Do Paraguai, Simões conta novidades

Atualizado em 02 de maio de 2006
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O aventureiro conta situações vividas no Paraguai. Confira:

Quinta-feira (27 de abril de 2006)
Dr. Juan Leon Mallorquin – Cel. Oviedo (137 km)

Hoje pela manhã, quando acordei, a primeira coisa que percebi foi a diferença de horário que existe entre o Brasil e o Paraguai. Aqui os relógios têm uma hora a menos que os relógios brasileiros. Essa pequena diferença, apesar de mínima, pede também uma adaptação minha para o novo horário. Se bem que tanto faz em que posição estão os ponteiros do relógio, meu compromisso é sair pela manhã e chegar no meu destino antes de anoitecer. Sou mais guiado pela posição do sol no céu do que pelos ponteiros do relógio.

Conversei com o dono do hotel em que fiquei e ele abriu uma exceção para mim, me serviu um café da manhã, o que, pelo visto, ele não fazia para todos. Tudo isso com meu portuñol, que segundo paraguaios muuuito simpáticos, já está virando espanhol. Até já me disseram que eu “hablo muy bien castellano”, o que fez muito bem para meu ego e para incentivar eu continuar praticando toda noite. Aqui no Paraguai eles não dizem que falam espanhol, mas sim castelhano, que até onde eu sei é a mesma coisa. Posso estar errado, se você souber a diferença deixe um comentário no fórum do Pedal na Estrada.

Se bem que eu já descobri o segredo de “hablar” espanhol: basta você enrolar a língua, colocar um “i”antes do “e” (como em bien para dizer bem) e usar palavras que você nunca usa em português (como equivocado para dizer errado). E pronto, o resto é só treinar. Obviamente é uma brincadeira minha, não vá sair das suas aulas de espanhol por minha causa, mesmo porque se fosse assim eu mesmo não estaria estudando este idioma.

Pouco antes de sair olhei em meu mapa e decidi pedalar até Coronel Oviedo, que ficava a uma distância de quase 140 quilômetros de Mallorquin. Mesmo em terreno bastante plano, é sempre uma boa pedalada, que não termina antes de 6 horas em cima da bicicleta, tendo uma velocidade média de 20 e poucos km/h.

No meio do caminho, após ser abordado a cada cinco quilômetros por alguém que vinha ao meu lado, de bicicleta ou de moto, para conversar, especialmente quando viam que sou brasileiro, cheguei na metade do caminho. Foi então que percebi que aquilo que eu havia comido ontem não tinha sido o suficiente. Já estava cansado e a bicicleta parecia mais pesada do que realmente era.


Igreja na cidade de Mallorquin (foto: Arthur Simões)

Foi nessa hora que resolvi parar numa espécie de lanchonete na beira da estrada para comer alguma coisa. A mulher que estava naquela casa no meio do nada veio me atender, perguntei se havia “chipa”, uma espécie de pão-de-queijo daqui, e a mulher me mostrou uma cesta cheia delas. No que eu estava repondo minhas energias com aqueles bolinhos e um refrigerante de pomelo (uma fruta que quase não temos no Brasil e que chamamos de Grapefruit), a mulher insistia em conversar comigo. Eu que estava cansado e me deliciando com a comida não queria conversar com ela, ainda mais porque era cansativo não saber dizer algumas palavras e ter que ficar fazendo mímica.

Na tentativa de ser educado com a senhora que me disse que tinha 46 anos, fui comendo e respondendo às perguntas, que quase sempre pedia para serem repetidas. Foi então que eu olhei para a mulher e a vi me olhando com uma cara de tarada, para logo em seguida ouvir a pergunta: Te gusta chipa? Y las mujeres paraguayas? Fiquei até sem jeito na hora. A tia não queria me vender só as chipas. Como não podia ficar parado muito tempo ali, mesmo porque se eu ficasse mais alguns minutos a mulher pularia no meu colo, resolvi ir embora.

Quando saí da lanchonete, me vi fraco, já não sabia se conseguiria percorrer mais 70 quilômetros e pensava seriamente em ficar na metade do caminho, numa cidade chamada Caaguazu. Quando cheguei na cidade fui até o final dela e parei num posto, onde comi mais alguma coisa, com alguma dificuldade, pois aqui a carne faz parte de todo o cardápio. Ali já me sentia com mais energia e resolvi seguir em frente até onde eu conseguisse chegar, nem que eu tivesse que parar no meio do caminho.

Seguindo pela rodovia, a poucos quilômetros dali, fui parado pela tão falada “policía” paraguaia. Primeiro me pediram a permissão, apresentei o meu passaporte com o carimbo paraguaio; depois começaram um interrogatório. Depois de tantas perguntas repetidas percebi que o que ele queria mesmo era uns guaranis no bolso dele, mas resolvi ficar quieto, pois não sabia como fazer isso, que no Brasil me colocaria na cadeia. Assim, fui respondendo as perguntas, dando risada e fazendo cara de quem estava sem dinheiro nenhum. Depois de 10 minutos desse teatro ele me liberou e eu disse a única coisa que sabia falar em guarani: Ru hai ju Paraguay!! (que significa “te quiero Paraguay”), ele adorou.

O tempo que fiquei com o policial foi o necessário para a digestão do que tinha comido. Quando o deixei para trás percebi que teria forças para seguir até Oviedo. Apenas pedalei com vontade. Quando faltavam 20 quilômetros para chegar, meu pneu furou. Como era o dianteiro, em poucos minutos os retirei e no meu melhor tempo fiz a troca, para continuar até Oviedo.

Chegando na cidade, percebi que era a primeira grande cidade aonde chegava desde Ciudad del Este. Tinha até internet e carros equipados com sons altos, assim como no Brasil, porém aqui eles ouvem uma música própria, que ainda não sei como se chama, mas é o equivalente ao nosso funk carioca. Algo não muito elaborado, repetitivo e com muitas batidas.

Como estava muito cansado e não queria ficar rodando atrás de um lugar que me acolhesse, optei por ficar no melhor hotel da cidade gastando muito pouco, o que convertido em reais não pagaria uma espelunca. Assim, me instalei no hotel e fui comer. Saí à procura do restaurante que me falaram, o restaurante de alguns brasileiros, mas como não o encontrei, me contentei com um restaurante de alemães. Eles nem espanhol falavam, mas conseguimos conversar em inglês.

Ao sair do restaurante que tinha uma comida muito boa, passei num supermercado de alguns japoneses. Depois desse contato com pessoas de diferentes nacionalidades aqui, percebi que ainda hoje pessoas de diversas nacionalidades ainda buscam uma outra vida na América do Sul, seja no Brasil ou em outro país, como o Paraguai. A única dúvida que pairou sobre minha cabeça foi saber porque alguém viria para cá, se há tantos outros lugares por todo o mundo e melhores que aqui. Talvez essa seja uma pergunta para a qual há resposta.

Arthur Simões Cardoso Neto, 24 anos, é formado em direito, professor de yoga, ciclista e esportista convicto. Ele realiza o Pedal na Estrada viajando por 30 países sobre um bicicleta, com o patrocínio da Bristol-Myers Squibb e o apoio de Fuji Bikes, Dennova e Base64.