Coquinho: made in Quênia?

Atualizado em 24 de outubro de 2008
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Por Cesar Candido dos Santos

São Silvestre, Volta da Pampulha, Meia-maratona do Rio ou de São Paulo. Não importa a prova. Sempre que existe um atleta queniano – e como um dos favoritos para vencer. Um dos grandes responsáveis pelo sucesso destes corredores no Brasil é Moacir Marconi, o Coquinho, treinador, administrador esportivo e ex-atleta detentor de uma das 20 melhores marcas brasileiras em maratonas.

Moacir é diretor da Casa Quênia, centro de treinamento localizado na cidade de Nova Santa Bárbara, interior do Paraná, que recebe cerca de 20 quenianos por ano para treinar e competir. Graças a este intercâmbio e toda a estrutura do local, é cada vez mais comum a presença – e a vitória – dos africanos nas provas brasileiras, algo que eleva o nível da competição.

O2 Por Minuto – Você correu a Maratona de Roma para 2h13min, em 1979. Esta foi sua maior conquista?
Moacir Marconi –
Este foi o meu melhor resultado. A minha maior conquista foi a Meia-maratona 7 de Setembro, em 1986. Ela era a principal prova depois da São Silvestre. Esta vitória me marcou muito, porque aconteceu no ano em que meu pai faleceu. Ele sempre sonhou com este título e lutei muito para conquistá-lo, mas infelizmente ele não estava mais aqui para ver.

O2 Por Minuto – Existia muita diferença nos treinos de quando você competia para os de agora?
MM –
A diferença é enorme. Antigamente, não tínhamos um condicionamento especifico para meia-maratona e maratona. Fui muito mal orientado. Chegava a correr 280 km por semana, arrebentava nos treinos, mas não conseguia ir bem nas provas. Hoje, os atletas treinam 180 km por semana e conquistam grandes resultados.

O2 Por Minuto – As tecnologias criadas em tênis e vestuário ajudam a melhorar os tempos dos atletas de elite?
MM –
Com certeza. Qualquer grama a menos faz uma grande diferença. O atleta deixa de carregar muito peso ao correr 42 km com 10 g mais leve.

O2 Por Minuto – Como surgiu a idéia de trazer os quenianos para o Brasil?
MM –
Já fazia este trabalho de intercâmbio na Itália. Morei sete anos na Europa e levava alguns atletas daqui para lá. Foi assim que conheci os quenianos e tive a idéia de trazê-los ao Brasil para fazer algumas provas. Quando mudei para Nova Santa Bárbara, realizei um projeto com a prefeitura e desenvolvi um centro de treinamento. Trabalhava com crianças que praticavam futebol, natação e atletismo. Depois comprei o local onde existe toda a estrutura da Casa Quênia.

O2 Por Minuto – Por que a Casa Quênia fica no interior e não em um grande centro?
MM –
Nos Estados Unidos e na Europa a maioria dos centros de treinamento fica em pequenas cidades, pois a pessoa não tem opções para cair na noite ou sair do foco principal, que é treinar. Se alguém não se enquadrar neste esquema, não serve para ser atleta.

O2 Por Minuto – Qual a estrutura da Casa Quênia?
MM –
Temos uma residência especialmente preparada para os atletas, com toda a infra-estrutura necessária. Além dos treinos, oferecemos cuidados com a saúde, apoio emocional, TV a cabo, internet e cozinheira.

O2 Por Minuto – E a alimentação deles é típica do Quênia?
MM –
Durante o dia, oferecemos a alimentação mais indicada para os atletas e eles comem de tudo. No jantar, podem optar pelo que estão acostumados a comer no Quênia, que é basicamente polenta.

O2 Por Minuto – Os atletas quenianos sofrem muito com a adaptação?
MM –
Não, eles chegam aqui e se sentem muito bem. Mas é incrível como se preocupam com a família. Eles telefonam muito para lá. Todos os atletas do Quênia têm uma ligação forte com o país. São muito patriotas, apesar de toda a dificuldade que passam, e são felizes com o que fazem. Além disso, os atletas de destaque investem em escolas, centro de treinamentos e contribuem para o desenvolvimento cultural de todos quenianos.

O2 Por Minuto – Os atletas costumam ficar no Brasil por quanto tempo?
MM –
Isso depende muito do calendário que programamos e dos resultados obtidos. Geralmente, cada atleta fica de dois a três meses e depois retorna ao Quênia. O centro de treinamento recebe cerca de 20 a 25 atletas por ano. Quando eles vão embora, passo as planilhas para que continuem treinando.

O2 Por Minuto – Qual o grande diferencial dos quenianos?
MM –
A disciplina e o foco são algo que eles possuem a mais. Porém, os quenianos também têm uma genética diferenciada e já nascem correndo. As crianças chegam a correr 10 km para ir estudar. Com isso, já se forma um campeão. Eles se dedicam muito ao atletismo, pois enxergam a oportunidade de ter uma vida boa. Todos sabem que com o esporte podem mudar o futuro da família.

O2 Por Minuto – É por isso que eles terminam todas as provas rindo, mesmo quando não vencem?
MM –
Eles entram em todas as competições para ganhar e saem rindo porque sabem da importância do que fazem. Os quenianos sempre dão o melhor que podem. Eles têm a consciência de que quando perdem é porque o outro foi melhor, mas cumpriram o seu papel.

O2 Por Minuto – Como é o treinamento dos atletas?
MM –
Traçamos os objetivos dentro das principais provas do calendário, como a Meia-maratona do Rio de Janeiro e São Paulo, a Volta da Pampulha e a São Silvestre. O treino de cada um é determinado conforme o interesse de trabalho. Às vezes, se formam grupos com o mesmo programa e o que muda é apenas a intensidade, mas isto depende muito de cada atleta.

O2 Por Minuto – Esse ano, a Eunice Kirwa foi a vencedora da Meia-maratona de São Paulo. Foi uma conquista sua também?
MM –
A Eunice é minha xodó. Ela acreditou no trabalho. Em um ano evoluiu muito. Faz três anos que está comigo e fiquei muito feliz com o resultado.

O2 Por Minuto – Quais são os destaques do Quênia para a São Silvestre desse ano? Aposta em algum dos seus atletas?
MM –
Na próxima semana o Patrick Chiriyot chega ao centro de treinamento. Ele é muito forte e já conquistou alguns resultados importantes, acredito que tem grandes chances de ganhar. No feminino, a Alice Timbililli, a Nancy Kipron e a Eunice Kirwa devem brigar pela vitória. A Nancy e a Eunice treinam comigo e quero apostar que as duas estarão no pódio.