianos em uma igreja, em Eldoret, a 300 quilômetros de Náirobi, a capital, onde houve linchamento em massa e carnificina. Cheruiyot decidiu retornar ao seu país natal rapidamente e desistiu da Corrida de Reis, realizada na semana seguinte.

No Quênia, existem hoje cerca de 40 etnias diferentes, e as lutas se concentram entre os quicuios e luos, devido ao resultado das eleições fraudulentas, que colocaram no poder o quicuio Mwai Kibaki com 47% dos votos. Raila Odinga, o oposicionista da etnia luo, ficou com 44%. A situação política do país revela uma grande desigualdade: cerca de 40% da população está desempregada e a riqueza e a corrupção, atualmente, pertencem à etnia majoritária dos quicuios, que representa 22% da população queniana.

Um país à beira de uma sangrenta guerra civil como em Ruanda (ocorrida em 1994, retratada no brilhante filme Hotel Ruanda, quando o grupo étnico hutus assassinou mais de um milhão de tútsis) é o berço de grandes atletas de corridas de rua como Paul Tergat, que faturou cinco vezes nas ruas de São Paulo a São Silvestre, detém o recorde de tempo da prova, conquistado em 2001, com 43min12s, é dono também do segundo melhor tempo em maratonas de todos os tempos, com 2h04min55s. Façanha realizada na Maratona de Berlim de 2003.

Entre os 400 melhores tempos de maratonas oficiais, de acordo com a IAAF (Federação Internacional de Atletismo), mais de 160 são de quenianos, sendo todos esses tempos inferiores a 2h09min. Nomes como Paul Tergat, Felix Limo, Evans Rutto, Boniface Usisivu, Wilfried Kigen, Michael Rotich, Robert Cheruiyot, entre muitos outros, fizeram e ainda fazem a história de orgulho de um país em crise.

Corredores na linha de fogo
Nem mesmo heróis das corridas ficaram fora da violência de rebeldes quenianos. O atual campeão mundial da Maratona de Osaka, Luke Kibet, foi ferido na cabeça. Lucas Sang, maratonista e corredor que integrou a equipe nos Jogos Olímpicos de Seul em 1988, teve o destino mais trágico. Foi atacado, decapitado e queimado por rebeldes. Sang, que vivia em sua granja desde que abandonou as pistas, foi atacado quando retornava a pé para sua casa nas proximidades de Eldoret, no oeste do Quênia, no mesmo dia em que cerca de 35 pessoas foram queimadas vivas em uma igreja.

“Voltava caminhando para casa de Kimumu quando foi atacado”, disse seu sócio e ex-campeão mundial dos 10 mil metros, Mosés Tanui. Quem relata esta e outras histórias é também um maratonista queniano, Moiben, em uma entrevista dramática reproduzida pelo site esportivo espanhol AS.com. Cruzar a linha de chegada em primeiro parece ser tão natural quanto respirar para esses heróis, mas a corrupção, a intolerância e a violência, aparecem como complicados adversários que os mais velozes do mundo agora, mais do que tudo, precisam vencer.