O finlandês voador

Atualizado em 10 de julho de 2009
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Por Nanna Pretto

Ao acompanhar o desempenho do corredor finlandês Hannes Kolehmainen nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, em 1912 na Suécia, Paavo Nurmi, então com 15 anos, decidiu que entraria para o atletismo. Até então, a corrida fazia parte da vida dele apenas nos treinos militares. Com coturno e mochila do exército, era dada a largada para a história de um dos maiores vencedores do atletismo mundial, o finlandês voador.

O modo sistemático de treinamento de Nurmi ia além dos tiros de força e intensidade nas montanhas da Finlândia –que, inclusive, eram feitos com uma mochila cheia de pedra para reforçar o exercício. Para traçar a marca pessoal e avaliar o desempenho, o atleta não fazia uma corrida sequer sem levar, em uma das mãos, o relógio de bolso. Assim, enquanto outros corredores dependiam de fiscais e anotações manuais, Nurmi tinha a própria evolução do seu tempo.

A estreia oficial de Nurmi nas pistas foi nas Olimpíadas da Antuérpia, em 1920 na Bélgica, numa competição de 5.000 m. Ele conseguiu a medalha de prata, atrás do francês Joseph Guillemot. Três dias depois, Nurmi derrotaria Guillemot numa prova de 10 mil metros. Em seguida, o atleta finlandês ganhou a corrida de cross-country individual e por equipe, levando para casa mais duas medalha de ouro.
Nos três anos após as Olimpíadas da Antuérpia, Nurmi reinou de forma absoluta no cenário da corrida de longa distância. Em 22 de junho de 1921, em Estocolmo, ele obteve mais um recorde: 30min40s2 nos 10 mil. Seu objetivo era a quebra de recordes entre as distâncias de 1.500 m e 10 mil, meticulosamente executado de acordo com a cuidadosa estratégia de planejamento de tempo.

“Quando você corre contra o tempo, não precisa de sprint. Os outros não conseguem segurar o ritmo se ele é constante e estável durante todo o percurso”, explicou Nurmi, certa vez, sobre sua estratégia de treino.
No fim de 1923, Nurmi conseguiu o recorde mundial em três categorias prestigiadas do atletismo, feito inédito entre os amantes do atletismo: a milha (1,6 km), 5.000 e 10 mil metros.

Paris, sede dos Jogos Olímpicos de 1924, assistiu à consagração de Nurmi e o aparecimento do mito. Em apenas seis dias, o Finlândes Voador ganhou nada menos que cinco medalhas de ouro. Feito até hoje inédito no atletismo olímpico.

As conquistas mais inacreditáveis foram os ouros nos 1.500 m e 5.000 m no mesmo dia. Contrariando os princípios de treinamento e recuperação, Nurmi correu as duas provas em um intervalo de apenas duas horas. Dois dias depois, sob um forte calor, Nurmi venceu os 10 mil metros no cross-country por 1min24s de vantagem e ganhou também mais um ouro no cross-country em equipe. Nos dias subseqüentes, enquanto outros corredores estavam se recuperando, Nurmi venceu a prova de 3.000 m.

Na ocasião, a revista francesa Miroir des Sports referiu-se a Nurmi como o homem “que vai além dos limites da humanidade.”

Em 1925, Nurmi foi para os Estados Unidos. Durante cinco meses ele correu 55 provas, ganhou 53 delas, abandonou uma e perdeu outra. Naquela época, Nurmi era um dos estrangeiros que mais recebia atenção da imprensa norte-americana, até que começaram os apelidos: “fantasma finlandês” e o definitivo “finlandês voador”.

Nas Olimpíadas de Amsterdã, em 1928, a última em que participou oficialmente, Nurmi venceu os 10 mil e ficou com a prata nos 5.000 m e 3.000 m com obstáculos. Mas tinha mais, ele queria ainda correr em Los Angeles, onde pretendia enfrentar o desafio da maratona nos Jogos de 1932.

No outono de 1928, em entrevista a um jornal suíço, Nurmi anunciou que aquele seria seu último ciclo olímpico nas pistas. “Estou ficando velho”, comentou então com 31 anos. Corri por 15 anos e aproveitei muito tudo isso”, disse o atleta antes de embarcar para a segunda turnê nos EUA.

No retorno à Europa, garantiu mais marcas históricas. Nas seis milhas, em Londres, e nos 20 km, em Estocolmo, ambos em 1930.

Apenas na torcida
Sonhando em se despedir bem das olimpíadas, em 1932, Nurmi treinava pesado na expectativa de participar pela quarta vez dos Jogos. Talvez aquela tenha sido a temporada mais intensiva de treinos. Ele defenderia o título nos 10 mil metros, mas o grande sonho era coroar sua história com uma medalha de ouro na maratona, assim como ele, ainda menino, assistira seu compatriota Hannes Kolehmainen fazer em 1912.

Naquela primavera, entretanto, o sonho desmoronou: Nurmi foi proibido de participar de competições internacionais pela Federação Internacional de Atletismo Amador, acusado de profissionalismo. Mesmo assim, ele foi para Los Angeles, mas mantinha treinos apenas dentro da Vila Olímpica, não só pela proibição, mas porque teve uma lesão no pé. Há quem diga, inclusive que ele mal conseguia andar em função da dor.

Nurmi foi reduzido, naquelas olimpíadas, a um mero espectador. Sentar na arquibancada, entretanto, foi demais para o atleta. Ele não conseguiu assistir à disputa pelos 10 mil metros, nem a maratona que, segundo ele, teria vencido com cinco minutos de vantagem.

Uma vez suspenso, Nurmi não competiu mais em terras estrangeiras. Sua última corrida fora da Finlândia foi a vitória nos 5.000 m em Königsberg, Alemanha, em outubro de 1931. A federação custava a aceitar a alegação de que Nurmi não era um profissional. Dessa forma, ele correu apenas na Finlândia, até 1934, como um “amador nacional”. A última vitória do finlandês voador foi nos 10 mil metros em Viipuri, em setembro de 1934.

Vida paralela
Mesmo antes de encerrar a carreira de corredor, Nurmi concentrava-se em outra empreitada: executivo e investidor no mercado imobiliário. Desde a década de 20, ele vinha investindo seu capital em ações. Tanto que conquistou uma considerável fortuna, aplicada, basicamente na construção de imóveis. Em Helsinque, capital da Finlândia, existem 40 empreendimentos construídos por sua companhia. A paixão pela corrida, segundo o próprio atleta, era eterna. Por isso, nas décadas de 30 e 40, Nurmi não resistia e, algumas vezes, deixava os negócios para correr.

A 15ª edição dos Jogos Olímpicos foi em Helsinque, em julho de 1952. Até então a identidade do atleta que acenderia a tocha olímpica era mantida em segredo. Quando o placar eletrônico anunciou Nurmi, o silêncio foi geral. Instantes depois, as 70 mil pessoas que lotavam o estádio começaram a gritar o nome de Nurmi, e muitos dos presentes não contiveram as lágrimas. Nurmi acendeu a tocha olímpica junto com seu ídolo, o corredor Hannes Kolehmainen.

Passos finais
Inteligência, força de vontade e determinação para atingir qualquer objetivo, eram as principais características de Paavo Nurmi. Em seus momentos melancólicos – mais frequentes com o passar dos anos – ele se questionava sobre a importância que as pessoas davam ao esporte. “Apenas o trabalho, ciência e arte têm valores verdadeiros”, dizia.

Ao descobrir uma trombose coronária, após um infarto no fim de 1950, ele trabalhou duro na tentativa de curar a doença até 1967, quando sofreu um novo ataque. No ano seguinte, Nurmi abriu uma fundação de pesquisa para doenças do coração e de saúde pública em parceria com patrocinadores e com recursos próprios.

Ele morreu em Helsinque em 02 de outubro de 1973 e causou comoção nacional. “Recordes serão quebrados, as medalhas perderão seus brilhos, ganhadores terão suas vitórias. Mas, como um conceito histórico, Paavo Nurmi nunca será superado”, disse a então ministra da Educação Marjatta Väänänen.
Nove dias depois, Nurmi teve um funeral com honras de Estado, em cerimônia na catedral de Helsinque. Depois foi enterrado em Turku, sua cidade natal.

Após as Olimpíadas de Paris, em 1924, o governo finlandês ordenou a construção de uma estátua de Nurmi, ao mais famoso escultor do país, o artista Wäinö Aaltonen. Em 1952,
mais duas cópias da obra foram erguidas em frente ao estádio olímpico de Helsinque e em Turku.

Em 1983, a estátua original, que permanecia no Museu Nacional de Arte, foi colocada em frente à faculdade de educação física da Universidade de Jyväskylä. Em 1994, mais uma cópia foi erguida e colocada no parque do Museu do Comitê Internacional Olímpico em Lausanne, na Suíça.

Medalhas e selos comemorativos foram confeccionados com imagens do atleta e até um pequeno planeta foi nomeado em honra a Paavo Nurmi. Em 1987, o banco da Finlândia imprimiu uma nova nota de dez marcos com a imagem de Nurmi em uma face e a do Estádio Olímpico na outra., fazendo do “finlandês voador” o único atleta olímpico a estampar a moeda nacional.

Identidade
Nome: Paavo Johannes Nurmi
Nascimento: 13 de junho de 1897
Falecimento: 02 de outubro de 1973
Cidade Natal: Turku (Finlândia)
Nacionalidade: Finlandês
Esporte: Atletismo
Olimpíadas: Antuérpia, em 1920; Paris, em 1924; Amsterdam, em 1928
Medalhas: 12 (9 de ouro e 3 de prata)

Medalhas Olímpicas

Antuérpia, 1920:
10 mil m – ouro
5.000 m – prata
Cross Country individual – ouro
Cross Country em equipe – ouro

Paris, 1924:
1.500 m – ouro
3.000 m – ouro
5.000 m – ouro
Cross Country individual – ouro
Cross Country em equipe – ouro

Amsterdan, 1928:
10 mil m – ouro
3.000 m com obstáculos – prata
5.000 m – prata