Corra (e viva) mais leve

Atualizado em 19 de outubro de 2007
Mais em

Por Estanislau Maria e Nanna Pretto

O gordinho cultiva uns quilos a mais, gostaria de correr, mas não começa porque teme o impacto nas articulações ou um peripaque cardiorrespiratório. Já que não corre, mantém os tais quilinhos, e o círculo vicioso permanece: não corre porque está acima do peso ou está acima do peso porque não corre?

Para acabar com o dilema, médicos e treinadores avisam: Quem está gordinho e não tem contra-indicação médica pode começar já, desde que o exercício seja feito com regularidade e na intensidade correta.

Além de afastá-lo dessa triste estatística, segundo o fisiologista Rogério Neves, diretor médico da SportsLab, correr é bom para:

:: Circulação: o sangue circula mais pelo corpo, aumentando a entrada de oxigênio nos tecidos e otimiza a função dos órgãos.

:: Rins: o aumento da circulação melhora a função do rim, que filtra o sangue e reduz o número de substâncias tóxicas que circulam pelo corpo.

:: Sono: o organismo aproveita melhor as horas de sono. É nesse momento que o corpo relaxa e absorve os ganhos fisiológicos do exercício.

:: Cérebro: aumentam os níveis de serotonina, neurotransmissor associado à depressão. Em baixos níveis, o hormônio é associado às alterações do sono, vontade de comer doce e depressão.

:: Peso: uma pessoa de 70 kg queima cerca de 450 calorias a cada hora de corrida.

:: Glicemia: as taxas de glicose caem e as células se tornam mais sensíveis à insulina, o que reduz os níveis de açúcar no sangue.

:: Ossos: a corrida estimula a formação de massa óssea ajudando a prevenir lesões como a osteoporose.

:: Pressão: a corrida promove maior elasticidade dos vasos sangüíneos, o que ajuda a manter a pressão baixa.

:: Pulmão: corredores têm menos risco de contrair infecção respiratória, já que, com a corrida, a função do pulmão é maximizada – principalmente na porção superior.

:: Colesterol: os níveis de LDL (colesterol “ruim”) diminuem.

:: Estresse: o hormônio cortisol, liberado quando a pessoa está estressada, é queimado durante a corrida, diminuindo a carga de estresse.

:: Coração: a corrida ajuda a fortalecer e melhorar a eficiência. Gradativamente o atleta tem capacidade para bombear mais sangue com menos batimentos cardíacos.

Para começar
O primeiro passo é entender o que é sobrepeso. A OMS define o IMC (Índice de Massa Corporal) como um indicador usado para médias populacionais, mas que não analisa a estrutura corporal da pessoa. Por isso, segundo especialistas, o ideal é fazer um teste de percentual de gordura, além de calcular o IMC. Veja como é feito:
Peso (em kg)
IMC =   ————————————-
Altura (em m) x Altura (em m)

Até 18,5: abaixo do peso
De 18,5 a 25: normal
De 25 a 29,9: sobrepeso
Acima de 30: obeso

De acordo com a nutricionista Patrícia Bertolucci, graduada pela Universidade Federal de Goiás e especializada em fisiologia do exercício pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo):

Sobrepeso: peso acima da faixa considerada ideal para a idade, o estado fisiológico e a altura. Dificuldade para respirar, sensação de cansaço e mudança na rotina de sono são os primeiros sintomas.

Obesidade: acúmulo excessivo de gordura corporal, com sérios danos à saúde, como hipertensão arterial, diabetes, alterações no sangue, doenças cardiovasculares, problemas nos pulmões, articulações e sistema reprodutivo.

Obesidade mórbida: acúmulo de gordura ainda maior; alguns nem conseguem andar, o indivíduo corre risco de morte.

Adepto às doses de uísque, happy hours e um bate bola com os amigos, o estressado empresário José Donizetti, 51, acumulava duas úlceras e 90 quilos –para 1,75 m– ao decidir mudar o estilo de vida, emagrecer e começar a correr. “Ao ver pessoas correndo no parque percebi que aquele era o esporte que eu queria para minha vida, mas não tinha idéia do mundo da corrida. Não sabia da existência de treinadores, assessorias, provas e achava que maratona era a São Silvestre.”

Ao fazer um check up para iniciar os treinos o empresário tinha todos os exames alterados. “O médico perguntou se eu comia graxa”, lembra. O início foi desgastante, tanto para o corpo, como na vida pessoal. “Ia para USP aos sábados muito cedo e sofria. Caminhava e trotava e me perguntava o que estava fazendo ali. Mas, no fundo, o sofrimento tinha gosto de desafio. Eu queria correr como as outras pessoas, nunca pensei em desistir. Minha mulher sentiu ciúmes e quis discutir a relação. Eu disse: ‘arrumei uma amante e o nome dela é corrida’. Após um ano ela começou a me acompanhar nas provas e hoje treina comigo. E meus exames, em três meses de corrida, estavam todos em ordem”, diz Donizetti que em três anos perdeu 15 quilos, tem 15% de gordura corporal, fez seis meias-maratonas e viaja, este mês, para a Maratona de Berlin.

“Graças à corrida hoje sou um cara do dia. Na minha última viagem internacional troquei a compra de garrafas de uísque por frascos de perfumes.”

Devido à sobrecarga, os médicos alertam que quem têm IMC acima de 30, devem adiar a corrida até dar perder alguns quilos. Neste caso a opção é aliar uma reeducação alimentar a exercícios de baixo impacto como caminhada, natação, aparelhos elípticos e bicicleta.

Para muitos brasileiros, emagrecer é mais penoso do que largar o cigarro ou poupar dinheiro, constatou o laboratório farmacêutico Abbott, em pesquisa realizada em 2003, com 1.001 pessoas de 18 a 64 anos.

:: 40% tentaram emagrecer nos últimos três anos
:: 6 em cada 10 não conseguiram manter o novo peso
:: Destes, 25% recuperaram o que haviam perdido
:: 62% desistiram da dieta e dos exercícios físicos menos de três meses depois de iniciar o programa
:: Destes, 50% largaram em menos de um mês
:: 20% desistiram em uma semana

O ortopedista Dan Oizerovici, do Hospital Israelita Albert Einstein, alerta que o corpo inteiro vai sentir. “A pessoa está ‘fora de forma’ no corpo inteiro, e não apenas com acúmulo da gordura. À medida que ganha condicionamento e perde peso, sente a melhora.”

O resultado, no entanto, é o principal estímulo para dar continuidade ao exercício. “À medida que a pessoa vai se familiarizando com a corrida, a auto-estima melhora, e ela começa a se entrosar com os companheiros, a pegar gosto pelo exercício e querer fazer cada vez melhor. A redução do peso vira conseqüência do novo estilo de vida”, diz o médico.

O desconforto do início é inevitável, mas logo passa, e os resultados mais que compensam. Como atesta o fisioterapeuta Eduardo Garay, 41. Ele sentia no corpo os seis anos de sedentarismo e o peso dos 105 kg em 1,74 m de altura. Ao assistir à competição de Ironman em 2002, ele decidiu que voltaria à ativa para disputar a prova. “Quando comecei a correr, minha freqüência cardíaca explodia e eu sentia muito mal estar. Na primeira semana, o corpo inteiro doía e eu não corria mais que dez minutos. Então comecei com a natação e a bicicleta ergométrica, além de uma séria mudança alimentar. Em um mês eliminei cinco quilos e já conseguia correr nove quilômetros”, diz Garay, que perdeu 20 quilos em um ano e concluiu o Ironman em 11h30min neste ano.

“As dificuldades do sedentário são as mesmas. Para quem tem IMC alto ou baixo”, explica Camila. Quem pesa mais, no entanto, fará um esforço maior em função do excesso. Por outro lado, diz a treinadora, atletas com sobrepeso têm consciência disso e tomam mais cuidados, o que minimiza o risco de lesões em relação aos iniciantes que estão em forma.

Treino longo e estável
O treinamento começa com caminhadas, depois trotes até que o indivíduo consiga correr sem parar por, pelo menos, 30 minutos. “Ninguém consegue correr direto, logo no início, é melhor caminhar rápido”, explica a explica a endocrinologista Ellen Simone Paiva, endocrinologista do Citen (Centro Integrado de Terapia Nutricional).

Isso porque a queima de gordura precisa de pelo menos 30 minutos de exercício constante, num ritmo de leve a moderado, sem grandes oscilações da freqüência cardíaca.

“A freqüência cardíaca é muito individual. A exaustão de um atleta pode não ser igual a de outro. Com o exame ergométrico, é possível trabalhar na faixa de queima de gordura e evoluir à medida que o corpo ganha condicionamento”, diz Sérgio Garcia Stella, professor de educação física e doutor em obesidade pela Unifesp.

A veterinária Maira Martins Passos, 28, que corre desde o ano passado, já queimou dez quilos nos treinos. Com 1,74 m de altura, ela pesa 97 quilos e quer perder mais 20. “Eu sentia muito mais dor no joelho quando era sedentária. Hoje sou capaz até de completar 21 km! Mas meu ortopedista recomendou que eu corra apenas provas de 10 km, pelo menos enquanto eu não diminuir o peso”, explica Maira que em julho fez a Corrida do Inverno do Circuito das Estações Adidas. “Foi a primeira prova que corri inteira, sem caminhar”, conta.

Antes e depois
Médicos e treinadores concordam: “Antes de começar a correr, faça exames; depois, musculação.” Abaixo, segue a lista mínima dos exames indicada pela endocrinologista Ellen Simone Paiva; pelo ortopedista Dan Oizerovici e pelo fisiologista Renato Lotufo.

:: Teste ergométrico (para saber a quantidade de batimentos por minutos, a faixa da FC que a pessoa deve manter enquanto corre e eventuais arritmias que impeçam o exercício);
:: Controle de pressão arterial (para prever um treino mais monitorado caso a pessoa seja hipertensa);
:: Hemograma completo (para identificar níveis de colesterol, triglicérides e diabetes);
:: Raio x do pulmão (para descartar más formações e doenças pulmonares);
:: Ecodopplercardiograma (para analisar as dimensões das estruturas do coração e a passagem do sangue pelas cavidades);
:: Exame antropométrico (para determinar a composição corporal)
:: Passar por um cardiologista e ortopedista (que farão a análise dos exames e as recomendações necessárias).

Aos 31 anos, o engenheiro eletricista Rodrigo Bota Filho usa medicação para hipertensão apenas como prevenção. 20 quilos mais magro e com um percentual de gordura de 16%, para o 1,72 m, ele treina para a maratona de Nova Iorque, que acontece em novembro.

Mas o colesterol do engenheiro, o diabetes e até a dosagem do remédio poderiam estar elevados, se, em 2003, ele não tivesse clicado sem querer em um site na Internet que o levou à página da Corpore. “Eu não tinha idéia do real universo da corrida. Sempre tive contato, desde a escola. Mas as provas, assessorias e toda a estrutura para o atleta, nada disso passava pela minha cabeça”, conta.

Motivado pelas matérias de treinamento da O2, Bota Filho treinou em 2003 por conta própria, com o objetivo de fazer a São Silvestre. “Era difícil, eu estava gordo e treinava três vezes por semana. Na primeira prova, de 6 km, passei uma semana com dores”. Hoje, com 16% de gordura no corpo, o engenheiro acredita que começar a correr melhorou não só a saúde, mas a vida profissional. “Sou mais confiante, mais produtivo e concentrado. Tanto que fui promovido este ano. Não digo que foi somente por causa da corrida. Mas sei que ela foi responsável pelas mudanças que aconteceram na minha vida.”

Tão importante quanto perder uns quilinhos é estar atento ao fortalecimento muscular, explica o professor Stella. “Com a musculatura firme, o joelho irá agüentar o impacto associado ao excesso de peso”, diz ele.

“Não tem jeito”, diz o treinador Fábio Rosa, diretor técnico da MPR assessoria. “A maioria dos corredores torce o nariz, mas a musculação é indispensável, com sobrepeso ou sem.” Mais: a endocrinologista Ellen explica que a musculatura mais desenvolvida ajuda na perda de peso. “Quem queima a gordura do organismo é o músculo. Por isso, quanto mais massa muscular, maior será a queima no ato do exercício e durante todo o dia, já que o músculo exige gordura para sobreviver”, diz.

Nova silhueta, nova biomecânica
É comum também que a perda de peso traga dores e até lesões, como tendinite, afirma a treinadora Camila Hirsch. Ao emagrecer, a biomecânica da pessoa muda e alguns movimentos como o de entrar em um carro, cruzar a perna ou agachar –e que o gordinho fazia com dificuldade–, passam a ter uma amplitude maior. “Na corrida, a diminuição de massa corpórea aumenta a amplitude articular, principalmente no tornozelo, joelho e quadril. E as adaptações articulares são mais demoradas que as adaptações musculares. Daí as dores e lesões”, diz Camila.

Essa percepção é individual. Cada atleta que perde peso pode sentir em determinada fase do treinamento, seja em treinos longos ou de intensidade. A solução, afirma Camila, é intensificar os treinos de musculação com foco no fortalecimento muscular ou manter o treino de corrida em um estágio que não provoque dor, ou seja. “Até o corpo se acostumar com aquele treino. Em alguns casos é preciso diminuir a intensidade, o volume ou os dois. Quando o corpo se acostumar às mudanças biomecânicas, novos estímulos poderão ser dados.”