Mulher Maravilha

Atualizado em 09 de novembro de 2007
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Mara Gabrilli, vereadora mais votada pelo PSDB e há 13 anos tetraplégica, incentiva a prática do exercício em qualquer ocasião

 

Por Nanna Pretto

 

Quem vê Mara Gabrilli na Câmara Municipal de São Paulo até esquece que ela está em uma cadeira de rodas. Com mobilidade só do pescoço para cima, teve de reaprender os desejos de seu corpo. “Em uma maratona, você entende o funcionamento da mente para controlar o corpo e minimizar dores. Meu pescoço ainda está em cima do corpo”, resume a ex-maratonista, que já completou uma prova de 101 km, na Itália, de 20 horas, só para estar perto dos amigos.

 

A rotina de trabalho, que hoje é na Câmara Municipal –mas já foi entre a Seped e a ONG Projeto Próximo Passo, só tem vez após a sessão diária de exercícios físicos. “Não sou ninguém se não pedalo, ando ou me alongo todos os dias pela manhã”. Como? Acompanhe a entrevista de Mara Gabrilli à O2.

 

O2 – Você fez uma maratona sem nunca ter corrido mais que 12 km. Como foi encarar o desafio dos 42 km?

Mara Gabrilli – Na Itália, em 1988, dividi apartamento com uma amiga e corria com ela só para fazer companhia, e não porque faria uma prova. O máximo que havia corrido até então eram 12 km, quase morrendo. Mesmo assim, por insistência

dela, me inscrevi na maratona. Combinei que correria até cansar, mas concluí em 4h15min.

 

O2 – Qual era a sua relação com o esporte, na Itália?

MG – Tudo que fazia era a pé ou de bicicleta e sempre corria, primeiro por causa do frio, para me esquentar naquele país gelado e úmido. Não tinha rotina de treino, saía correndo de casa, sempre que dava vontade. Naquela época também levava crianças com deficiência para fazer passeio na montanha. Morava em um prédio com 140 degraus, sem elevador. Já imaginou quando descobria que tinha esquecido alguma coisa? Subia e descia tudo algumas vezes por dia!

 

O2 – Qual o maior desafio?

MG – Um grupo de 12 amigos italianos esportistas insistiam para fazer uma prova chamada Cento Chilometri a Piedi, que é de 101 km, de Florença a Faenza. Vinha acompanhando há muito tempo o treino deles para a prova. Mas quem treinava mesmo era minha amiga, eu só dava apoio moral. No dia da prova nos inscrevemos com a intenção de sair de Florença até uma cidade próxima, Fiesle, e voltar de ônibus. Nem pensei em correr a prova toda, tanto que vestia tênis e saia. Dos 12 amigos, chegaram três pessoas: um italiano, a Milena e eu. Saí às 16h e cheguei ao meio dia do dia seguinte.

 

O2 – Algum momento inesquecível?

MG – Não tinha lua e as árvores tampavam as luzes das estrelas.

Sozinha, na escuridão, pensei que nunca chegaria. Tinha muito medo de atravessar aquelas árvores. Aí me vi cercada de vaga-lumes, iluminando o caminho para passar, o que ajudou a clarear a escuridão das árvores.

 

O2 – Pensou em desistir?

MG – Quando amanheceu caiu a ficha. Não sabia onde estava e chorava muito – tinha 11 bolhas em cada pé! Alguém da organização da prova falou que o juiz iria embora ao meio dia. Como falam isso para um corredor em meu estado?

 

O2 – Depois dessa prova você continuou correndo?

MG – Fiz outras provas e quatro maratonas italianas, nos dois anos que morei no país. Quando voltei para o Brasil continuei correndo, ao menos, 30 minutos por dia. Não era uma obrigação, me dava prazer. Não gostava de correr em grupos nem de ter uma rota definida – escolhia na hora o quanto ia correr.

 

O2 – Como foi o acidente de carro, em 1994?

MG – Na noite do acidente, havia uma lua linda, então coloquei os pés no painel e inclinei o pescoço para olhá-la. Aí o carro perdeu o controle e capotou diversas vezes – quebrei o pescoço capotando. Consciente, não deixava ninguém me tirar do carro, por causa da dor indescritível. Meu ex-namorado segurou a minha cabeça e, cada vez que ele respirava, gritava de dor.

 

O2 – Qual foi o pior momento?

MG – Quando precisava da máquina para respirar era pior do que não ter os movimentos. Morria de medo de faltar luz ou pegar fogo no hospital, afinal era preciso uma tomada para manter o aparelho ligado.

 

O2 – Soube que não andaria mais aí?

MG – Eu não vou andar nunca mais? Você está falando sério [risos]? Ainda não acredito nisso! [Mara tem 1% de chance de voltar a andar]. Mas sou tão feliz por respirar que estar paralisada nunca me deprimiu.

 

O2 – Como a corrida a ajudou na nova comunicação com o corpo?

MG – No primeiro ano, só fazia xixi, cocô, fisioterapia, tomava banho, comia – difícil lidar com o corpo sem senti-lo.

 

O2 – Como o exercício a ajudou?

MG – Um médico corredor na UTI tinha visão derrotista sobre lesão medular. Ao contar que era maratonista, ele quis que esquecesse tudo, porque o corpo do atleta é diferente. Falaram que não andaria e já consegui ficar em pé por 40 minutos! Meu espírito se reflete no corpo…

 

O2 – Como é sua rotina de exercício hoje?

MG – Ando duas vezes por semana, pedalo com as pernas e os braços, tudo com eletroestimulação que me faz andar. Levantei peso em mesa romana e fiz leg press com muitos quilos para ter força e condicionamento até conseguir andar, em 1999. Fico pendurada em um guindaste por um macacão especial, em cima da esteira, com uma fisioterapeuta em cada perna. É um exercício impressionante, pois o centro de locomoção do corpo é controlado pela medula, no cérebro. Uma hora que o pé começa a ir é uma ação reflexa maravilhosa.

 

O2 – Você consegue sentir os mesmos efeitos da endorfina da época em que corria?

MG – Endorfina, cansaço, bem-estar… Sinto tudo. Se não malhar pela manhã, não consigo trabalhar. A cadeira que uso me permite ficar em pé, sabe?

 

O2 – Quando veio a idéia da ONG Projeto Próximo Passo (PPP)?

MG – Depois de um ano parada, precisava recomeçar! Havia estudado psicologia, mas nunca exercido. Em 15 dias comecei a atender, depois de reformar a clínica, cheia de escadas – reconstruí o acesso, o que foi a base para fundar a PPP, em 1997: melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência.

 

O2 – E o incentivo a atletas com deficiência?

MG – Nesta época nadava na academia Fórmula, em São Paulo, onde há elevador para deficientes físicos. O dono de lá, amigo meu, quis montar uma organização, coincidente com o que fazia na PPP. Então juntamos tudo e a sede da PPP, hoje, é nesta academia, e auxilia 75 atletas. É um orgulho, afinal, com espírito esportivo, nosso corpo pode ser comandado pela mente.