Recordista e devoto

Atualizado em 22 de outubro de 2009
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Por Flavia Galembeck*

Nascido em Havana, Cuba, Alberto Salazar migrou com sua família aos 2 anos para Miami (EUA) em 1960. Eles se fixaram em Wayland, Massachusetts, e Salazar começou a correr só para acompanhar o irmão Ricardo. Em pouco tempo, Ricardo é que corria atrás de Alberto.

A impressionante resistência física de Alberto Salazar foi noticiada pela primeira vez em 1978, quando participou da Falmouth Road Race, em Falmouth, Massachusetts, corrida de sete milhas (11 km) ao lado do favorito Bill Rodgers.

O calor de 41°C durante a prova, o esforço de tentar ultrapassar Rodgers e o fato de ele não ter ingerido muito líquido fez com que, logo após cruzar a linha de chegada, Salazar entrasse em colapso. Segundo publicou a revista Wired, sua temperatura corporal chegou a 42,2°C. Salazar acordou horas depois, no hospital, embrulhado em gelo e recebendo de um padre a unção dos enfermos. Depois dessa prova, ele ficou conhecido como Alberto “All That is Man” Salazar.

Apesar do incidente, que teria feito muita gente desistir de correr competitivamente, pouco tempo depois ele retomava seus treinos normalmente — cerca de 256 e 320 quilômetros semanais (em média, uma maratona por dia). Nesse mesmo ano ele ganhou o título de Campeão Cross-Country nos 10 mil metros da NCAA (entidade norte-americana que promove competições esportivas entre os universitários), com o tempo de 29min29s7.

Auge e declínio nos anos 80
Em apenas três anos, Alberto Salazar conheceu a glória, virou ídolo e estipulou o último recorde norte-americano. Em 1980, Al, como era chamado por outros atletas, resolveu estrear nas maratonas, e o destino escolhido foi Nova York. Os jornais da época pediram a ele que estimasse o tempo que levaria para terminar a prova. Salazar respondeu que esperava completar o percurso em 2h10min. Fez em 2h09min41s –um recorde entre os estreantes nesse tipo de prova na época, conforme registra o USA Track & Field, órgão governamental que organiza e promove o atletismo amador nos EUA.

Graças ao bom resultado, o fundista foi chamado para integrar a seleção dos Jogos Olímpicos em 1980. No entanto, os norte-americanos não participaram da 21ª edição das Olimpíadas, em Moscou.

A vitória de Salazar na Maratona de Nova York se repetiria nos dois anos seguintes. Em 1981, ele quebrou um recorde de doze anos da prova com o tempo de 2h08min13s. Verificou-se depois que o percurso da prova era menor do que 42.195 metros, o oficial de maratonas. Em 1982, seu tempo na maratona de Nova York foi 2h09min29s. Até hoje nenhum outro norte-americano venceu a prova. O organizador da Maratona de Nova York até criou uma premiação, o Alberto Salazar Award, para os americanos mais bem colocados na prova.

Outro fato que parece comprovar sua resistência física e psicológica é que seu melhor tempo em maratona aconteceu na mesma prova em que ele teve seu segundo colapso causado por desidratação. Foi depois de ele cruzar a linha de chegada da Maratona de Boston, em 1982, que ficou conhecida como “Duelo sob o Sol”, e que aconteceu entre Salazar e Dick Beardsley nos últimos 14 quilômetros da prova. Faltando apenas 1,5 quilômetro para a chegada, Salazar ultrapassou Beardsley. Os dois deram um sprint inacreditável até a última passada.

Salazar venceu por dois segundos de diferença, cravando 2h08min52s. Os dois criaram uma nova marca: a primeira vez que uma dupla de corredores completou uma maratona em menos de 2h09min, em uma mesma prova. No ano seguinte, o norte-americano Greg Meyer venceu a Maratona de Boston, mas nem ele ou nenhum outro norte-americano reduziu ou igualou a marca de Salazar em Boston, que é repleta de aclives e declives e que costuma ter temperatura e umidade altas.

Má fase
Mas, em 1983, Salazar perderia sua primeira maratona. E foi justamente em Roterdã, na Holanda, a meca dos maratonistas que querem reduzir seus tempos no percurso plano da cidade. O desempenho pífio não se restringiu às maratonas. Nesse mesmo ano ele ficou na última colocação nos 10 mil metros do World Championship. Apesar disso, conseguiu uma boa marca na seletiva para a 22ª edição das Olimpíadas, em Los Angeles, em 1984.

Mas o vencedor foi o português Carlos Lopes. Salazar, um dos favoritos, chegou na 15ª colocação. Sua performance foi comprometida por uma confluência de fatores. Ele tinha asma e não sabia; treinou tão pesadamente que teve overtraining e queda na imunidade por conta disso; com a alta umidade e o forte calor, no dia da prova, ainda teve desidratação.

Experimento conduzido durante o evento pelo Army Research Institute of Environmental Medicine verificou que Salazar perdeu 3,06 litros de água corporal por hora de prova. Além disso, perdeu 5,43 kg (equivalente a 8,1% de seu peso) durante os 134min3s que gastou no percurso.

“Antes do Campeonato Mundial, em 1983, eu tive um resfriado forte que progrediu para uma bronquite e levou a uma crise de asma”, revelou ele na época. No entanto, só descobriu ser asmático crônico no começo da década de 90. “Eu ficava ofegante em corridas leves, em que o pace era 7min30s/km. A maioria dos corredores de elite tem 120% da capacidade pulmonar de uma pessoa comum. Eu tenho apenas 80%”, explicou Salazar.

A asma, a baixa imunidade e o excesso de treinamento cobraram seu preço na forma de diminuição gradual da performance dele, que não conseguiu mais resultados importantes nem vitórias internacionais. Para lidar com a ansiedade causada por isso, Salazar recorreu ao Prozac (antidepressivo) e à religião.

Novos caminhos
Em 1990, aos 31 anos, ele fez uma viagem ao vilarejo Medjugorje, na Bósnia, onde a Virgem Maria teria aparecido para seis moradores, em 1981. Os católicos costumam ir até lá para fazer pedidos à santa, buscar respostas e milagres. De família católica, Salazar era um não-praticante até então.
Alguns dias depois de desembarcar, as bolinhas de seu rosário mudaram de cor. Ele buscou por uma explicação, mas não a encontrou. O fato inexplicável fez com que ele olhasse adiante. Depois de 12 anos sem vencer uma única prova internacional, em 1994, aos 35 anos, Salazar foi o primeiro na ultramaratona Comrades (100 km), na África do Sul, e declarou à imprensa que voltaria a correr.
“Nós nunca sabemos qual é o plano de Deus para nós. Eu achei que era correr ultramaratonas. Mas estava errado”, afirmou na época.

Isso porque, três meses depois da vitória na África do Sul, torceu o pé em um buraco na grama enquanto treinava. Só que não era uma simples torção e sim uma distensão do tendão tibial posterior, que ele só descobriu muito tempo depois. Mesmo sentindo desconforto, continuou fazendo treinos de intensidade. O resultado foi a ruptura do músculo bíceps femoral e a necessidade de colocação de pinos nos ossos naviculares (nos pés), além de reposição óssea no calcanhar.

Salazar ainda corre todos dos dias (seu pace é de 7min/km), mas seus dias de competição ficaram para trás.
*Fonte: Revista O2 – Edição 41 – Setembro de 2006