Pai do BMX quer voltar

Atualizado em 27 de fevereiro de 2020
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POR LEANDRO BITTAR

Em 2005, Orlando Camacho, 72, completou 53 anos de ciclismo. Mais de meio século de títulos, pioneirismo e, principalmente, boas histórias. Ainda em atividade, Camacho adora lembrar os momentos marcantes da sua carreira de atleta, de treinador e até de artista, que lhe valeram, entre outros, o título de pai do bicicross brasileiro.

Nascido em 8 de março de 1934, em Piracicaba, interior de São Paulo, Camacho mudou-se com os pais e oito irmãos para tentar a vida na capital. Durante muitos anos, foi tecelão e pedreiro. Trabalhando na construção civil, conseguiu juntar dinheiro para comprar sua primeira bicicleta. Mesmo assim, à prestação.

Começou a correr aos 18 anos por incentivo dos amigos e logo estava disputando provas com a elite da modalidade. O início foi na União Ciclística Vila Prudente. Em sua primeira prova, data que ele guarda até hoje – 15 de novembro de 1952 – ficou em 4º lugar na classificação geral. Nunca recebeu nada enquanto competiu. “Depois de anos, descobri que os atletas que corriam nas minhas equipes recebiam dinheiro, e eu não. Logo eu, um dos que mais vencia”, lamenta. Reconhecido como um grande campeão, ele precisava exercer outras profissões para se sustentar.

O veterano ciclista conta que tinha que implorar aos patrões para sair mais cedo e poder competir nas provas de estrada que aconteciam em São Paulo, na década de 50, época em que o Vale do Anhangabaú parava para assistir às corridas de bicicleta. No final daquela década, Camacho abriu sua primeira bicicletaria, onde passou a se dedicar ao conserto de bikes.


Camacho no rolo a quatro metros de altura

NOME: ORLANDO CAMACHO
APELIDO: RALADOR
DATA DE NASCIMENTO: 08/03/1934
ALTURA: 1,70 m
PESO: 78 kg
BICICLETA: KURUMA
PRINCIPAIS TÍTULOS:BICAMPEÃO PAULISTA DE RESISTÊNCIA; CAMPEÃO PAULISTA DE ESTRADA; VICE-CAMPEÃO PAULISTA DE PISTA; VICE-CAMPEÃO DE ESCALADA; 4º LUGAR NA VOLTA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO; RECORDISTA DO CIRCUITO DE INTERLAGOS (PERCURSO ANTIGO DE 8 KM); 3º LUGAR NO BRASILEIRO DE MTB (MÁSTER)

Muito antes do motociclista italiano Valentino Rossi, Camacho usava a criatividade para aumentar o interesse das pessoas em relação às provas. A atitude lhe valeu um apelido que ostenta até hoje: Ralador. “Eu fazia um sinal com o braço, indicando que eles iriam ralar muito para tentar me ganhar. Daí veio o nome”, afirma. O ciclista chegou a pedalar carregando pão e mortadela para fazer graça. “Abri mais de 8 km dos adversários e, perto da linha de chegada, desci da bike, montei o sanduíche e comi, na frente da torcida”, lembra Camacho.

TREINADOR
“Nunca gostei da vida de treinador. Sempre me achei o gostosão competindo, treinar os outros não dava esse barato”, diz. Mesmo à revelia, a carreira de treinador foi um dos pontos altos da sua carreira. Camacho foi escolhido pela Monark para ser o técnico da primeira equipe de bicicross na América do Sul, em julho de 1978. Na mesma época, Camacho mostrava toda sua habilidade sobre as bikes, em apresentações nas quais pedalava no rolo a quatro metros de altura. O número rendeu ao ciclista participações em vários programas de TV, como o de Silvio Santos.

Também foi como treinador que Orlando Camacho conheceu os reis da Espanha. O convite veio após o técnico levar o time de ciclismo de estrada formado por imigrantes espanhóis ao título da Olimpíada dos Imigrantes, em 1980. Em 1991, viajou para o Campeonato Mundial da Itália como técnico da seleção de MTB. Recebeu uma proposta para treinar cross na Alemanha, convite que nunca respondeu. “Não queria ir para lá. Nunca quis morar fora do Brasil.”

 


Ensinando na 1ª pista de BMX do Brasil (1978)

DE VOLTA ÀS PISTAS
Orlando Camacho ainda treina de dois a três vezes por semana: “Não adianta pedalar todo dia. Hoje o descanso é tão bom quanto o treino.” Ele se define como um ciclista escalador: “Meu forte é sempre nas subidas. Preciso abrir o máximo para chegar com folga ao final. No sprint, às vezes, os adversários me ultrapassam”, diz o ciclista, que se orgulha de ter conquistado o 3º lugar no Brasileiro de 1991, aos 57 anos, competindo na categoria para maiores de 40. “Eu era o mais velho da turma e fui muito bem”.

Ele aguarda ansioso a liberação médica para voltar a competir. No ano passado, Camacho tomou um grande susto ao pedalar com 90% da veia aorta obstruída. “Quase morri pedalando. Eu me senti mal durante um treinamento, mas tinha que completar o percurso e, quando cheguei ao hospital, o médico me levou direto para a sala de cirurgia. Fiz um cateterismo e em seguida uma angioplastia”. Apesar da recomendação de repouso, 17 dias depois ele já estava pedalando. “Não consigo ficar sem dar minhas voltas. Mas tenho uma reputação, e não posso voltar às competições apenas para participar.”

Enquanto isso, Camacho conta o que tem tomado seu tempo. “Todo dia vem alguém na porta da minha casa e me chama: ‘Ô Seu Camacho!!’.” É sempre algum garoto precisando de uma ajuda para arrumar a bicicleta ou querendo viajar um pouco com as historias desse grande personagem.