Articulações de cristal

Atualizado em 15 de setembro de 2009
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Por Mariana Romão

O ponto fraco do herói grego Aquiles era o calcanhar. Tinha uma força enorme e só morreu ao ser atingido por uma flecha envenenada nessa parte de seu corpo. Desde então, o termo calcanhar de Aquiles é usado como uma metáfora para a fragilidade humana. Nas mulheres, esse ponto fraco são os joelhos: segundo dados da conceituada revista científica American Journal of Sports Medicine, a cada uma hora de prática de esportes por dia, elas têm três vezes mais chances do que os homens de lesionar os ligamentos do joelho.

O principal motivo, segundo os ortopedistas, é o quadril mais largo das mulheres. “Por causa disso, a ação do músculo quadríceps tende a lateralizar a patela. Há uma sobrecarga na articulação, a patela tende a correr na tróclea femoral com pressões alteradas”, explica o ortopedista César Fontenelle, chefe de clínica e coordenador da residência médica de ortopedia no Hospital Universitário da UFRJ.

Essa pressão gera uma alteração adaptativa que faz com que os membros inferiores se posicionem de maneira diferente, e a tendência é que a mulher fique com os joelhos em valga (joelhos para dentro e calcanhares para fora, formando uma espécie de X). “Isso pode levar a condromalácea, o problema mais comum nas corredoras, uma lesão na cartilagem da patela”, comenta Ricardo Cury, diretor do Comitê de Cirurgia do Joelho da SBOT (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia).

Mas, além do fator biomecânico do corpo, a preparação para o esporte tem muita relação com a ocorrência de lesões no joelho. “Mulheres que trabalham também o alongamento e fortalecimento de músculos podem prevenir os problemas. E devem priorizar, em especial, o quadríceps (grupo muscular das coxas) e os músculos adutores”, ensina Cury.

Quem costuma correr só em terrenos planos tem bem menos chance de desenvolver o problema. A patela é mais solicitada ao correr em terrenos irregulares ou em subidas e descidas. “Quando os joelhos formam uma angulação maior do que 15º ou 20º, a patela entra em contato com o fêmur e provoca mais desgaste”, afirma Cury.

A arquiteta Juliana Ambrósio, 33, já corria havia cinco anos quando começou a sentir dores durante a atividade física. “Mas só ao perceber que essa dor também me pegava em atividades mais comuns e diárias, como subir e descer escadas, é que procurei um médico”, conta. O diretor da SBTO esclarece que a dor da condromalácea é sentida principalmente na região anterior do joelho (na frente), e que a mulher não deve esperar sentir dor em atividades mais simples para procurar um médico. “Quando isso acontece, é sinal de que o problema já está avançado.”

Ligamentos
Outro problema diretamente ligado a características femininas é frouxidão dos ligamentos. “Por causa do ciclo menstrual, em especial no início da fase ovulatória, os ligamentos ficam mais fracos. Os que mais sofrem são o cruzado anterior e o colateral medial”, explica Lúcio Honório de Carvalho Junior, ortopedista especialista em joelho e professor do departamento de aparelho locomotor da Faculdade de Medicina da UFMG.

E, somado a esse enfraquecimento, novamente entra a preparação da massa muscular. “Naturalmente, as mulheres não têm uma massa muscular tão forte quanto a dos homens, a não ser aquelas que tem um nível altíssimo de competição. Quem não trabalha o músculo fica ainda mais propensa a esse incidente”, comenta o ortopedista Fontenelle.

Os sintomas, no caso de rompimento de um dos ligamentos são dor ao fazer o movimento torcional, de dobrar o joelho, e inchaço na região. “A mulher vai sentir diferença principalmente quando for dar a passada e tiver uma sensação de falha, instabilidade. Isso acontecerá sempre que ela repetir o movimento”, afirma Carvalho Junior.

A prevenção, segundo Fontenelle, é a mesma necessária para evitar a condromalácea: alongar e fortalecer a musculatura da coxa com freqüência. “A chave da proteção é tornar as coxas fortes para agüentarem o peso, e ele não ir todo para os joelhos”, aponta.

Fim da dor
“Como o joelho é uma articulação muito delicada, o tratamento para a condromalácea e para o rompimento dos ligamentos vai depender muito do paciente e do grau da lesão”, ressalta o ortopedista Cury.

Segundo ele, na condromalácea as chances de intervenção cirúrgica são menores. “O êxito gira entre 70% e 90% no tratamento convencional. Um percentual bastante positivo para a medicina.” O médico costuma dividi-lo em três etapas:

A primeira é reorientar atividades, tirar os fatores que causam dor. Para as corredoras: correr em terrenos planos ou apenas caminhar durante o tratamento.

Na segunda, entra o tratamento fisioterápico. Alongamento e fortalecimento global da musculatura, priorizando o quadríceps e os adutores.

Na terceira, vêm os medicamentos condroprotetores, que retardam o processo de degeneração da cartilagem.

Para as mulheres que tiveram alguma lesão nos ligamentos, o tratamento também pode ser cirúrgico ou conservador, como dizem os médicos. “Para não envolvermos cirurgia, a mulher precisa querer modificar seu estilo de vida depois da recuperação e partir para esportes de baixo risco para o ligamento lesionado, como a corrida apenas em terrenos planos, em linha reta”, comenta Carvalho Junior.

Segundo o ortopedista da UFMG, a intervenção cirúrgica, nesses casos, é um procedimento consagrado que envolve a substituição do ligamento rompido por um enxerto de tendão. “No entanto, a recuperação é demorada, podendo levar até um ano para retorno a atividade.”