Alma brasileira no MTB mundial

Atualizado em 17 de fevereiro de 2009
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Por Leandro Bittar e Felipe Vilasanchez

A brasileira Adriana Nascimento e o português Mario Roma, que vive no Brasil desde 89, são dois grandes nomes do MTB nacional. Integrantes e criadores da equipe Brasil Soul MTB, estrearam como time competindo na Transandes, uma ultramaratona de seis etapas realizada entre os dias 3 e 8 de fevereiro, no Chile, e disputada por duplas, onde conquistaram o terceiro lugar no pódio.

Além de participar de provas nacionais e internacionais, eles também promovem clínicas e training camps para mountain bikers, eventos que cada vez recebem mais participantes.

No dia 11 de fevereiro, recebemos Mario e Adriana aqui na redação da revista VO2 para uma entrevista, onde eles falaram sobre a conquista da Transandes e sobre a Brasil Soul MTB, entre outros assuntos. Confira.

Como foi o Transandes?
Adriana Nascimento: Foram seis dias de competição, e a prova mesmo não é novidade, já fizemos outras provas de ultramaratona, como a Transalpes, Cape Epic, Transrocks, que são bem similares. Mas a novidade desta foi a dupla. Essa foi a estréia da equipe Brasil Soul, com nós dois correndo juntos pela primeira vez.

Não é muito comum, no MTB, competir em dupla. Vocês fizeram alguma preparação especial para isso?
AN: Na verdade a gente não treinou muito. A gente já se conhece bem, eu sou a treinadora do Mário, e até mesmo pela experiência que temos das competições, temos também uma boa sintonia, e não precisamos fazer tantos treinamentos juntos. Por que o complicado é administrar a dupla. Não só a parte física, mas o entrosamento durante a prova, com muitas coisas acontecendo.

Mario Roma: Precisa haver certa osmose entre a dupla. O casamento é na alegria e na tristeza, e uma prova de ultramaratona é só na tristeza; alegria tem só quando você cruza a linha de chegada. Você precisa estar preparado por que nunca vai ser uma coisa fácil. O lado psicológico é muito importante, sobretudo no mountain bike, onde a gente corre a vida inteira sozinho. E isso é realmente uma novidade, que faz todo mundo sofrer. No decorrer dessas provas você vê parcerias se deteriorando aos poucos, até você ver que um cruza a linha de chegada e o outro chega uma hora depois. As equipes que tem o lado psicológico mais forte, sem dúvida, tem uma vantagem, por que ninguém é perfeito. Então você usa a vantagem de um para cobrir o defeito do outro e vice versa.

Taticamente, qual é a influência de ter uma segunda pessoa na equipe?
MR: A tática é tirar o melhor de cada um, por que não existe ninguém perfeito, então todos tem uma vantagem e todos tem um defeito. Você tem que estar constantemente estimulando seu parceiro nas dificuldades, e não focado nas suas próprias vantagens.

AN: Mesmo por que a tática, como é no ciclismo, muda muito para uma dupla mista. Um homem e uma mulher não são uma força tão equilibrada como é em uma equipe de ciclismo de estrada, onde um puxa, e daqui a pouco é o outro, revezando. O jeito é mesmo administrar a fraqueza de cada um.

Quais foram as dificuldades?
MR: Acho que a primeira e maior dificuldade foi a gente estar no começo da temporada, enquanto eles estão terminando. E como lá o volume de competições é grande, eles já vêm embalados. Mas, por outro lado, eu acho que a nossa parceria era melhor que a dos que estavam atrás de nós, então fomos usando o melhor que tínhamos.

AN: A primeira etapa da prova é bem complicada. Eu acho que a dificuldade no primeiro dia foi nos ambientarmos, conhecer o terreno, o tipo de solo. A região tem vulcões, um deles até é ativo, e o solo é bem diferente. Mas na segunda etapa já estávamos bem adaptados.

E como foi vencer dos argentinos?
M: A briga era acirrada, foi uma disputa constante, e depois começou a subir essa coisa patriota, da rivalidade. Essa foi a minha primeira experiência de rivalidade. Acho que agora eu jurei bandeira, virei brasileiro de verdade! E a gente também sentiu que os chilenos também não eram muito chegados aos argentinos. Então foi engraçado viver essa situação, foi uma experiência nova. Estou com uns arranhões nas pernas, mas foi divertido. E depois acabou tudo em festa.

Como vocês estruturam a rotina de treino?
AN: A gente divide treinamento com trabalho, então a rotina é acordar bem cedo para treinar, e durante a semana a gente utiliza bicicleta de estrada para treinar na USP, como a maioria do pessoal de São Paulo. Já nos finais de semana a gente sai para fazer treino longo na estrada, procurar as trilhas, andar de mountain bike, e participar de competições também. Algumas competições aqui no Brasil também ajudam como treinamento para essas provas maiores que a gente tem feito.

O trabalho na estrada então é eficiente?
AN: É eficiente e também importante, por que é onde conseguimos cobrir longas distâncias. São treinos de resistência, sem ter um desgaste tão grande, já que fazer 100 km de mtb é bem mais duro que 100 km na estrada.

Como surgiu a idéia da Brasil Soul?
AN: O Mario veio com a idéia no ano passado, e me convidou para integrar a equipe por eu já ter competido por muito tempo, ter experiência. Amadurecemos o projeto por uns seis meses e agora começamos. A nossa proposta é de passar a experiência para outras pessoas e desenvolver coisas novas, como as clínicas de MTB, para ajudar quem está começando.

O que depende a estrutura da equipe? O que vocês precisam para fazer tanto um projeto que ambiciona disputar provas no exterior quanto de fazer as clinicas?
MR: A gente precisa de patrocinadores, que é o principal, e depois, muita organização e planejamento, por que a gente não faz isso em tempo integral. É uma coisa que demanda muito suporte, para fazer bem feito do jeito que a gente gosta.

O que vocês buscam ao oferecer as clínicas?
MR: Procuramos atender as pessoas em todos os sentidos, ensinando elas a pedalar, e tentando proporcionar um bom fim de semana. Queremos que a pessoa desfrute do MTB, que saia da clínica realizada. Para fazer esses pequenos detalhes consome-se tempo, mas temos uma equipe da Roma Comunicação que nos dá esse feedback e nos ajuda na organização, para que possamos atender a todos.

AN: Nós procuramos proporcionar o máximo de atenção às pessoas que participam das clínicas e garantir a evolução delas. Nas competições, nós encontramos essas pessoas e temos outra oportunidade de estar junto e ver se evoluiu. Por isso vamos aos poucos e com muita qualidade.

E como vocês atendem às pessoas?
MR: A gente sempre faz o training camp e a clínica com um programa para biker e outra para não biker. Por que para você ter sucesso em uma coisa, o primeiro apoio tem que vir da sua casa. Se em casa ninguém te apoiar, não vai dar certo. A gente sempre faz programação para as crianças, para a esposa, para a namorada, para que todo mundo se envolva. A idéia é essa: fazer um grupo de pessoas que tem esse objetivo, MTB como desafio e como qualidade de vida.

Isso vai criando uma família, gerando um monte de filhos, e a gente quer cuidar deles com carinho. Você vê a evolução dessa família e isso é muito legal. As pessoas criam um vínculo entre elas, e isso é difícil em uma cidade como São Paulo. A gente também quer mostrar pras pessoas que pra andar numa bicicleta não é preciso ser o super homem. E queremos que as pessoas façam isso com segurança. A gente sempre passa esse lado da segurança.

AN: E isso também vem da nossa experiência, das nossas dificuldades em conciliar trabalho, família e lazer. A gente procura pensar nisso pra que as pessoas também
consigam praticar da melhor forma possível.

MR: Muita gente pensa que a gente é super homem, que a gente não faz nada da vida, só pedalamos. Não é a realidade, nem minha nem da Adriana. Ela pedala, tem a profissão dela, eu tenho dois filhos, mulher. E dá para ir para o Chile e ganhar dos argentinos.

Mario, quando você veio para o Brasil?
MR: A primeira vez que eu visitei o Brasil foi em 83, quando eu fazia vela profissional, e fiz uma regata que ia de Buenos Aires ao Rio de Janeiro. Mas eu vim para ficar mesmo em 89.

Como você passou da vela para o MTB?
MR: Eu fiz 12 anos de vela profissional, corri na volta ao mundo. Sempre gostei de briga grande, de um perrengue. Depois que eu parei de correr profissionalmente, vim para o Brasil e conheci um americano que andava de bike e que me apresentou o mountain bike. Aí eu achei legal, e comecei a correr corrida de aventura. Mas era uma confusão; era o começo da corrida de aventura no Brasil, e era muito complicado. Mas em um dia, eu comprei uma revista no aeroporto que falava sobre as maiores provas do mundo de MTB, aí eu vi que tinha essa Transalpes, que era a prova. E eu tinha uma amiga que morava aqui, inglesa, e eu disse para ela, “vamos nessa prova?”, e fomos.

Qual é a próxima prova de vocês?
A: No Brasil é a copa Sram 50K, depois vem uma Bigbiker, e a próxima internacional é a da Áustria. Nesse meio tempo, faremos mais clinicas.

Já aconteceu algo inusitado em alguma das clínicas ou training camps?
MR: No training camp da Chapada da Diamantina, a gente foi para uma cidade chamada Igatu, minúscula, uma aldeia, toda de pedra. A cidade estava forrada de bandeirinhas. Estava acontecendo uma festa. A senhora do hotel que nos recebeu era maravilhosa, fez uma recepção maravilhosa. E aquele visual deslumbrante… Estava acontecendo a festa do Boi do Brejo, uma festa bem antiga, não era uma coisa turística, e a gente chegou ali do nada, todos largados de paraquedas, e acabamos envolvidos em uma festa em que a aldeia inteira estava envolvida.

Você dois são atletas reconhecidos lá fora. Isso ajuda a Brasil Soul a ter reconhecimento internacional?
MR: Eu já corri bastantes provas fora e a Adriana é conhecida no exterior. Esse background que a gente tem nos ajuda. Também temos uma comunicação muito grande através do nosso site; além da língua portuguesa. Eu acho que a Brasil Soul não é uma equipe só brasileira, é um pouco aportuguesada, pois tem muita gente de Portugal envolvida. A Tap, que é uma empresa aérea portuguesa, é nossa patrocinadora, e uma das maiores empresas de ciclo turismo de Portugal nos contatou essa semana para nos patrocinar, por que nossa imagem está começando a ir para fora. Então eu acho que ficaremos internacionais, até por que nosso calendário não é voltado apenas para o Brasil. A gente quer crescer e comprar essa briga com os gringos, mas não só o lado competitivo. Queremos fazer contato, e, quem sabe, amanhã essas clinicas começam a se misturar com os gringos, tanto na parte da diversão quanto na parte de instrução. Além de mostrar pra eles o que o Brasil tem de bom.

AN: Eu já tinha competido, em campeonatos pan-americanos, com todas as atletas das equipes que a gente enfrentou no Chile, então já sabia bem quem elas são. E para elas foi bem interessante por que foi a primeira prova de ultramaratona delas, e eu já estou há mais tempo nisso, então já vem aquela historia de eu ser a brasileira que é a representante da América do Sul, que já foi a uma Cape Epic, a uma Transalpes. Então teve muito a troca de experiência, do dia após dia, e tem muito disso no reconhecimento. A gente está um pouquinho mais à frente representando o Brasil nessas outras provas.

Para finalizar, quais são as prioridades da Brasil Soul?
M: Nosse ano focaremos em seis provas internacionais grandes – já confirmamos a Cape Epic, a Open Tour, na Áustria, uma 24h em Portugal, e a Via Nova Race, na Galícia, fronteira de Portugal com a Espanha. Tem também a parte de training camp e de clínicas, onde queremos dividir a nossa experiência com as outras pessoas e não guardar esse ouro só para nós. Dessa forma, estamos contribuindo para o mountain bike brasileiro mais do que conquistando o pódio no Chile ou em outro lugar.