O valor do bom exemplo

Atualizado em 14 de julho de 2008
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Por Rodrigo Gerhardt

Como todas as crianças, a aluna da primeira série Paula Serrano Saldanha, 7, tem seu ídolo. E nada a ver com apresentadoras de programas infantis ou grupos musicais fabricados pelo marketing, ela gosta mesmo é da triatleta Fernanda Keller, de quem segue os passos. “Corro, nado e pedalo”, diz orgulhosa a menina, que já foi duas vezes com os pais assistir ao Ironman, em Florianópolis.

Aos três anos, driblando o limite mínimo de quatro anos da prova com sua altura avantajada, Paulo participou da primeira corrida infantil e, desde então, está sempre presente, convidando os amigos da escola.

O exemplo em casa e o incentivo ao exercício foram suficientes para que Paula incorporasse a atividade física naturalmente, e dela tirasse bom proveito. Além de mais “popularidade” entre os coleguinhas –até os meninos gostam de tê-la nos times–, Paula tem bom desempenho escolar, algo que os pesquisadores já perceberam ter relação com o exercício.

Segundo estudo americano publicado na edição de agosto da revista científica do American College Sports of Medicine, estudantes ativos apreendem melhor o conteúdo dado em sala de aula. A razão: a atividade física diminui o tédio e aumenta a concentração dos estudantes.

A recomendação mínima da OMS (Organização Mundial da Saúde) de atividade física diária para crianças e jovens é de 60 minutos.

De pai para filho
Em tempos em que a tecnologia parece resolver tudo sob a lei do menor esforço, o preço a pagar são as conseqüências do sedentarismo, como a obesidade. E é na infância que o problema merece mais atenção.

Hábitos adquiridos nos primeiros anos de vida são os mais difíceis de serem modificados depois, além do quê, comportamentos estabelecidos na infância podem influenciar na saúde da vida adulta.

Segundo o estudo “Construindo Saúde por Meio da Atividade Física em Escolares”, do Celafiscs (Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul), “uma criança sedentária tem maior probabilidade de ser um adulto sedentário”. No entanto, a recíproca não parece ser igual. “Nem sempre uma criança ativa se manterá ativa no futuro, talvez com exceção daquelas que se envolvem de forma intensa com o esporte”, diz a publicação, de 2003.

Consenso entre especialistas, o exercício traz benefícios físicos e psicológicos que previnem doenças na vida adulta e ajudam na formação da personalidade. Desenvolvimento de autonomia, autoconfiança, coleguismo, melhor comunicação, disciplina e concentração são alguns deles, para ficar no nível social. No entanto, praticá-lo por toda a vida vai depender de como ele é incentivado na infância.

Segundo a coordenadora do Núcleo de Estudos de Obesidade e Exercícios Físicos da USP, Cláudia Cezar, muitos pais gordinhos forçam seus filhos a se mexer, sem tomar atitude igual, o que torna a medida de pouco efeito.

Para ajudar a filha Juliana, 10, a emagrecer –ela tem mais de 50 kg e já sofre com piadas dos colegas– a mãe Ana Paula Fernandes, 31, matriculou a menina na natação e aderiu a uma mudança radical de hábitos alimentares com toda a família, que também luta contra a balança. Ela vai ainda iniciar um programa de caminhadas para motivar a filha.

Segundo Dietmar Salmuski, doutor em psicologia do esporte pela Universidade de Colônia, na Alemanha, e coordenador do Laboratório de Psicologia do Esporte da Universidade Federal de Minas Gerais, os pais –os primeiros treinadores– não devem incentivar uma especialização precoce nem a competição em crianças pequenas. Pressões podem afastá-la do esporte, por isso, deve-se respeitar três estágios de desenvolvimento da atividade física:

  • Iniciação (até os 10 anos) – É a fase da alegria, o “brincar” de fazer esporte. A atividade deve ter caráter lúdico e sem compromisso com desempenho ou competição para não perder e espontaneidade. É o momento de experimentar esportes individuais e coletivos, testar habilidades. Os pais têm de criar oportunidades e participar dessas iniciativas.
  • Especialização (dos 10 aos 16 anos) – É a fase em que os talentos e preferências são descobertos, e o jovem passa a se dedicar a alguma área para aprimorar suas habilidades, com o início de treinamentos regulares. Os amigos passam a ter grande influência. Desenvolve-se a disciplina e há uma necessidade de apoio dos pais, principalmente pelo início das competições. Os treinamentos devem conciliar, mas não prejudicar atividades escolares e sociais.

    Foi assim, vendo o pai correr freqüentemente, que Stéphano Sgambatti, 10, se interessou a seguir seus passos. Além do boxe e da natação, ele participa de provas infantis, mas já fez corrida de gente grande, encarando 5 km. “Acho que as pessoas deveriam pensar mais na saúde e sair da frente do computador”, aconselha o pequeno esportista.

  • Aperfeiçoamento (entre 17 e 18 anos) – É o momento de aprimorar-se na modalidade; para alguns, até profissionalização e alto rendimento. O corpo já adquiriu as condições para suportar cargas maiores de treinamento e de estresse competitivo.

    “Da minha infância”
    Pouquíssimos disputam as Olimpíadas ou uma Copa, mas seguramente a vivência no esporte contribui para crianças mais felizes e adultos de bem com a vida. Veja como foi para a Maria Paula Gonçalves da Silva e Mário Sérgio Cortella. Ele é um dos expoentes em sua área, filósofo, professor, substituiu ninguém menos que Paulo Freire na secretaria municipal da Educação em São Paulo. Ela é a Magic Paula, do basquete.

    “O meu interesse pelo esporte foi despertado nas brincadeiras de rua e na escola quando eu tinha uns 10 anos. Começou de maneira despretensiosa e lúdica e acabou se tornando a minha profissão. Quando conheci o basquete, me apaixonei. Eu só pensava em basquete e escola. Minha infância foi saudável e desde cedo aprendi a conviver em grupo, respeitar uma hierarquia, disciplina e o espírito de buscar sempre a vitória. Nós vivemos em um mundo altamente competitivo e o esporte pode ser uma grande escola para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. Meu primeiro desafio foi sair de casa com apenas 12 anos para jogar basquete. Eu não entendia bem porque teria que estar longe de casa para brincar de basquete. Na minha cabeça, o esporte não passava de uma brincadeira mais organizada. Enfrentei momentos difíceis e me incomodava o fato de estar longe de casa, da família e dos amigos. Mas hoje eu vejo o quanto foi importante e como sou uma pessoa muito mais preparada para a vida.”
    Magic Paula, campeã mundial basquete em 1994 e atual diretora do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa

    “Eu tenho lembranças agradáveis do esporte na minha trajetória. Quebrei o braço, quebrei a perna, nunca desanimei. Encarava isso muito bem. Eu praticava futebol de campo, salão, handball, tênis de mesa e adorava um jogo que, em Londrina (PR), chama-se Betis e, em São Paulo, é mais conhecido como Taco. Era uma época de descompromisso saudável, onde aprendi a conviver com meninos e meninas, a perceber como eu era capaz de alcançar pequenos desafios sozinho. Um das melhores lembranças que tenho é a de chegar em casa depois do futebol, tomar um banho e deitar na cama sentindo aquela sensação de dor e bem-estar. O esporte traz a idéia de vitalidade, faz com que você sinta o corpo vivo, ensina a perder e a conviver em equipe e te leva ao autoconhecimento.”
    Mário Sérgio Cortella, filósofo, educador e professor titular da PUC-SP